Crítica – “The Place” – O lugar onde o desejo se paga caro

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Nota: echo boomer 3 estrelas


Até onde estaríamos dispostos a chegar para realizar os nossos desejos? É desta questão que parte The Place, filme do diretor italiano Paolo Genovese. Apresentado em estreia na festa de encerramento do Festival do Cinema Italiano em Lisboa, segue-se a Amigos Amigos, Telemóveis à Parte, de 2016, do qual recupera o elenco principal. Será possível rever o filme hoje, dia 24 de maio, na primeira edição do Fare Cinema, no âmbito da Semana do Cinema Italiano no Mundo.

Adaptação cinematográfica da série americana The Booth at the End, The Place reúne as histórias de vários personagens que têm em comum a necessidade de verem realizados os seus próprios desejos. A realização passa, porém, pelo cumprimento de alguns pedidos específicos provenientes de um homem misterioso (Valerio Mastandrea), que se encontra sempre sentado na mesma mesa de um café acompanhado por um grande livro, uma espécie de missal, que contém as instruções que cada pessoa tem que seguir para que o seu desejo se concretize.

Aparentemente, estas tarefas não têm sentido e vão gerar no interior dos protagonistas uma conflitualidade emotiva, que vai levá-los a fazer compromissos com os próprios princípios morais e éticos.

Sucede que o polícia Ettore (Marco Giallini), para encontrar o dinheiro furtado num roubo, tem que espancar sem piedade um desconhecido; o mecânico Odoacre (Rocco Papaleo) deverá proteger uma criança em troca de uma noite de amor com a mulher de calendário dos seus sonhos; para salvar a filha, Gigi (Vinicio Marchioni) tem que matar uma criança; a velha Marcella (Giulia Lazzarini) deverá colocar uma bomba num lugar público para que o marido se cure do Alzheimer; Martina (Silvia D’amico) tem que obter a quantia de 100.005€ para se tornar mais bonita com a ajuda do traficante de droga Alex (Silvio Muccino), que quer que o pai o pare de procurar; Fulvio (Alessandro Borghi), para recuperar a visão deverá violar uma mulher; a freira Chiara (Alba Rohrwacher) encontrará novamente a sua fé quando se disponibilizar a apaixonar-se por um homem, e Azzurra (Vittoria Puccini), para reconquistar o seu namorado, deverá destruir a relação de um casal.

As histórias dos protagonistas combinam-se num jogo de encaixes e inversões onde cada um se enfrentará a si mesmo, os próprios medos, os próprios desejos e mesquinhez, numa continua negociação dos valores morais: as tarefas previstas causam frequentemente danos nos outros. Por outro lado, o homem misterioso, do qual não é revelada a identidade nem sequer a profissão, parece uma personagem kafkiana, fria e indiferente nos seus deveres administrativos.

The Place

The Place pode talvez ser lido como uma reflexão sobre a dutilidade do princípio moral. Uma reflexão dialógica, no sentido estrito do termo, considerando que os encontros dos protagonistas parecem quase verdadeiras consultas psicológicas. No contexto (ou no fundo), está o conflito freudiano entre o “Id” e o “Super-ego”, do desejo que se opõe às restrições e convenções sociais.

A personagem de Mastrandrea é comparável com aquela de um psicoterapeuta, quanto mais não seja pelo destacamento formal com o qual trata cada comensal, traindo a própria emotividade só em algumas tépidas expressões do rosto (uma mímica bem-feita por um ator romano), em alguns sinais de cansaço físico que salientam a carga desta imperturbabilidade, à qual não vai ceder nem frente às intenções da bela empregada de mesa Angela (Sabrina Ferilli).

O guião apoia-se mais no monólogo do que no diálogo, onde “o outro” se torna ”um espelho de si próprio”, ao qual revela as verdades mais íntimas, muitas vezes escondidas, porque são eticamente condenáveis.

A cenografia, quase teatral, assenta em poucos detalhes (a mesma mesa, a mesma cadeira), onde o interior (de um café) parece saído da uma obra de arte de Edward Hopper. A montagem mínima sugere um tempo suspenso.

Embora represente uma transposição cinematográfica da série The Booth at the End, o filme de Genovese parece idealmente ligado ao seu anterior nesta distância que se interpõe entre a escolha, o desejo e a responsabilidade social (em The Place) e entre os vícios privados e as virtudes públicas (em Amigos Amigos, Telemóveis à Parte). Esta alteridade acentua-se na reflexão entre a liberdade individual e as restrições morais.

Se Amigos Amigos, Telemóveis à Parte é mais vivaz no ritmo, pelo contrário, o último filme é estático: a dinâmica está antes na instabilidade das emoções humanas. The Place poderia pecar, paradoxalmente, por uma certa falta de empatia: o espetador não vem emocionalmente envolvido nos dramas pessoais dos protagonistas, considerando a gravidade de algumas histórias. Todavia, o espetro dos sentimentos dos protagonistas é revelado nesta suspensão entre cinismo e solidariedade, neste espaço da alma onde cada um de nós é posto a nu, onde cada um pode ceder aos próprios desejos.

A falta de afeição é talvez estratégica no filme do Genovese, se estamos dispostos a aceitar a corruptibilidade da natureza humana.


 

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