Crítica – Guillermo del Toro’s Pinocchio

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Pinocchio reconta a famosa história da marioneta de madeira através de animação stop-motion visualmente maravilhosa e com várias mudanças narrativas corajosas que fazem do remake mais humano, emocional e tematicamente profundo que tantas outras adaptações.

O famoso conto da marioneta de madeira chamada Pinocchio tem sido passado de geração em geração desde 1883 quando Carlo Collodi, o autor original, lançou o livro infantil The Adventures of Pinocchio. Inúmeras adaptações literárias, cinematográficas, televisivas e de palco pegaram na história e conseguiram transportar a mesma de década em década, sem nunca perder a essência da obra original. 2022 já possui uma versão live-action da Disney, mas Guillermo del Toro e Mark Gustafson lançam agora, no mesmo ano, a sua própria reimaginação animada – e melhorada.

Serão, com certeza, muito poucos aqueles que não reconhecem del Toro como um dos cineastas mais fascinantes da atualidade, mas é Gustafson, visionário realizador de animação stop-motion, que verdadeiramente chama a atenção para este Pinocchio. Como fã incessante deste tipo de animação, este simples facto, mais a “promessa” de del Toro em como a narrativa chocaria com a maioria das adaptações de cinema produzidas até aos dias de hoje, colocaram as expetativas bem altas para um clássico o qual, pessoalmente, nunca me deslumbrou. Dito isto, Pinocchio é, de facto, um dos melhores filmes de animação do ano!

Obviamente, a obra aborda muitos pontos de enredo comuns a outras versões e segue uma estrutura semelhante, mesmo contando com algumas mudanças drásticas. Uma das alterações mais positivas passa pelo tempo alocado à vida de Geppetto (David Bradley) antes da criação de Pinocchio (Gregory Mann), o que modifica significativamente o tema central da história. O argumento de del Toro e Patrick McHale foca-se em tópicos sensíveis e reais como a dor do luto e o amor (paternal), envolvendo o filme num ambiente incrivelmente humano e emocionalmente complexo.

Independentemente de se situar numa altura específica da história do nosso mundo – década de 1930 na Itália Fascista – e inclusive tornar a narrativa mais política do que o habitual, os elementos mágicos mantêm uma presença importante em Pinocchio, mas sem nunca desviar os holofotes dos arcos de personagem bem aprofundados. Tanto o início da obra como a sua conclusão seguem caminhos distintos comparativamente à maioria das versões do passado, mas estes riscos narrativos inerentes a qualquer adaptação demonstram ser consistentes entre os mesmos.

Isto é, em nenhum momento o filme tem receio de contar a verdade dura ou fica de pé atrás com uma decisão mais arrojada. Esta dedicação e comprometimento nota-se na escrita através de diálogos ricos com mensagens memoráveis sobre os temas acima mencionados, assim como sermos a melhor versão de nós próprios, sendo que a maior virtude de Pinocchio nesta adaptação é mesmo a sua desobediência genuína. Esta caraterística do boneco de madeira é retratada como algo negativo em outras histórias, mas del Toro e McHale defendem a mesma com unhas e dentes durante todo o tempo de execução.

Pinocchio é afetado seriamente com a guerra a decorrer e, portanto, as regras e leis do mundo não são as mais eticamente e moralmente corretas. Apesar da imaturidade de Pinocchio ser bastante irritante em determinados pontos, tornando difícil uma conexão mais próxima com o mesmo, a obra tem o cuidado de explorar as imperfeições que marcam os pais e filhos deste mundo, focando-se no mais importante: o amor que sentem uns pelos outros. Afinal de contas, todos nós dizemos coisas que não sentimos quando estamos pressionados, stressados ou chateados.

A tal desobediência de Pinocchio permite que o filme construa um arco de auto-descoberta em que o protagonista decide por si próprio as regras que entende como aceitáveis e toleráveis, baseando-se nas suas experiências de vida. Os cineastas também deixam claro que ser humano não implica ser de carne e osso, mas sim sentir e comportar-se como tal. Foi necessária uma adaptação mais realista, emocional e tematicamente complexa para perceber que, tal como o protagonista, também não aceitava algumas das ideologias presentes nas outras obras cinematográficas.

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Tecnicamente, Pinocchio continua a tendência que a animação stop-motion tem para me impressionar com os seus visuais arrebatadores. Seja o próprio desenho e construção das personagens, sejam os planos escolhidos para paisagens absolutamente deslumbrantes, este é, sem dúvida, um dos filmes de animação mais bonitos e criativos dos últimos anos. Os números musicais, antigos e novos, possuem níveis de entretenimento mais virados para o público infantil, mas as letras ricas irão provocar muito sorrisos nos espetadores mais adultos.

O elenco de voz não podia ter entregue melhores prestações. Ewan McGregor destaca-se dos restantes, com uma performance cativante enquanto o sábio grilo narrador, Sebastian J. Cricket. Bradley transmite imensa emoção à voz de Geppetto, ao passo que Mann perde algum controlo do seu tom mais agudo. Tilda Swinton, Ron Perlman e Christoph Waltz incorporam na perfeição a aura das suas personagens. Tirando uma fase mais lenta e naturalmente previsível, Pinocchio não possui problemas de maior, sendo uma visualização obrigatória neste último mês do ano e um candidato forte para a temporada de prémios.

Pinocchio reconta a famosa história da marioneta de madeira através de animação stop-motion visualmente maravilhosa e com várias mudanças narrativas corajosas que fazem do remake mais humano, emocional e tematicamente profundo que tantas outras adaptações. Diálogos inesquecíveis sobre perda, amor e sermos a melhor versão de nós próprios marcam uma aventura de auto-descoberta que merece ser vista em família. O elenco de voz não podia ser melhor enquanto que a (nova) música consegue ser simultaneamente divertida e liricamente rica. Guillermo del Toro simplesmente não consegue falhar.

Pinocchio estreia sexta-feira, dia 9 de dezembro, na Netflix.

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2 Comentários

    • Viva Mallet,

      A mensagem de que para se ser um “verdadeiro rapaz” que se tem de transformar num ser humano, por exemplo. Aprecio mais a decisão criativa que o Guillermo del Toro tomou, visto ser uma mensagem mais bonita e, pessoalmente, que me faz mais sentido. Já houve outras versões a mudarem o fim, mas esta foi a que conseguiu ser mais eficaz, na minha opinião.

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