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Inheritance brilha pelo seu estilo de filmagem improvisado e pela qualidade das interpretações principais, mas fica aquém narrativamente.

A não ser que esteja a cobrir algum festival de cinema, janeiro não costuma ser um mês propriamente memorável ou muito ocupado. Por um lado, é pena não poder assistir às sempre interessantes obras do Sundance Film Festival, mas por outro, existe mais tempo para visualizar filmes que normalmente passam ao lado de muitos fãs de cinema. Inheritance é um destes casos, obra de espionagem realizada por Neil Burger (Divergent) e redigida pelo próprio e Olen Steinhauer (All the Old Knives), cuja história se foca em Maya (Phoebe Dyvenor), uma jovem mulher que descobre que o seu pai (Rhys Ifans) é um espião, vendo-se envolvida numa conspiração internacional enquanto tentava voltar a conectar-se com o mesmo.

Inheritance destaca-se como um excelente exemplo de cinema de guerrilha, praticamente sem orçamento, mas com uma execução fascinante. Filmado exclusivamente através de um iPhone, Burger e a sua equipa técnica conseguem aproveitar planos longuíssimos e cenas de diálogo prolongado em locais reais ocupados frequentemente por multidões incontroláveis para permitir que os atores, de facto, atuem. A câmara de telemóvel captura momentos de tensão interessantes, sobretudo em sítios onde a atenção à estrada ou ao ambiente em redor é vital para a sobrevivência – algo que aumenta razoavelmente os níveis de intensidade do filme. Mesmo quando cidadãos olham diretamente para a câmara, Burger integra esses pormenores incontornáveis de forma orgânica na narrativa, algo surpreendente considerando as limitações do método de filmagem.

Para além deste feito técnico, um dos maiores destaques de Inheritance é a extraordinária prestação de Dyvenor (Fair Play). A atriz utiliza os seus olhos como uma poderosa ferramenta de expressão, mas não se limita a tal “truque”: é a sua entrega completa à fisicalidade da personagem e a habilidade em improvisar que a tornam tão cativante. O seu desempenho demonstra maturidade e carisma, provando – para quem ainda não a conhecia – que estamos perante uma estrela em ascensão. Ao seu lado, Ifans (House of the Dragon) apresenta, como de costume, uma interpretação sólida, sendo que as interações com Dyvenor resultam em sequências genuinamente intrigantes devido ao diálogo fluído e ininterrupto, acrescentando algumas camadas de complexidade emocional à história.

No início, Inheritance parece entrar por um caminho temático interessante, oferecendo uma análise sensível sobre o luto e a ligação com entes queridos que, por uma razão ou outra, se afastaram. Contudo, à medida que a narrativa avança, o foco desloca-se para os aspetos mais banais dos thrillers de espionagem. Embora esta mudança de tom e ritmo possa agradar a alguns, a transição é geralmente desapontante. O argumento de Burger e Steinhauer perde alguma da sua profundidade e acaba por tropeçar em revelações pouco impactantes e uma conclusão previsível e apressada. Ainda que a suspensão da descrença seja necessária em obras deste género, o enredo gradualmente torna-se desnecessariamente intrincado para ser completamente envolvente.

Do ponto de vista técnico, Inheritance é, sem dúvida, um feito que merece imensos elogios. A cinematografia de Jackson Hunt (The Black Sea) contribui para a autenticidade do filme e Burger demonstra uma enorme capacidade de aproveitar os recursos disponíveis para criar algo visualmente dinâmico e cheio de energia – a banda sonora elétrica de Paul Leonard-Morgan em muito ajuda com os níveis de entretenimento. No entanto, é difícil ignorar que a sua história é, no fundo, bastante convencional. Ainda assim, para os amantes de cinema experimental, esta é uma obra que merece ser vista, nem que seja para apreciar o engenho e a ousadia da sua produção.

VEREDITO

Inheritance brilha pelo seu estilo de filmagem improvisado e pela qualidade das interpretações principais, mas fica aquém narrativamente. Neil Burger desafia os limites da produção cinematográfica tradicional e prova que a criatividade e competência técnica podem superar quaisquer limitações financeiras. Phoebe Dyvenor volta a demonstrar o seu talento enorme com uma prestação, acima de tudo, confiante e segura de si mesma. Para quem valoriza a arte do cinema e o risco da experimentação, recomendo darem uma vista de olhos.

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