Oxygen é um exemplo fenomenal de filmmaking numa só localização que, infelizmente, escapará ao radar da maioria dos espetadores.
Sinopse: “Uma mulher (Mélanie Laurent) acorda numa cápsula criogénica sem se recordar de quem é ou como lá foi parar. Com o oxigénio a esgotar-se rapidamente, tem de recuperar a memória para conseguir sobreviver.”
Alexandre Aja chamou a minha atenção quando apresentou uma das maiores surpresas de 2010, Piranha 3D. A grande maioria dos espectadores esperava que este filme fosse absolutamente horrível e, embora não o adore, adicionei o realizador à minha lista de cineastas para seguir de perto. Após anos de tentativas e erros, Aja aparentemente encontrou o seu grande breakthrough com Crawl de 2019. Um filme de catástrofe que, mais uma vez, as pessoas antecipavam ser um dos piores filmes do ano e que acabou por ser um dos melhores do género, pelo menos em memória recente. Por isso, não ia obviamente perder Oxygen, um filme francófono que ostenta uma premissa altamente misteriosa.
Filmes como este tornam críticas sem spoilers realmente desafiantes de se escrever. Este filme da Netflix possui dezenas de plot twists e revelações impactantes as quais não posso aprofundar, logo é difícil partilhar os meus pensamentos completos sobre os momentos mais significativos do filme. Sendo assim, trabalharei em torno das respostas explícitas às perguntas intrigantes que acabam por tornar esta longa-metragem incrivelmente cativante. Christie LeBlanc oferece um argumento fascinante repleto com tudo aquilo que um thriller de uma só localização, claustrofóbico e enigmático deve ter para ser bem sucedido. Sinceramente, é um dos guiões mais bem escritos que já testemunhei desde há algum tempo dentro do género.
Para aqueles espectadores que odeiam filmes ambíguos, Oxygen está longe de tal. Todas as questões levantadas pela narrativa são claramente respondidas. Nenhum membro do público ficará desapontado por não compreender significados escondidos ou temas vagos. No entanto, não posso repetir isto vezes suficientes: o argumento de LeBlanc contém literalmente dezenas de perguntas e a mesma quantidade de respostas. É impossível convencer todos na audiência a aceitarem todas as reviravoltas, especialmente durante o terceiro ato, pesado em revelações. A partir de um momento em específico, é um fluxo esmagador de informações chocantes que pode revelar-se demasiado para algumas pessoas. Mesmo assim, existe algo que muitos gostam de criticar e que não está presente neste filme: problemas de “lógica cinematográfica”.
Se os leitores já viram o filme, ou vão concordar totalmente com a minha última afirmação, ou provavelmente pensam que assistimos a filmes diferentes. Como é habitual com este tipo de questões, tudo depende da perspetiva e mentalidade dos espectadores em relação a elementos de ficção científica e tecnologia verdadeiramente avançada. De facto, para muitas audiências por todo o mundo, apenas o facto da personagem de Mélanie Laurent estar presa numa cápsula criogénica com aspeto futurista e com um AI tipo Siri a ajudá-la a compreender o que está a acontecer já é esticar os limites de credibilidade. Nem todos podem suspender a descrença da mesma forma, por isso, não me surpreenderei se Oxygen receber uma resposta mais divisiva por parte do público.
No entanto, acredito firmemente que este vai acabar como um dos filmes mais despercebidos/subvalorizados de 2021. Aja coloca o seu talento tremendo por detrás da câmara à prova ao fazer um filme de média duração dentro de um dos locais mais pequenos onde um protagonista alguma vez esteve preso durante a maior parte do tempo de execução. Todos os novos blocos de informação sobre o onde, como, porquê e quando, relativamente à narrativa principal, são cuidadosamente entregues aos espectadores com apenas as dicas certas para o que realmente se está a passar. Embora o público também esteja “enfiado” no mesmo local durante quase duas horas, Aja e Maxime Alexandre (DP) criam formas inovadoras e cheias de suspense para manter o momentum, nunca deixando o filme tornar-se demasiado monótono ou cansativo.
A prestação excecional de Mélanie Laurent é um dos elementos mais vitais do filme. Sem a sua fantástica exibição, seria extremamente complicado continuar a sentir-me investido na missão da personagem de descobrir tudo o que lhe está a acontecer, incluindo as suas origens. O seu papel requer um alcance emocional ridículo e Laurent demonstra todo o seu imenso talento. Tecnicamente, a cápsula criogénica possui uma tecnologia impressionante, parte dela criada por efeitos visuais notáveis. A banda sonora sinistra de Robin Coudert também traz outra camada de mistério e suspense ao filme já obscuro. No geral, é um exemplo perfeito de como filmes de baixo orçamento podem ser incrivelmente bem feitos.
Finalmente, Aja e LeBlanc trazem vários temas para a mesa, sendo “identidade” provavelmente o maior. O que é que nos torna verdadeiramente humanos? Sentimentos e memórias? Sofrimento físico? É impossível mergulhar neste tema sem estragar alguns dos momentos mais chocantes da história, mas é apenas um dos muitos enredos subjacentes que acabam por fazer de Oxygen um belo exemplo de uma narrativa profunda. Também são abordados temas gerais como a saúde e a política, bem como dilemas morais relacionados com tecnologia extremamente avançada e o que os humanos devem fazer com a mesma. Sinceramente, já passaram vários dias, entretanto assisti a mais quatro filmes e ainda estou a pensar neste…
Oxygen é um exemplo fenomenal de filmmaking numa só localização que, infelizmente, escapará ao radar da maioria dos espectadores. O argumento extremamente detalhado de Christie LeBlanc carrega revelações e twists chocantes e impactantes que não deixarão ninguém indiferente. Dilemas morais cruéis, descobertas surpreendentes sobre a protagonista misteriosa e um “one-woman show” fantástico de Mélanie Laurent mantêm a narrativa lenta e pesada em flashbacks bastante interessante.
Possuindo vários temas subjacentes, Alexandre Aja cria um ambiente tenso e repleto de suspense com uma sensação de urgência que nunca desaparece do ecrã. O trabalho de câmara criativo por parte de Maxime Alexandre e a banda sonora atmosférica de Robin Coudert elevam este estudo profundo sobre a identidade humana sem nunca parecer demasiado ambíguo.
Para os fãs de thrillers claustrofóbicos com elementos de ficção científica, a Netflix atualmente detém um dos meus filmes favoritos deste ano.