Crítica – One Life (BFI London Film Festival 2023)

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One Life apresenta mais uma história importante proveniente da Segunda Grande Guerra, que merece ser vista no grande ecrã.

Antes desta edição do BFI London Film Festival, acreditava que não havia muito mais espaço para filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, pelo menos não para narrativas novas nunca antes vistas, lidas ou documentadas. É um evento tão negro e marcante da história da humanidade que dificilmente algum cineasta seria capaz de trazer algo verdadeiramente impactante para o grande ecrã que já não tivesse sido feito. Eis que surgem The Zone of Interest e, agora, One Life. Se o primeiro é guiado por emoções negativas, o último é precisamente o oposto.

Lucinda Coxon (The Danish Girl) e Nick Drake (Making Noise Quietly) juntam-se para adaptar o livro If It’s Not Impossible… The Life of Sir Nicholas Winton, de Barbara Winton, filha do protagonista epónimo. Uma história importante sobre um homem digno e responsável que representa puridade humanitária e altruísmo genuíno do mais alto nível, ajudando a resgatar crianças judias no início da guerra, salvando centenas de almas que, hoje em dia, equivalem a milhares de vidas espalhadas pelo mundo fora. James Hawes estreia-se da cadeira de realizador de longas-metragens com uma obra emotiva que merece ser partilhada e reconhecida por todos os países.

One Life segue o percurso formulaico de biografias deste tipo, incluindo uma conclusão previsível. Dito isto, nem o desenrolar interessante do enredo nem a culminação potente são afetadas, tal como comprovam as minhas lágrimas bem líquidas derramadas nos últimos minutos. Não há muito que Hawes pudesse fazer para transformar o argumento numa experiência audiovisual única sem correr riscos desnecessários e a verdade é que o essencial nestas adaptações é colocar todos os holofotes no conteúdo do livro, não em malabarismos técnicos fúteis ou dramatizações secundárias forçadas.

Seguindo a mesma lógica, as prestações são igualmente moderadas e o mais próximo do realismo humano possíveis. Anthony Hopkins e Johnny Flynn interpretam o protagonista em fases diferentes da sua vida, obviamente. O primeiro lida com a confusão do seu escritório e casa que, apesar de espaçosa, não é suficiente para guardar tantos documentos cruciais que salvaram centenas de vidas, assim como memórias intensas de um passado que ainda impede o próprio de seguir em frente. Naturalmente, o ator mais jovem lida com a confusão real da guerra onde todas essas memórias foram criadas, documentos redigidos e sacrifícios tomados.

Tanto Hopkins como Flynn permitem o argumento de Coxon e Drake brilhar. Toda a emoção acumulada para o final catártico é devida ao guião esperançoso, devastador, humanístico e agridoce. Acompanhado por uma montagem exímia de Lucia Zucchetti (Colette) e uma banda sonora poderosa e imersiva de Volker Bertelmann (All Quiet on the Western Front) composta maioritariamente por piano e cordas – instrumentos que mais facilmente provocam um oceano de lágrimas nas salas de cinema – One Life deixa o coração dos espetadores a palpitar fortemente durante todo o seu tempo de execução.

As prestações carregam o peso da responsabilidade caída não só sobre Nicholas Winton, mas todos os envolvidos na operação humanitária. No entanto, cabe a Hopkins lidar com o impacto de décadas de sacrifício não-reconhecido e, acima de tudo, com o sentimento de culpa de não conseguir salvar todas as outras crianças que não conseguiram entrar nos comboios da Checoslováquia para Londres. E aqui, o ator icónico faz o que sabe melhor, elevando One Life a um patamar ainda mais memorável e emocionalmente avassalador.

Prefiro o título do filme ao do livro. One Life é simplesmente brilhante, pois encaixa na perfeição no estudo que a obra faz sobre o quanto uma só vida é capaz de influenciar positivamente um número inqualificável de outras. Pessoalmente, adoro o texto branco em fundo negro do costume entre o fim do filme e os respetivos créditos, independentemente da história acabada de testemunhar. Traz sempre informação complementar significante e, no caso deste filme, acrescenta mesmo um valor impressionante ao trabalho fenomenal de Winton e companhia.

O clímax de One Life é o único momento da obra que me deixa com um pequeno problema na cabeça, apesar de em nada afetar a camada emotiva que cobre os últimos quinze minutos. Sem spoilers, a melhor maneira de descrever é que existe um certo dilema cinematográfico na recriação de um momento televisivo. Independentemente da sequência de eventos ser idêntica ou não à realidade, é aqui que o facto de ser uma “adaptação” permite ao cineasta fazer pequenos ajustes de forma a favorecer os temas que cuidadosamente abordou durante as pouco menos de duas horas do filme.

Existe um prolongar deste clímax que considero desnecessário e, de certa maneira, organizado de forma a provocar uma reação ainda mais catártica do público. Repito, não prejudica em nada One Life no geral e até serve para acumular ainda mais emoção. Apenas fica a sensação de que, para além de não mudar em nada a narrativa em si, nem o arco do protagonista, simplesmente podiam ter sido mais diretos, mas assim não o entenderam.

VEREDITO

One Life apresenta mais uma história importante proveniente da Segunda Grande Guerra, que merece ser vista no grande ecrã. Apesar de não quebrar as barreiras do género, desenrola a sua narrativa de maneira cativante, repleta de momentos devastadores e agridoces, mas também de altruísmo, sacrifício humanitário e esperança, culminando num final poderosamente catártico que serve de homenagem ideal a Sir Nicholas Winton. Elenco carrega o peso da responsabilidade da missão de resgate com o cuidado devido, caindo no lendário Anthony Hopkins o rebentar da emoção acumulada. Belissimamente editado e com uma banda sonora indutora de muitas lágrimas. Visualização obrigatória.

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