Megalopolis é um épico ambicioso que tenta explorar inúmeros temas provocantes, mas a visão de Coppola sobre a reconstrução da sociedade reflete tanto a sua grandiosidade quanto as falhas inerentes à sua execução caótica.
Francis Ford Coppola (The Godfather) e o seu projeto de sonho. Se sentem que Megalopolis já foi falado inúmeras vezes ao longo dos últimos 50 anos, é porque realmente a ideia foi concebida em 1977 e começou a ser trabalhada poucos anos depois. No entanto, desde “dívidas” para com Hollywood após falhanços consecutivos na bilheteira até a adiamentos provocados por atentados terroristas, não esquecendo também uma pandemia global, Coppola foi sendo obrigado a colocar esta sua história única de lado década após década… até aos dias de hoje.
A ideia original manteve-se essencialmente intacta, sendo que o desejo principal do cineasta era gerar paralelos entre a queda do Império Romano com o futuro da civilização moderna, nomeadamente a Americana. De um lado, o genial arquiteto Cesar Catilina (Adam Driver) procura reconstruir Nova Iorque como uma Nova Roma, utópica e idealista. Já o seu opositor, o mayor conservador Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), continua comprometido com os interesses vigentes, perpetuando a ganância, os privilégios e a guerra partidária. No meio, encontra-se a socialite Julia Cicero (Nathalie Emmanuel), a filha do presidente, cujo amor por Cesar divide as suas lealdades, levando-a a descobrir o que a própria verdadeiramente acredita que a humanidade merece.
Não é muito comum entrar para a sala de cinema com uma noção clara – ou qualquer noção, sinceramente – da reação geral ao filme que vou assistir, muito menos uma estreia. No entanto, a antecipação para Megalopolis era tal que foi impossível escapar às primeiras opiniões oriundas do Festival de Cannes que, como é cada vez mais natural atualmente, chegaram com estrondo às redes sociais. Com reações mais megalómanas que a própria obra, o que ficou claro foi uma divisão enorme e bastante polarizadora sobre um épico inegavelmente ambicioso.
E eis que é precisamente nessa ambição tremendamente admirável que se encontra o problema frustrante da execução. Megalopolis explora uma miríade de temas complexos como poder, ambição, natureza humana e evolução da sociedade, misturando elementos de filosofia, política e drama. É um estudo sobre a civilização humana e o potencial de um futuro utópico que combina o melhor da Era Moderna e da Roma Antiga. No entanto, a complexidade excessiva ligada à junção de todos estes tópicos leva a um foco narrativo que, apesar do enredo principal ser essencialmente sobre o conflito entre duas figuras imponentes a tentarem reconstruir uma cidade de acordo com as suas ideias e ideais, é demasiado metafórico.
As analogias entre a queda do Império Romano e a sociedade Americana contemporânea são constantes, mas sobrepõem-se frequentemente ao desenvolvimento das personagens que incorporam tantos dos temas que marcam Megalopolis. Para além disso, a clareza narrativa também é negativamente afetada devido ao típico problema cinematográfico de “demasiadas ideias para um só filme”, mesmo que este possua uma duração de praticamente duas horas e meia. Há várias linhas narrativas ficam por aprofundar e alguns elementos importantes para a construção deste mundo futurístico terminam sem explicação.
Visualmente, Megalopolis merece muitos elogios. Os locais de filmagem, sejam estes verdadeiros ou em estúdio, são deslumbrantes e incrivelmente imersivos, colocando os espetadores bem perto do mundo surreal que Coppola consegue trazer para o grande ecrã. A estética geral criada pela produção artística e o departamento de efeitos visuais, assim como o guarda-roupa, destacam-se pela sua artificialidade propositada que, estranhamente ou não, é extremamente cativante. Dito isto, tal como qualquer outro componente da obra, a ambição é tal que a coerência visual e até narrativa é prejudicada, sendo que não é um filme propriamente acessível ou fácil de se seguir – bem pelo contrário, o caos predomina em várias fases do filme.
Pessoalmente, considero o confronto político entre Cesar e Cicero o mais interessante no rolo infinito de fios narrativos de Megalopolis. Desde as suas visões distintas para a cidade até às suas filosofias díspares – que, se calhar, não são assim tão afastadas quanto isso – Driver e Esposito representam os personagens mais intrigantes do filme, mas Emmanuel surpreende com a prestação mais sólida de todo o elenco. Aubrey Plaza poderá ser um nome mais destacado devido à sua prestação com mais oportunidades para trabalhar, mas há algo de especial na performance de Emmanuel.
Dito isto, o elenco encontra-se claramente recheado em demasia com grandes estrelas de Hollywood para chamar mais à atenção do público geral do que propriamente para acrescentar algo de valor a Megalopolis. A narrativa de Coppola é uma mescla de géneros, de enredos e de personagens muito caótica que acaba por ficar subdesenvolvida e, infelizmente, não cumpre com as expetativas elevadas de quem esperava por este filme há décadas. No entanto, merece ser visto no grande ecrã, nem que seja pela potencial última chance de ver uma obra de um dos cineastas mais influentes da história do cinema.
VEREDITO
Megalopolis é um épico ambicioso que tenta explorar inúmeros temas provocantes, mas a visão de Coppola sobre a reconstrução da sociedade reflete tanto a sua grandiosidade quanto as falhas inerentes à sua execução caótica. Apesar dos visuais imersivos e um elenco talentoso, a narrativa acaba por ser sobrecarregada por metáforas e analogias filosóficas, resultando numa experiência que, embora provocativa, se revela confusa e dispersa. O confronto central entre Cesar e Cicero proporciona momentos intrigantes, mas a riqueza das ideias propostas frequentemente dilui-se na complexidade excessiva da obra. Uma desilusão frustrante que, mesmo sendo um trabalho de um dos maiores cineastas de sempre, não deixa de cometer erros comuns do cinema contemporâneo.