Luca segue de perto as fórmulas de sucesso dos estúdios da Pixar sem se desviar por caminhos únicos, mas mesmo assim conta uma história cativante com personagens relacionáveis que chegam ao coração dos espectadores.
Sinopse: “Situado numa bela cidade à beira-mar na Riviera italiana, o estúdio Pixar conta a história de um jovem rapaz que vive um verão inesquecível cheio de gelato, massa e passeios intermináveis de scooter. Luca (Jacob Tremblay) partilha estas aventuras com o seu novo melhor amigo, Alberto (Jack Dylan Grazer), mas toda a diversão é ameaçada por um segredo profundo: eles são monstros marinhos de outro mundo abaixo da superfície da água.”
A Pixar é, indiscutivelmente, um dos melhores estúdios de cinema. Desde a sua incrível consistência na entrega de filmes emocionalmente poderosos ao seu impacto na indústria da animação, é difícil encontrar alguém que realmente não goste de um terço dos seus filmes, quanto mais da maioria ou de todos. Para mim, tornou-se num dos raros estúdios de onde adiciono sempre os seus filmes à minha watchlist de cada ano, independentemente de quem realize, escreva ou protagonize.
Tendo em conta que os únicos filmes com os quais não me consigo relacionar provêm da saga Cars, fiquei obviamente entusiasmado por Luca, um filme situado na Riviera italiana durante o verão. Com um realizador estreante, Enrico Casarosa, e uma dupla de argumentistas relativamente desconhecida – Jesse Andrews e Mike Jones – não esperava muito mais para além de passar um bom bocado.
E um bom bocado assim passei! Primeiro que tudo, tiro o óbvio da frente: todo o filme encontra-se deslumbrante. A costa italiana é lindamente retratada com a mistura de animação 2D e 3D, que oferecem um tremendo detalhe visual. A cidade de Portorosso apresenta cenários belíssimos, especialmente as casas tradicionais desenhadas à mão. A partir do primeiro segundo em que os espectadores saem de água e colocam os pés em terra, o mundo colorido enche o ecrã, tal como a memorável banda sonora de Dan Romer. Este último eleva os momentos alegres e divertidos entre Luca e Alberto – interpretados por Jacob Tremblay e Jack Dylan Grazer, respetivamente – mas também sabe quando reduzir a intensidade e transformar uma cena numa situação muito mais comovente e indutora de lágrimas, uma “marca registada” da música da Pixar.
Transitando para a história, Andrews e Jones apresentam uma narrativa simplista sobre “sentirmo-nos diferentes” sem nunca explorarem realmente o tema sensível que é a discriminação pela aparência física. A Pixar não precisa de entregar constantemente histórias profundas e complexas como o recente Soul, por isso, é completamente normal que Luca opte por ser um conto mais leve. Luca e Alberto são monstros marinhos capazes de se transformarem em seres humanos quando estão em terra e estão a ser caçados pela população assustada pelas “bestas carnívoras”, um mito que serve como metáfora fácil para como o mundo observa erradamente “pessoas diferentes” que vêm de locais longe da sua aldeia, cidade ou país com a sua própria cultura. Embora o desenvolvimento deste tema seja eficiente, a sua resolução “sabe a pouco”.
Luca está longe de ser uma história inovadora com revelações de fazer cair o queixo ou momentos absolutamente chocantes. Enrico Casarosa mantém-se pelo básico e segue as fórmulas de sucesso do estúdio que deram origem a tantos filmes extraordinários. Praticamente não existem pontos de enredo ou decisões de personagens surpreendentes, mas devido ao storytelling notável e a personagens excecionais, tudo carrega um peso emocional suficiente para provocar algum lacrimejar nos espetadores. No entanto, a conclusão do tema principal abordado no filme é extremamente abrupta, deixando o público com uma sensação algo desapontante. Existe um ambiente de perigo e elementos de tensão constantes ao longo do tempo de execução que acabam por ser irrelevantes devido ao final que resolve tudo com demasiada facilidade.
Sinceramente, não costumo usar esta expressão para descrever um filme da Pixar, mas Luca é parecido a um “filme de estúdio”, no sentido em que a narrativa é uma história genérica e formulaica que passa por todos os desenvolvimentos previsíveis e respetivas consequências. Tal não significa que seja um aspeto negativo, muito pelo contrário. A diferença é que o estúdio em questão é a Pixar, em vez de uma “empresa” barata, repetitiva e vazia que entrega continuamente o mesmo filme de ação/horror, apenas num local diferente com outros atores. Um filme da Pixar ser “genérico” continua a significar que o mesmo possui storytelling sincero, uma narrativa convincente com personagens relacionáveis, animação fantástica e uma banda sonora inesquecível. Este é o “padrão standard” que a Pixar construiu.
Logo, sim, Luca pode não estar no topo do meu ranking pessoal da Pixar, mas não deixa de ser uma obra que desfrutei imenso. O trabalho de voz é incrível por parte de todo o elenco – incluindo um cameo hilariante de um ator bastante popular – e o valor da produção não tem preço. No geral, as personagens roubam os holofotes. Luca, Alberto e Giulia (Emma Berman) são mais uma prova inegável de que a Pixar sabe como criar protagonistas relacionáveis. É impressionantemente fácil criar uma ligação com todos individualmente e nem sequer me apercebi do quanto me importava com os mesmos até ao terceiro ato emocionalmente ressoante. Este último funciona na perfeição devido ao tratamento brilhante das suas amizades. Desde as interações divertidas aos problemas que vão surgindo, tudo parece notavelmente autêntico. Não se pode pedir muito mais que isto.
Luca segue de perto as fórmulas de sucesso do estúdio sem se desviar por caminhos únicos, mas mesmo assim conta uma história cativante com personagens relacionáveis que chegam ao coração dos espetadores. Desde a animação detalhada que faz a costa italiana parecer realisticamente espantosa à rica banda sonora de Dan Romer que acerta nas notas necessárias, sem esquecer o excelente trabalho de voz, todos os atributos técnicos da Pixar estão presentes numa narrativa admitidamente menos complexa e sem surpresas.
Enrico Casarosa leva o argumento leve de Jesse Andrews e Mike Jones através de uma estrutura genérica, onde o tema “sentir-se/ser diferente” é eficientemente desenvolvido mas concluído de forma algo dececionante. No entanto, previsibilidade significa pouco num filme onde personagens totalmente desenvolvidas passam o verão a criar amizades genuínas com um peso emocional impactante capaz de induzir algumas lágrimas nos últimos minutos poderosos.
Não é dos meus favoritos do estúdio, mas é, definitivamente, um bom filme que recomendo vivamente a todos os leitores.
Luca chega ao Disney+ a 18 de junho, ficando disponível sem custos adicionais.