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It Ends With Us tenta equilibrar-se entre o drama pesado e o romance convencional com algumas dificuldades, mas consegue oferecer uma reflexão minimamente estimulante sobre traumas geracionais e abuso na relação.

Considero Blake Lively uma atriz bastante subvalorizada. Talvez devido ao maior reconhecimento do seu marido (Ryan Reynolds), aos filmes menos bem sucedidos ou até aos géneros escolhidos pelos atores… existem muitas razões possíveis, mas pessoalmente, surpreendi-me com as prestações de Lively em The Shallows, A Simple Favor e The Rhythm Section, onde a atriz demonstra um maior alcance daquele que lhe é reconhecido. Sem qualquer conhecimento prévio sobre o livro de Colleen Hoover em que se baseia esta obra do realizador-ator Justin Baldoni (Clouds) e da argumentista Christy Hall (Daddio), entrei para It Ends With Us com esperanças de um romance convincente.

A premissa narrativa é relativamente familiar. Lily Bloom (Lively) é uma mulher que ultrapassou um trauma de infância – ou assim ela pensa – e embarcou para uma nova vida em Boston, onde segue um sonho de criança em abrir o seu próprio negócio de florista. Um encontro aleatório com Ryle Kincaid (Baldoni), um neurocirurgião atraente, cria uma conexão intensa, mas à medida que os dois se apaixonam profundamente, Lily começa a denotar semelhanças entre a sua relação e a dos seus pais. Quando o primeiro amor de Lily, Atlas Corrigan (Brandon Sklenar) reaparece subitamente na sua vida, o seu relacionamento com Ryle fica mais instável e Lily apercebe-se que necessitará de toda a sua força para tomar uma decisão impossível para o bem do seu futuro.

Um triângulo amoroso leve e formulaico enfiado no meio de uma narrativa tematicamente pesada. It Ends With Us tem o coração no lugar certo, mas o balanço entre a dramatização hollywoodesca e os assuntos sérios retratados nem sempre é eficiente. O argumento de Hall adapta os tópicos da fonte original sobre violência doméstica, abuso na relação e trauma geracional de maneira chocante e impactante, sem dúvidas, mas existem momentos onde o ponto de vista escolhido pode ser interpretado como um dispositivo de choque para oferecer mais entretenimento do que propriamente um estudo detalhado sobre a complexidade destes temas.

It Ends With Us oferece a Ryle um passado que explica – mas que não desculpa, atenção – de onde vêm as suas ações violentas futuras. O filme não cai no erro de transformar o marido num vilão malvado “porque sim” ou porque os “homens são maus”, mas ao invés, tenta passar uma mensagem de que pessoas magoadas e traumatizadas acabam por também magoar e traumatizar outras pessoas se não forem capazes de enfrentar e resolver esses nós do seu passado. Pessoalmente, também apreciei a distinção entre cometer más ações e *ser* uma “má pessoa”.

Hoje em dia, parece que tudo é visto em absolutos. Basta um único comentário ou uma ação para colocar um rótulo permanente em alguém que, provavelmente, é muito mais do que aquele bom/mau momento. Naturalmente, é a repetição constante de más atitudes que faz soar os alertas e, no caso da relação entre Lily e Ryle, os “acidentes” escusados e promessas vazias sobre nunca mais voltar a acontecer algo igual são demasiado claros para se ignorarem. No entanto, Baldoni – tanto atrás da câmara como à frente da mesma – tem a destreza técnica para mostrar que, no meio da escuridão, existe sempre uma luz ao fundo do túnel e que esta é possível de se atingir quando se dá o primeiro passo de reconhecer que se precisa de ajuda.

O título It Ends With Us tem, portanto, um significado claro relativo ao esforço de Lily em terminar com o trauma geracional. A protagonista não deseja cair na mesma armadilha que a sua mãe, mas o amor deturpa os sinais mais evidentes de perigo. Baldoni utiliza diferentes perspetivas para ilustrar a mesma situação de forma previsível, mas com uma eficiência notável especialmente na transmissão da mensagem de que “nem tudo é o que parece” e sobre o quão parciais somos perante a nossa relação, mesmo que inconscientemente.

A importância da comunicação entre o casal também é frequentemente colocada em cima da mesa. It Ends With Us constrói inúmeras sequências, alguma mais forçadas e dramatizadas que outras, facilmente evitáveis através de comunicação honesta e direta. Seja a morte de um membro familiar direto ou o significado de uma tatuagem, se não existe abertura e confiança para explicar momentos vitais das nossas vidas à pessoa que supostamente amamos, como poderemos seguir em frente e viver o presente se ainda estamos presos ao passado?

O problema da obra é mesmo o equilíbrio entre todos estes assuntos, a severidade dos mesmos e ainda algumas revelações de terceiro ato chocantes. It Ends With Us depende muito das prestações soberbas do seu elenco – Jenny Slate (Everything Everywhere All at Once) impressiona com uma performance bastante completa e emotiva – e da química palpável entre todos os atores – Lively, Baldoni e Sklenar (Vice) criam um triângulo fervoroso – para ultrapassar diálogo confuso e transições abruptas. A complexidade destes tópicos não é fácil de se retratar no cinema, pelo que esta adaptação podia ter corrido tremendamente mal muito rapidamente. Felizmente, Baldoni e companhia entregam uma obra respeitosa e estimulante o suficiente para justificar a recomendação.

VEREDITO

It Ends With Us tenta equilibrar-se entre o drama pesado e o romance convencional com algumas dificuldades, mas consegue oferecer uma reflexão minimamente estimulante sobre traumas geracionais e abuso na relação. Formulaico e não tão profundo como a complexidade dos temas abordados exige, mas ainda assim, eficiente o suficiente devido às prestações fortes do elenco, à lente sensível do cineasta Justin Baldoni e várias mensagens de valor para a audiência. O coração encontra-se no lugar certo, por mais problemas que assombrem a obra.

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