Crítica – Nomadland

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Nomadland irá desiludir quem antecipar uma história mais ativa, mas será uma história contemplativa, esclarecedora e emocional para quem se deixar levar pelos nómadas reais.

Nomadland

Sinopse: “Após perder tudo na última grande recessão económica, Fern (Frances McDormand), uma mulher na casa dos 60 anos, prepara a sua carrinha e parte pela estrada numa viagem pelo oeste americano, explorando uma vida fora da sociedade convencional, como uma nómada moderna.”

À data deste artigo, Nomadland já recebeu inúmeras nomeações para basicamente todas as cerimónias de homenagem ao cinema (devido à extensão da elegibilidade de filmes até fim de fevereiro) e acaba de sagrar-se vencedor nas categorias de Melhor Filme Dramático e Melhor Realizador nos Golden Globes 2021. Isto inclui Chloé Zao (The Rider, Songs My Brothers Taught Me), que também foi nomeada para as categorias de realização e argumento, ganhando um tremendo apoio da comunidade cinematográfica, uma vez que realizadoras femininas raramente são reconhecidas pelo seu magnífico trabalho – Emerald Fennell (Promising Young Woman) e Regina King (One Night in Miami) também estão em jogo este ano. Apesar de nunca ter visto os dois filmes anteriores da carreira de Zao, tinha conhecimento sobre o seu estilo estar muito ligado à realidade e autenticidade, não deixando que os Hollywoodismos típicos impactem a sua visão.

Se há algo que, definitivamente, prova o seu compromisso notável em alcançar esse realismo, é a contratação de não-atores para participar nos seus filmes. Ao longo de Nomadland, várias pessoas reais contam a sua história, explicando as razões pelas quais se tornaram nómadas e oferecendo uma perspetiva enriquecedora e inspiradora sobre a vida. Este é, de longe, o aspeto mais cativante e emocionalmente convincente do filme. Aprender quem são estas pessoas e o que as faz continuar a viver como vivem é incrivelmente educativo, destruindo estereótipos terrívelmente errados que não deviam ter lugar no nosso mundo. Com tantas entregas excelentes por parte dos não-atores, tenho a certeza absoluta que algumas das interações entre a personagem de Frances McDormand e estes nómadas da vida real não foram escritas.

Na verdade, existe um claro estilo documental associado a este filme. Desde a cinematografia deslumbrante ao nível do terreno (Joshua James Richards) ao trabalho bem estruturado de edição (também feito por Zao), a narrativa contém um storytelling superficialmente sem eventos e observador que muitos espectadores irão considerar cansativo e aborrecido, o que é completamente compreensível. É difícil negar que o enredo é baseado em seguir McDormand numa caravana através do Oeste Americano, vê-la a conhecer novas pessoas, a trabalhar em alguns sítios diferentes… e é muito à volta disto. Se as pessoas entrarem para este filme antecipando desenvolvimentos alucinantes e revelações chocantes, todas sairão extremamente desapontadas.

Nomadland

É um filme lento, e até algo repetitivo, contado pela visão única de Zao, que é a peça-chave que faz este filme funcionar tão bem. A sua dedicação impressionante em entregar uma representação tão realista de um estilo de vida em particular eleva toda a película. Tecnicamente, já mencionei que é muito bem filmado, mas a banda sonora de Ludovico Einaudi é indutora de lágrimas por si só. Com faixas de piano sinceras, a música de Einaudi toca durante paisagens fantásticas, ajudando estes momentos a colocar os espectadores num estado mental de introspeção. O argumento de Zao está repleto de temas subjacentes, mas as opiniões diversas e impactantes sobre o que significa viver, assim como lidar com o luto e traumas pessoais, agarraram a minha atenção.

Apesar de tudo o que escrevi acima, Nomadland é altamente guiado pelas prestações. Frances McDormand carrega este filme com mais uma interpretação poderosa para adicionar à sua já impressionante carreira. As suas reações em cada conversa que tem com os não-atores parecem vir da própria McDormand e não da sua personagem, Fern. No que toca a esta, Fern é uma personagem incrivelmente agradável, a definição absoluta do que significa ser uma boa pessoa. Seguir tal protagonista torna a viagem extremamente longa um pouco mais leve. Todos os não-atores são absolutamente perfeitos. Não tenho nada além de tremendo respeito por eles e pela vida que escolheram viver.

Não espero que o público em geral adore este filme, mas adorava ver os espectadores a tentarem descobrir o que o torna tão especial. Muitos irão terminar a sua visualização e pensar que este é apenas mais um “filme técnico” que só recebe elogios dos críticos. Sinceramente, gostaria que a audiência se questionasse por que não gostaram de um filme tanto como outras pessoas e que pesquisassem sobre o mesmo. Ir à procura do que torna o filme tão inspirador e com um belíssimo storytelling. Sim, é bastante filosófico, o seu ritmo podia ser melhor controlado e não tem realmente grandes surpresas ou eventos significativos. Mas se possui muito mais do que existe à superfície, então investiguem, leiam um pouco sobre o que foi necessário fazer para criar este filme e, talvez – apenas talvez – se torne numa melhor visualização.

Nomadland

Nomadland oferece uma história contemplativa, esclarecedora e emocional sobre a vida de nómada, possuindo pessoas reais que tornam este filme muito mais especial. A visão única e repleta de paixão de Chloé Zao e a sua dedicação notável à autenticidade são caraterísticas mais do que suficientes para merecer dezenas de nomeações. Uma cinematografia muito bonita e uma banda sonora adorável elevam tremendamente o filme, criando a atmosfera perfeita para um storytelling pensativo.

Alguns problemas com o ritmo e uma narrativa sem eventos/surpresas baseada praticamente em simplesmente acompanhar a protagonista através da sua longa viagem afetam negativamente a desfrutação do filme, o que deixará alguns espectadores dececionados. Frances McDormand carrega o filme nos seus ombros com outra prestação dominante para acrescentar à sua carreira impressionante.

No entanto, os holofotes vão para os nómadas da vida real que participaram neste projeto maravilhoso, partilhando histórias pessoais cheias de perspetivas valiosas sobre tantos temas relacionados com a vida e modos de a viver. Um candidato digno para a temporada de prémios.

Nomadland estreia brevemente nos cinemas portugueses.

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