Heart of Stone é um filme de metades distintas. A primeira hora contém um enredo intrigante, repleto com twists surpreendentes, ritmo rápido e stunts envolventes em locais reais.
De todos os serviços de streaming, a Netflix é, sem dúvidas, o que mais vezes tentou criar novas franquias de ação. Extraction parece ser a saga com mais sucesso financeiro e comercial, mas sabe a pouco para uma rede de entretenimento capaz de trazer os maiores talentos da indústria para o pequeno ecrã. Heart of Stone é a mais recente tentativa com Gal Gadot (Wonder Woman) a servir de “isco” para o público caseiro, apesar do maior interesse pessoal nesta obra cair em Greg Rucka – criador de inúmeras bandas desenhadas da Marvel e DC Comics, assim como The Old Guard, também adaptada pelo próprio para a mesma cadeia.
Com Tom Harper (The Aeronauts) como realizador e Allison Schroeder (Christopher Robin) a ajudar no argumento, a verdade é que Heart of Stone consegue surpreender com uma primeira metade veloz e cativante, repleta com reviravoltas narrativas eficientes e ação em localizações reais com coreografias bem convincentes. Com a maior imparcialidade possível, a sequência em Lisboa é genuinamente impressionante devido não só à perseguição longa carregada de adrenalina, mas também à montagem de Mark Eckersley (All the Old Knives) que, para quem conhece a cidade, cria um caminho agradavelmente lógico e fácil de se seguir, para além de mostrar alguns pontos essenciais turísticos da capital portuguesa.
Mesmo deixando este lado mais pessoal de lado, Heart of Stone agarra os espetadores desde o início sem tratar os mesmos desrespeitosamente. A premissa dificilmente seria mais formulaica e genérica, seguindo dezenas de ideias já vistas em outros tantos filmes – incluindo uma espécie de sistema AI que permite acesso a todas as câmaras e utiliza cálculos determinísticos para prever o futuro – mas, durante a primeira hora, o tempo é totalmente dedicado ao enredo de espionagem e à relação entre as personagens principais que completam a equipa de agentes especiais.
Uma revelação a terminar esta primeira metade da obra levantará o sobrolho até de espetadores mais habituados a este tipo de filmes, mas após este momento impactante, Heart of Stone começa estranhamente a perder a energia, interesse geral e até a competência técnica das suas sequências de ação. Exposição completamente desnecessária narrada com imagens igualmente inúteis a acompanhar passa a ser o método principal para contar o resto da história. Desenvolvimentos de personagem e de enredo tornam-se exponencialmente previsíveis e pouco criativos, culminando num final emocionalmente vazio. E, finalmente, a própria ação passa a depender muito mais de fundos falsos demasiado evidentes, CGI inconsistente e stunts exageradamente irrealistas.
Heart of Stone também peca por falta de qualquer tipo de peso temático, assim como algum arco de personagem não baseado em vinganças pessoais. Sempre que existe um momento ideal para aprofundar alguma conversa, a obra acelera imediatamente para a próxima localização e consequente sequência de ação. Esta superficialidade é ainda mais desapontante quando se possui um elenco cuja química é de louvar. Gadot é convincente o suficiente como protagonista, mas Jamie Dornan (Belfast) destaca-se com o papel mais intrigante do grupo.
Infelizmente, Heart of Stone não justifica nem provoca discussões instigantes ou análises complexas, mas seria injusto não referir que cumpre com precisão o seu propósito: entretenimento simples, direto e leve para desfrutar em casa com família e amigos num fim‑de‑semana sem planos. Pessoalmente, este tipo de obras costumam arrancar uma crítica no limiar do positivo, mas um crime cultural impede-me de o fazer. Aprecio e agradeço o tempo dedicado às filmagens em Portugal, país com locais absolutamente deslumbrantes para o cinema de Hollywood, mas referir que “comer tapas” faz parte da sua cultura gastronómica – em mais um exemplo que contribui para a noção absurda de que Portugal é uma província de Espanha – demonstra uma ignorância cultural altamente ofensiva que não devo nem posso ignorar.
VEREDITO
Heart of Stone é um filme de metades distintas. A primeira hora contém um enredo intrigante, repleto com twists surpreendentes, ritmo rápido e stunts envolventes em locais reais. No entanto, a obra vai-se tornando dependente de métodos narrativos, de ação e de construção de personagens cada vez mais genéricos e formulaicos, terminando completamente desprovida de emoção ou resoluções impactantes.
Irá satisfazer espetadores sem grandes expetativas para uma visualização caseira aleatória, mas não perdurará na memória dos mesmos.