Crítica – Everything Everywhere All at Once (Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo)

- Publicidade -

Recomendo que vejam Everything Everywhere All at Once, nem que seja pelo prazer de apreciarem um high concept algo diferente, feito à berma de Hollywood, e que não vos tenta manipular demasiado os cordões emocionais da vossa vida.

Atenção, esta crítica tem spoilers. Mais uma oferta da A24, desta vez no palco dos épicos metafísicos. Everything Everywhere All at Once é um filme que esquece conceitos como sarcasmo e ironia e abraça plenamente o meloso melodrama da crise existencial de uma mulher de meia idade que está a perder a sua família. Pelo meio temos uma aventura entre dimensões para tentar salvar o metaverso de uma implosão existencial, artes marciais e James Hong a usar uma armadura feita de cadeira de rodas elétrica. Ah, e o Short Round de Temple of Doom está de volta, ligeiramente mais velho, mas não menos capaz.

Este é um projeto ambicioso e fofinho, que foge um pouco do esquema habitual da A24 de disfarçar baixos orçamentos com premissas interessantes, cores neutras ou vaporwave, e finais climáticos, para tentar fazer um híbrido entre entretenimento e drama conceptual. Infelizmente, tal como o título promete, o filme leva-se demasiado a sério, no sentido literal, para funcionar totalmente bem. O que eu quero dizer é que, a certa altura, parece que estamos a ver Todos os Filmes em Everything Everywhere All at Once… e isso não ajuda a entender uma história, quanto mais dezenas. Mas ao menos tentaram.

Em Everything Everywhere All at Once, Michelle Yeoh faz uma pausa (temporária) do cinema de ação, para entrar num drama existencial… de ação… em que nos é apresentada como Evelyn Wang, a dona de uma lavandaria que está a tentar gerir o negócio enquanto organiza uma festa de ano novo em honra da visita do seu pai. Ao mesmo tempo, Evely tenta salvar a lavandaria de uma audição das finanças que pode levar a família à falência. Além disso, o seu marido, Waymond – o maravilhoso Ke Huy Quan (que tinha-se retirado da representação no início do século) – quer o divórcio, e a sua filha, Joy (Stephanie Hsu), quer que a mãe admita ao avô a sua relação lésbica. Tudo isto seria o suficiente para deixar qualquer um à beira de um colapso, mas o verdadeiro colapso acontece quando um Waymond de um universo alternativo alerta Evelyn para um ente misterioso e maléfico que ameaça destruir o multiverso, dizendo-lhe que ela é a chave para o impedir. Para isso, ela vai ter que aprender a controlar a sua habilidade de usar as capacidades dos seus “eus” paralelos para tentar descobrir o paradeiro de Jobu Tupaki, o grande vilão, e ao mesmo tempo tentar salvar o seu casamento, a sua lavandaria e a sua relação com a filha. E pelo meio há pancada, comédia e drones maléficos a lutarem kung-fu com adereços enfiados no rabo.

everything everywhere all at once echo boomer 3

E pronto, eis como um drama existencial sobre uma vida insatisfeita e uma visita às finanças trágica descamba num espetáculo de ação e artes marciais que nem sempre funciona bem, mas que traz pontuais momentos de, não quero dizer brilhantismo, mas originalidade. Infelizmente, o constante assalto aos sentidos de uma montagem demasiado frenética, com Evelyn a saltar de alter ego em alter ego, e realidade em realidade, nem sempre ajuda o filme.

O melhor é a história humana por trás – a relação mãe e filha, filha e pai, mulher e marido – e o impacto do valor que se dá a oportunidades perdidas. No final de contas, a ideia de que não podemos demorar-nos a pensar no que poderia ter sido a nossa vida, o que temos é o suficiente e deve ser aproveitado, é bastante poderosa. Não vale a pena chorar pelo que não foi alcançado. Talvez não valha a pena chorar por um filme disfuncional como este, mas sim apreciá-lo pelo que é.

E o espetáculo em si está bem feito, mas poderia ser mais variado em termos de cenários. No entanto, dada a contenção do orçamento, os realizadores até se esmeraram a explorar as possibilidades de um épico para salvar o universo contido numa aventura de fuga e perseguição com pancadaria por um edifício das finanças. Hey, não há muitos mais filmes em que Jamie Lee Curtis dá um pontapé de wrestling a Michelle Yeoh.

O elenco está muito bem. Michelle Yeoh sempre foi mais que uma estrela de ação e aqui dá mostras da sua versatilidade, principalmente no climático final, em que temos um momento tocante de proximidade entre mãe e filha. É bom ver James Hong, o grande Lo Pan, o melhor vilão dos anos 80, ainda a dar lições de representação a gerações mais novas. Seja como o avô rabugento ou o líder geriátrico e implacável, meio homem meio máquina, de uma resistência interdimensional, o veterano ator está no topo das suas habilidades e vê-lo nos momentos climáticos do filme a demonstrar um lado sentimental é bonito. Se há coisa que este filme faz bem é mostrar que há mais para além da oferta habitual que Hollywood nos traz, no que toca a cinema espetáculo.

Mas quem se destaca é Ke Huy Quan, num versátil papel, tanto com marido inepto, como lutador da resistência do multiverso ou amante esquecido. É bom ver este veterano do cinema de aventuras da Amblin regressar ao grande ecrã depois de duas décadas como coordenador de duplos. E para surpresa nossa, ele dá mostras não só do seu talento como ator, mas como atleta. Aos 50 e muitos, Quan integra algumas das cenas de ação mais emblemáticas do filme, rivalizando com o talento de Yeoh. Para destacar, o seu uso de uma pochete traz novo significado ao termo “vestido para matar”. Também Stephanie Hsu, no papel da filha, Joy, dá um sentido de tragédia e melancolia ao filme, como a personagem fulcral no centro desta história, a causadora do grande conflito. Quando percebemos a sua motivação, não deixamos de sentir pena da nossa vilã. Jamie Lee Curtis marca presença como uma implacável e cómica agente do IRS que leva o seu serviço longe demais, ao ponto de ser recrutada pela maligna Jubo. A estrela de Hollywood não dá sinal de abrandar e demarca-se como mais do que um cameo glorificado, tanto que no final do filme até o arco do seu personagem tem impacto.

everything everywhere all at once echo boomer 2

Agora, todas estas sequências de luta, tramas interdimensionais e conflitos épicos para salvarem o mundo são só uma distração. O filme é muito mais eficaz, e poderoso, quando se foca na simples história da nossa Evelyn principal e a sua dificuldade em aceitar a sua realidade. Com o choque do divórcio eminente, o preconceito com a homossexualidade da sua filha e o rancor para com um pai que a menosprezou, podíamos retirar todas as cenas de fantasia do filme e este funcionaria bem como um drama pessoal sobre uma mulher em crise. No fim do filme, passamos por quase duas horas e meia de espetáculo incessante, e em partes cansativo, apenas para contar uma história tão simples que merecia mais tempo de antena.

Mas isso não quer dizer que a imaginação do guião não valha alguma coisa. Vemos cenas neste filme que nunca foram vistas, desde o romance entre humanos com dedos de salsicha, a lutadores com adereços enfiados no rabo para lhes darem super poderes, até uma – e esta é talvez a minha cena preferida do filme – uma conversa tocante entre mãe e filha, numa planície desértica, em que ambas são pedras. Literalmente, são versões de si mesmas que são pedras e os diálogos aparecem só em legendas e é talvez a troca de falas mais poderosa e impactante de todo o filme. Se este momento não vos fizer chorar, então o vosso próprio coração é uma pedra. Tenho dito.

Pena que o filme não seja todo estes momentos brilhantes e dependa demasiado de estar aos saltos de uma circunstância tresloucada para outra que, no geral, não estão tão bem pensadas assim. Mas pronto, continua a ser um dos filmes mais inventivos e audaciosos dos últimos tempos. Se podia estar mais limado e trabalhado? Podia, mas talvez não fosse a mesma coisa. No final, temos um épico de fantasia que nos faz questionar a nossa própria conceção de entretenimento formulaico.

Recomendo que vejam Everything Everywhere All at Once, nem que seja pelo prazer de apreciarem um high concept algo diferente, feito à berma de Hollywood, e que não vos tenta manipular demasiado os cordões emocionais da vossa vida. Talvez noutro universo este filme esteja um pouco melhor. Talvez não. Quem saberá? Contentem-se por terem esta versão, aqui e agora, à vossa espera nos cinemas.

- Publicidade -

Deixa uma resposta

Introduz o teu comentário!
Introduz o teu nome

Relacionados

Recomendo que vejam Everything Everywhere All at Once, nem que seja pelo prazer de apreciarem um high concept algo diferente, feito à berma de Hollywood, e que não vos tenta manipular demasiado os cordões emocionais da vossa vida. Atenção, esta crítica tem spoilers. Mais uma...Crítica - Everything Everywhere All at Once (Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo)