Bird é um retrato cru e honesto que, apesar de alguns problemas de ritmo e na mistura entre fantasia e realidade, oferece uma experiência profundamente humana elevada pela prestação impressionantemente autêntica de Nykiya Adams.
Repito o que referi há poucos dias na crítica a We Live in Time: existem centenas de novos lançamentos cinematográficos todos os anos, pelo que é apenas natural que algumas obras passem (infelizmente) ao lado e, com isso, cineastas igualmente. Andrea Arnold (American Honey) tem arrecadado sucesso atrás de sucesso no Cannes Film Festival, vencendo o Jury Prize por três vezes, mas Bird é a minha primeira experiência com o seu estilo de contar histórias. Bailey (Nykiya Adams), de 12 anos, vive com o pai solteiro Bug (Barry Keoghan) e o irmão Hunter (Jason Buda) num bairro pobre em North Kent. Bug não tem muito tempo para os filhos e Bailey, que se aproxima da puberdade, procura atenção e aventura noutro lugar.
Bird apresenta-se como uma exploração íntima das vidas marginalizadas através do arco transformativo da protagonista que se encontra na fase de transição da infância para a adolescência. Com um olhar cru e misturado entre realidade e fantasia, Arnold leva-nos para dentro de uma narrativa introspetiva, concentrando-se na resiliência pessoal e nas formas subtis de encontrar paz em momentos de beleza e liberdade fugazes, como frequentemente visto através da câmara do iPhone de Bailey.
Através de um estilo visual naturalista e da cinematografia handheld de Robbie Ryan (Poor Things), Arnold junta ao máximo o público das suas personagens, criando uma sensação de proximidade total. No entanto, nem sempre esta abordagem é eficiente, sendo ocasionalmente forçada e repetitiva. Bird perde-se momentaneamente em cenas contemplativas que, embora visualmente imersivas, quebram o ritmo da narrativa e, para quem não sinta uma conexão visceral com a protagonista, tornam-se demasiado longas.
O título da obra e do personagem interpretado por Franz Rogowski (Passages), Bird, é emblemático das questões que Arnold pretende explorar ao longo do filme, nomeadamente a força necessária durante a infância para escapar a ambiente mais adversos. A justaposição entre realidade e fantasia é estranha, mas cativante. A visão única de Arnold culmina na ambiguidade instigante do personagem de Rogowski que se encontra aberto a diferentes interpretações daquilo que representa para a protagonista.
Por um lado, Bird pode ser a incorporação de todos os conflitos internos de Bailey, desde a inocência da infância à realidade brutal da adolescência e puberdade. O dia-a-dia de Bailey é marcada por instabilidade familiar e um desejo de pertença, logo Bird pode ser uma manifestação das suas emoções poderosas. Por outro lado, o personagem também pode ser visto como um anjo da guarda literal, oferecendo a proteção e orientação que Bailey necessita ao longo do filme. No fim, as teorias são muitas, sendo que nenhuma parece ser mais acertada que outra.
Bird destaca-se também pelas prestações do elenco, principalmente de Adams. A sua estreia em longas-metragens é verdadeiramente impressionante, oferecendo uma performance bem mais “adulta” daquilo que se esperava de uma atriz com apenas 12 anos. A autenticidade que emana das suas interações com todas as personagens ao longo da obra é fascinante. Keoghan (Saltburn) também continua a sua onda de excelentes interpretações, demonstrando uma entrega notável para com o papel de Bug.
Pessoalmente, não consegui criar uma ligação forte com Bailey e o seu arco bastante humano, mas creio que tal problema deve-se mais ao facto de considerar a realidade mais interessante que a componente de fantasia. Bird, inadvertidamente ou não, acaba por tornar o personagem de mesmo nome numa espécie de mistério que, apesar de claramente ser um símbolo vital para a compreensão dos sentimentos de Bailey, também se transforma num dispositivo narrativo distrativo. Dito isto, é uma obra recomendável que criará uma conexão muito forte e memorável com inúmeros espetadores.
VEREDITO
Bird é um retrato cru e honesto que, apesar de alguns problemas de ritmo e na mistura entre fantasia e realidade, oferece uma experiência profundamente humana elevada pela prestação impressionantemente autêntica de Nykiya Adams. Andrea Arnold conduz a sua narrativa original com um olhar íntimo e sensível sobre os desafios e conflitos internos de uma jovem em transformação, realçando tanto as complexidades da adolescência quanto a beleza frágil da inocência da infância. Para aqueles que se deixarem cativar pela introspeção e vulnerabilidade de Bailey, Bird será, sem dúvida, uma obra marcante e de impacto duradouro.