IF revela-se uma surpresa encantadora que ultrapassa expetativas pessoais.
A mistura de animação com live-action deixa-me sempre com algum receio para qualquer filme que arrisque com esta maneira híbrida de contar a sua história. Desde a facilidade com que se gera uma sensação semelhante à do uncanny valley até à potencial falta de controlo de tom, obras como IF serão sempre um risco enorme que pode, na pior das hipóteses, estragar uma experiência maravilhosa. No entanto, o simples facto de John Krasinski (A Quiet Place) se sentar nas cadeiras de argumentista e de realizador dá-me alguma segurança e confiança.
A premissa de IF é simples, mas interessante. Bea (Cailey Fleming) é uma menina que descobre a capacidade de ver os amigos imaginários abandonados por outras crianças. Numa jornada repleta de lições de vida importantes, Bea embarca numa aventura mágica para voltar a juntar os IFs – perceberam? – com as pessoas – agora adultas – que ajudaram durante as infâncias respetivas.
Já conhecia o elenco, a premissa e sabia que vinha da mente de Krasinski, mas mesmo assim, não antecipava mais do que uma história formulaica destinada a uma audiência maioritariamente infantil. Eis que IF surpreende em praticamente todos os aspetos, deixando-me em estado de choque – e emocionalmente drenado – com a narrativa bem mais complexa do que inicialmente se previa. Aliás, apesar de crianças irem naturalmente desfrutar dos vários momentos entretidos espalhados ao longo da obra, serão os adultos a saírem da sala de cinema com um ar contemplativo e olhos húmidos.
Nada como começar pelo tal receio de pré-visualização. IF é dos poucos híbridos onde a junção de animação 3D com personagens e sets reais – tirando uma ou outra sequência mais “mágica” – atinge uma eficiência notável. Ao longo dos 104 minutos de duração e ritmo perfeitos, os efeitos visuais são incorporados num mundo real tão genuíno que os espetadores facilmente se vão esquecer que, à volta do ecrã, estão várias personagens animadas, cada uma com a sua personalidade distinta e com uma história de origem imaginativa que a criança respetiva lhes deu no passado.
Com este potencial problema fora do caminho, IF larga o martelo emocional e acerta em cheio no coração com uma narrativa repleta de temas sensíveis e bastante pesados, abordados através de momentos extremamente comoventes, mas também de sequências divertidas. Krasinski revela novamente o seu talento por detrás da câmara. Como argumentista, aprofunda os seus temas com desenvolvimentos de enredo e personagem cativantes, concluindo com mensagens bonitas que se refletem sobre como a vida não é sempre pura diversão, mas que não custa tentar fazer da mesma mais leve e alegre. Da mesma maneira que o dia de nos tornarmos adultos e ganharmos outras responsabilidades é inevitável, também existem momentos onde voltar a “ser criança” permite-nos lidar com os obstáculos mais complicados da vida de forma mais saudável e feliz.
Enquanto realizador, Krasinski consegue transportar a sua visão para o grande ecrã, alocando o tempo e espaço necessários para entretenimento engraçado – destaque para uma sequência de dança energética e longa com trocas de sets e guarda-roupa impressionantes -, mas também para cenas emotivas e dramáticas, com nota especial para o monólogo de Fleming perto do fim do filme, que me obrigou a usar a manga da camisola para limpar as muitas lágrimas derramadas.
E é aqui que faço a transição para um elogio merecido e que espero vir a tornar-se verdade daqui a uns meses na temporada de prémios. Fleming entrega aquela que, neste momento, é a melhor prestação jovem do ano, assim como a maior surpresa de 2024. Como fã de The Walking Dead, admito o erro de pensar que a atriz não seria mais do que uma pequena criança adorável. Erro agora corrigido devido à sua performance incrível, demonstrando um carisma extraordinário, um sorriso infeccioso e uma capacidade dramática genuinamente surpreendente – o tal monólogo poderoso é apenas a culminação de uma interpretação muito completa.
Ocasionalmente, Krasinski trai a atriz com falas de pergunta-resposta algo tontas e demasiado infantis para Bea, mas de forma geral, as interações de Fleming com o resto do elenco são consistentemente entretidas. Ryan Reynolds (Deadpool) apresenta-se menos “Ryan Reynolds” do que o costume, sendo frequentemente o elemento mais “aborrecido” no ecrã – escolha de elenco certamente propositado tendo em conta a fama do ator em representar variações exageradas da sua própria personalidade pública. Krasinski possui pouco tempo de ecrã, mas brilha em todos os segundos que aparece. E, finalmente, IF tem o bónus adicional de colocar a audiência a tentar adivinhar os inúmeros cameos escondidos por detrás das vozes das personagens animadas.
Falta o pequeno grande pormenor da banda sonora. Normalmente, costumo ficar até ao fim dos créditos para ter noção dos artistas que contribuíram para o filme em questão, mas por razões alheias, não o pude fazer com IF. Logo, apenas ao começar a escrever esta mesma crítica é que me apercebi do facto de Michael Giacchino (The Batman) ser o compositor. E eis que, de um momento para o outro, tudo fez sentido, pois só um dos melhores compositores de sempre conseguiria construir uma banda sonora impactante e emocional o suficiente para elevar uma obra como esta. É a cereja no topo do bolo recheado com lágrimas de um público inteiro comovido pelas suas notas e melodias belíssimas.
Sinceramente, não encontro problemas de maior com IF. Segue uma estrutura familiar com um certo grau de previsibilidade, mas todos os passos são executados com uma qualidade técnica e uma autenticidade narrativa de louvar. É caso para dizer: “Krasinski did it again!”
VEREDITO
IF revela-se uma surpresa encantadora que ultrapassa expetativas pessoais. A mistura habilidosa de animação 3D e de elementos reais traz criatividade a uma narrativa complexa e extremamente comovente, explorando temas sensíveis de uma maneira genuína e refletiva, e transmitindo com sucesso uma mensagem crucial sobre a importância de nunca nos esquecermos da criança dentro de nós. Cailey Fleming entrega a melhor prestação jovem do ano, elevando ainda mais a história já por si bastante emocionante, tal como a banda sonora bonita de Michael Giacchino. John Krasinski volta a demonstrar o seu talento nato como argumentista-realizador, entregando uma obra para todas as famílias se emocionarem e divertirem juntas. Perdurará na memória da audiência durante muito tempo.