Crítica – Damsel

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Damsel tenta entregar uma história de empoderamento e de aventura dentro do riquíssimo género do fantástico, mas acaba por se encontrar emaranhado nas teias da previsibilidade e das oportunidades perdidas para uma inovação narrativa mais profunda

Já o referi no passado e volto a repetir: sou um fã ávido do género de fantasia. Seja porque a saga The Lord of the Rings se mantém a minha favorita após todos estes anos ou por ser um género que permite explorar o verdadeiro potencial imersivo e escapista do cinema, sempre senti uma ligação especial com este tipo de narrativas envolvidas num mundo totalmente imaginário, repleto de seres míticos, reinos e castelos deslumbrantes e criaturas inesquecivelmente únicas. Sendo assim, o simples facto de Damsel ser uma história de fantasia original automaticamente colocou as expetativas para este filme da Netflix mais altas do que o normal.

Realizado por Juan Carlos Fresnadillo (28 Weeks Later) e escrito por Dan Mazeau (Fast X), Damsel segue a história de Elodie (Millie Bobby Brown), uma jovem mulher de um reino pobre que vê a oportunidade de mudar a sua vida, assim como do seu povo e respetiva família, quando uma proposta de casamento de um príncipe rico cai aos seus pés. No entanto, a cerimónia matrimonial esconde o verdadeiro intuito da realeza, que necessita de sacrificar Elodie para cumprir uma dívida ancestral. Presa numa cave com um dragão implacável, a agora princesa depende das suas capacidades e inteligência para sobreviver.

Uma breve análise a esta premissa é suficiente para prever uma narrativa previsível e genérica com poucas esperanças de surpreender. Afinal de contas, Damsel usa e abusa do facto de contar com uma protagonista feminina que não necessita do “príncipe bonito” para a resgatar, contrariando o arquétipo de “donzela em apuros”, algo louvável cujo impacto seria muito maior… se a obra tivesse sido lançada há mais de uma década atrás. Em pleno 2024, uma premissa narrativa como esta não só não surpreende, como chega claramente atrasada para ser influente na indústria.

Como tal, Damsel sofre imenso pela sua convencionalidade e falta de qualquer exploração significante das suas personagens, de qualquer surpresa nos seus enredos e de qualquer estudo ou mensagem temática marcante. Segue todos os clichés conhecidos e mais alguns, para além de apressar alguns momentos mais dramáticos e emotivos que podiam elevar certas cenas teoricamente mais poderosas. É uma história de empoderamento feminino que tem os ingredientes corretos para ser mais do que uma obra genérica e facilmente esquecível.

Os destaques positivos são, na sua vasta maioria, técnicos. Os efeitos visuais são impressionantemente consistentes durante todo o tempo de duração, sendo a atmosfera imersiva a maior conquista de Damsel. Apesar dos problemas narrativos mencionados acima, encontrei-me estranhamente cativado por um mundo que, mesmo aproveitando-se de vários pormenores visuais, sonoros e narrativos de outras sagas dentro do género, consegue distinguir-se dos mesmos. Aliás, contra o que muitos espetadores poderão pensar, o filme contém imensas sequências em localizações reais e sets construídos de raiz que merecem inúmeros elogios. Evidentemente, o facto de ter sido filmado em Portugal traz um certo bónus audiovisual, quase como se os castelos, mosteiros ou paisagens portuguesas fossem cameos de arregalar os olhos.

O guarda-roupa é o único elemento de Damsel que, curiosamente, sofre a maior evolução com o decorrer do filme e, de facto, possui algum peso temático. Elodie inicia esta sua “aventura” com um vestido de casamento com tantas camadas que, cada vez que encontra um obstáculo, necessita de usar a sua destreza, criatividade e inteligência para ir usando as várias peças do seu vestuário para sobreviver e ultrapassar os perigos que lhe aparecem pelo caminho. Quanto mais peças pesadas, apertadas e desprovidas de qualquer ligação emocional ou pessoal retira, mais Elodie se aproxima da sua essência enquanto irmã, filha e mulher corajosa, audaciosa e determinada.

E é aqui que também surge Millie Bobby Brown (Stranger Things) a elevar o argumento por completo. Mantenho a minha opinião de que é uma das atrizes mais talentosas da sua geração cujo potencial máximo ainda se encontra por explorar, mas Damsel oferece-lhe uma chance de provar que tem o que é preciso para liderar uma obra de escala maior. Brown consegue capturar dor e desespero como ninguém, mas também espalhar bondade, amor e charme com facilidade. É, sem dúvidas, a grande razão pela qual me mantive interessado até ao fim, mesmo antecipando uma conclusão bastante óbvia. Nota também para o trabalho de voz fantástico de Shohreh Aghdashloo (Arcane), que oferece ao dragão com tons de dourado uma presença assustadora e poderosa.

Finalmente, uma última menção à cinematografia de Larry Fong (The Tomorrow War) e banda sonora de David Fleming (Blue Planet II). O género de fantasia encontra-se inerentemente ligado a uma experiência audiovisual impactante devido aos elementos naturalmente grandiosos em escala, pelo que uma fotografia e produção sonora cinemáticas são vitais para gerar aquele ambiente épico que os espetadores tanto desejam. Felizmente, Damsel encontra-se recheado de planos largos fantásticos e “money shots” que darão excelentes wallpapers. Pena que a história básica não acompanhe todos os componentes técnicos…

VEREDITO

Damsel tenta entregar uma história de empoderamento e de aventura dentro do riquíssimo género do fantástico, mas acaba por se encontrar emaranhado nas teias da previsibilidade e das oportunidades perdidas para uma inovação narrativa mais profunda. Apesar das suas falhas, a obra destaca-se pela sua proeza técnica, desde efeitos visualmente impressionantes até à construção de um mundo imersivo, ultimamente ancorado pela prestação cativante de Millie Bobby Brown. Embora esteja longe de redefinir o género ou até deixar uma marca indelével no cinema, é uma viagem caseira agradável com momentos de charme e resiliência genuínos.

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