Crítica – Lost Words: Beyond the Page (PlayStation 4)

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Um jogo narrativo que nos traz uma viagem pessoal e muito emocional de uma jovem que escreve a sua aventura fantástica.

Lost Words: Beyond the Page

Não falo muito da minha vida pessoal, mas passei grande parte da minha infância com os meus avós em Moscavide. Desde pequeno que tratei a sua casa como a minha própria casa e foi lá que aprendi a ler e a escrever, onde deixei de ter dois, três, sete ou 13 anos. Em 2010, perdi a minha avó. Eu estava a 180 quilómetros, em Lisboa, quando o coração lhe falhou. Não tive a oportunidade de falar uma última vez com a minha avó e despedir-me como queria. As palavras ficaram paradas no tempo. Naquele dia senti que perdi a infância, a inocência e o passado num piscar de olhos, e é neste sentimento de perda e no peso das palavras que se constrói a aventura emocional de Lost Words: Beyond the Page.

O início desta análise é um pouco forte, longe do meu tom habitual, mas sinto que consegue estabelecer a ligação emocional que criei com o título da Sketchbook Games. Apesar de ser um jogo de plataformas e puzzles, num ambiente 2.5D, a sua alma reside na estória pessoal de Izzy, uma jovem que se vê perante uma tragédia familiar e é obrigada a lidar com essa perda. Lost Words encontra-se dividido em duas partes: a primeira toma a forma de um diário, onde Izzy escreve, sonha e reconta o seu dia a dia, deixando-se levar pela sua imaginação, descrevendo alegremente acontecimentos mundanos, mas também a sua interação com os vários membros da família. A segunda, e onde se foca – infelizmente – a maioria da campanha, é representada por um ambiente de fantasia onde a estória criada por Izzy ganha vida, protagonizada por uma jovem guardiã que tem de viajar sozinha pelo mundo em busca de um dragão assustador.

A magia de Lost Words está na forma como as suas partes se conciliam, ainda que esta união seja um pouco desequilibrada. No entanto, o foco mantém-se inalterado entre as duas, com o jogo a demonstrar o poder das palavras e do diálogo ao longo da campanha. No diário, seguimos literalmente as frases que Izzy escreve no papel, onde a interação é muito rudimentar, focando-se em trechos de plataformas simples e na recolha de colecionáveis – na forma de estrelas azuis – que desbloqueiam novos pensamentos da jovem.

Entre os saltos, surge, finalmente, a mecânica principal de Lost Words: a manipulação e utilização de palavras. Nas páginas do diário, temos acesso a palavras recortadas que não só podemos utilizar como plataformas, como podemos dar aso ao seu significado literal, desbloqueando assim a possibilidade, por exemplo, de utilizar a palavra “sol” para iluminar páginas escuras ou a palavra “cortar” para reduzir a relva que ocupou parte do diário.

Lost Words: Beyond the Page

Estes momentos são muito orgânicos e desenvolvem-se à medida que Izzy conta a sua estória, com a imaginação da Sketchbook Games a emergir sempre que descobrimos uma nova forma de utilizar este tão cobiçado poder das palavras. A linearidade do jogo pode trazer algum transtorno, já que os puzzles são muito fáceis e têm uma única solução, mas o foco está certeiro e serrado na narrativa. Existem pequenos trechos onde podemos influenciar a progressão da campanha, mas são muito díspares e quase cosméticos, como o nome de uma personagem ou sentimentos que queremos refletir na segunda parte do jogo.

No mundo de fantasia, Lost Words assume um formato mais próximo de um jogo de plataformas e quebra-cabeças tradicional, com a nossa guardiã – cujo nome e aparência ficará ao vosso critério – a ter vários desafios para ultrapassar à medida que descobre mais sobre o seu universo e os seus próprios sentimentos. Tal como Izzy, a guardiã também é dotada do poder das palavras, mas aqui o seu poder é muito mais visível e palpável. Com um livro mágico, podemos invocar certos termos – que são, infelizmente, muito limitados, alguns até temporários – que nos permitem levitar objetos, reparar estruturas, quebrar pedras, silenciar os nossos passos, queimar plantas, entre outros. As mecânicas são muito simples e basta abrirmos o livro mágico, relegado ao botão L2 (na versão PS4), para termos acesso às palavras. Com o analógico direito podemos comandar as palavras e posicioná-las livremente em campo, criando assim um sistema muito intuitivo e rápido para qualquer tipo de jogador.

A nível mecânico, Lost Words não é uma experiência profunda, ainda que seja delicioso perceber como a equipa decidiu retratar certas ações através de palavras ou de imagens recortadas. O foco no diário, por exemplo, dá ao jogo um aspeto único e até infantil, com Izzy a apagar frases e a rescrevê-las ao longo das páginas. A seleção, movimentação e utilização destas palavras recortadas não levanta grandes desafios e se existem, de facto, momentos de escolha, a verdade é que são muito pouco marcantes ou sistemicamente interessantes. O desempenho inconsistente nas consolas, onde registei slowdowns, também prejudica o ritmo da aventura, em especial durante os primeiros dois capítulos, retirando alguma da magia desta estória pessoal.

Se afastarmos o lado mais frio das mecânicas, encontramos uma narrativa forte e bem contextualizada sobre uma jovem que se vê perante a ausência de um ente querido. É, por assim dizer, o fim da sua infância. Estes temas, como descrevi na introdução, são-me muito próximos, pois tive de aprender, tal como Izzy – ainda que mais velho – a viver sem uma das figuras basilares da minha existência. É forte, duro e emocional. Quando a dor aperta, a nossa infantilidade vem ao de cima, queremos fugir e gritar e chorar. A escrita de Lost Words nem sempre é consistente ou profissional, mas senti que refletia o estado mental desta jovem que, contra todas as adversidades, quer continuar a ver o lado mágico e positivo da vida. Penso que todos nos revemos em Izzy.

Lost Words: Beyond the Page

Talvez este tom seja demasiado pessoal para ser retratado numa crítica, mas serve de sugestão e de aviso em simultâneo. Para mim, a Sketchbook Games conseguiu recriar um medo e uma incapacidade que me acompanham desde a morte da minha avó: a falta de palavras para escrever sobre ela. Por mais que tente, as frases não saem como quero, a dor é demasiado grande e presente. No ano passado, escrevi um texto que tencionava publicar, mas a insegurança veio ao de cima; não saiu. Em Lost Words, vejo representada uma das maiores forças da escrita: a sua aptidão para a cura. Pela escrita, conseguimos desabafar e tornar o intocável em palavras; em algo físico. É nesta ideia de força que este título narrativo se constrói e é, para mim, o seu grande trunfo. Mesmo que me faltem as palavras, consegui reviver um momento marcante da minha vida através de Izzy.

Vou ser o mais honesto possível. Noutro contexto, Lost Words seria um jogo competente, mas descartável. A sua imaginação visual e engenho mecânico são destaques, mas a forma como explora os géneros de plataformas e puzzles deixa a desejar – é demasiado seguro. As mecânicas perdem rapidamente a sua magia e surpresa, deixando os jogadores com pouco para explorar, fora alguns colecionáveis para encontrarem nos capítulos. A campanha também é curta, ainda que convide a repetirem a estória com novas opções. Mesmo com estes defeitos bastante visíveis, Lost Words e os seus temas agarram-me não pelas mãos, mas pelo coração. Às vezes temos de deixar a irracionalidade levar-nos e colocar de parte a rigidez autoimposta da crítica para destacarmos o que realmente interessa: as emoções e a nossa relação pessoal com um videojogo. E foi isso que leram aqui.

Nota: Bom

Disponível para: PC, Xbox One, PlayStation 4 e Nintendo Switch
Jogado na PlayStation 4
Cópia para análise cedida pela Dead Good Media

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