Crítica – Cha Cha Real Smooth

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Cha Cha Real Smooth é uma obra carregada de autenticidade, com prestações soberbas e uma história emocionalmente impactante.

Com o passar do tempo, o espetador comum foi começando a ter mais acesso aos bastidores de obras cinematográficas. Hoje em dia, existe uma ideia mais clara sobre a complexidade e dificuldade envolvidas na criação de um filme. Se ser realizador de uma longa-metragem já é reconhecido como uma tarefa hercúlea a vários níveis, imagine-se ser também o único responsável pelo argumento e interpretar a personagem principal. Com apenas 25 anos, Cooper Raiff demonstra ser um dos cineastas mais promissores do momento ao entregar um dos melhores filmes do ano com Cha Cha Real Smooth, onde obtém sucesso nas três funções que desempenha de forma impressionante.

Apreciar ou não um filme depende sempre de opiniões subjetivas, sem exceções. No entanto, existem obras em particular que se desligam da dramatização habitual de Hollywood e entregam histórias incrivelmente relacionáveis, fazendo com que espetadores que tenham vivido as mesmas experiências tenham uma visualização muito mais impactante do que outros. Cha Cha Real Smooth é do mais genuinamente real que uma obra pode ser. As interações entre personagens são extraordinariamente humanas, originando diálogos excecionalmente cativantes e autênticos. Apesar de ser demasiado ingénuo e muito doce em algumas situações admitidamente mais sérias, Raiff nunca se deixa desorientar pela sua visão única.

Cha Cha Real Smooth não é propriamente inovador dentro do conceito narrativo em que se insere – segue algumas fórmulas conhecidas de histórias coming-of-age. Apesar disso, para além de conseguir escapar a imensos clichés provenientes deste subgénero, a execução de todas as ideias eleva a obra por completo. Ao focar-se totalmente nos protagonistas, Raiff coloca os espetadores numa perspetiva intimista, permitindo uma conexão mais forte com os arcos de Andrew e Domino, interpretados brilhantemente pelo próprio e Dakota Johnson. As suas prestações soberbas são essenciais para o sucesso deste filme e tanto um como o outro surpreendem.

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Raiff consegue incorporar perfeitamente a inocência, bondade e sinceridade de Andrew, um jovem que termina a universidade sem ideia do que realmente deseja fazer com a sua vida. Johnson veste a pele de uma mãe com uma filha autista e com um casamento pendente, também ela com conflitos internos difíceis de se resolverem. O maior interesse de Cha Cha Real Smooth encontra-se no desenvolvimento da relação entre protagonistas, onde ambos descobrem lições de vida importantes através dos seus erros e falhas humanas. Com idades diferentes e a viverem fases de vida distintas, Andrew e Domino veem um no outro vidas que gostariam de voltar ou vir a ter, dependendo da perspetiva.

Para espetadores mais experientes com este tipo de histórias, o terceiro ato não possui propriamente um desfecho surpreendente, mas não deixa de ter algum impacto emocional. Pessoalmente, a ligação próxima entre Andrew e o seu irmão, David (Evan Assante), é um dos arcos que mais me relembra da minha própria vida e existem vários momentos que me deixam emocionado. No entanto, até é a representação respeitosa, digna e realista da personagem autista, Lola, que me leva às lágrimas numa cena em particular. Vanessa Burghardt é absolutamente brilhante e a sua personagem é belissimamente retratada.

É através de Lola que a mensagem mais impactante de Cha Cha Real Smooth me chega ao coração. A importância do nosso próprio espaço para a nossa saúde mental. Com um diálogo memorável, Lola e Andrew conversam sobre como a companhia de um quarto vazio é confortável, calma e pacífica, longe de todos os problemas da vida, sejam estes bullying, complicações familiares ou stresses diários. Este momento especial de auto-reflexão em que Lola se encontra sozinha é também a única altura em que ocorrem os conhecidos movimentos espontâneos das suas mãos. Dentro do contexto do filme, demonstra que é no seu mundo que Lola se sente verdadeiramente segura e feliz, levando-a até a ganhar maior confiança com Andrew após este momento verdadeiramente bonito.

Infelizmente, existe um elemento narrativo que me deixou dias a pensar sobre Cha Cha Real Smooth, mais concretamente a relação entre Domino e o seu noivo, Joseph (Raúl Castillo). Enquanto espetador, a única informação objetiva que podemos retirar sobre a vida de Joseph é que o próprio passa muito tempo longe da família devido a um caso de tribunal em Chicago que tarda em encerrar. Se o noivo realmente está a trabalhar imenso para poder regressar à sua família o mais rápido possível, se fica por Chicago para estar com amigos ou até se está a trair a sua futura mulher, é impossível de concluir, pois Raiff não adiciona qualquer informação extra sobre o personagem.

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Assim, Cha Cha Real Smooth gera uma situação difícil de avaliar, pois é, de facto, possível julgar Domino, visto que se acompanha a mesma em todas as suas atitudes e decisões. Mesmo percebendo perfeitamente as suas motivações e sentimentos, a mesma comete ações que, pessoalmente, são injustificáveis, imperdoáveis e tremendamente injustas para com Joseph. Torna-se moralmente complicado apoiar tal personagem, mas a verdade é que não existe informação suficiente para poder julgar a sua contraparte, logo também não é razoável criticar apenas Domino. No fim, desejava que Joseph pudesse ter recebido um par de cenas mais para ajudar a construir uma opinião mais firme.

Cha Cha Real Smooth é uma obra carregada de autenticidade, com prestações soberbas e uma história emocionalmente impactante. Cooper Raiff constrói protagonistas extremamente relacionáveis que necessitam um do outro para aprender a ultrapassar as fases de vida complicadas e incertas que vivem. Raiff e Dakota Johnson possuem uma química extraordinária, entregando-se humildemente às suas personagens cheias de falhas humanas.

É um tipo de filme cuja apreciação depende imenso das experiências de vida de cada espetador devido ao ambiente genuinamente real que rodeia a narrativa inteira. Pessoalmente, a abordagem sincera à vida pós-graduação e o tratamento brilhante da filha autista chegaram-me ao coração.

Apesar de não surpreender e ser até demasiado doce e ingénuo em vários momentos mais sérios, não podia recomendar mais um filme que merecia ser visto no grande ecrã.

Cha Cha Real Smooth está disponível na Apple TV+.

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