All of Us Strangers é, sem dúvidas, avassaladoramente emocional e brutalmente devastador.
Como alguém que desconhecia o trabalho de Andrew Haigh (Lean On Pete, 45 Years, Weekend), iniciar a cobertura do BFI London Film Festival 2023 com uma sessão matinal do cineasta acabou por ser uma experiência bastante reveladora. All of Us Strangers foca-se em Adam (Andrew Scott) e em duas linhas de enredo pessoais e extremamente emotivas que não deixarão ninguém indiferente. À medida que a relação amorosa com Harry (Paul Mescal), um vizinho do seu prédio, evolui, Adam vê-se preso em memórias do passado que se desenrolam… no presente.
Costumo criticar decisões dos departamentos de marketing em partilhar informações narrativas que considero terem muito mais impacto se vividas pela primeira vez no grande ecrã. No caso de All of Us Strangers, a diferença é gritante, pois o primeiro ato culmina numa revelação que devia ser chocante para a audiência – e o próprio Haigh parece estruturar o seu argumento de forma a que os espetadores possam genuinamente sentir a mesma -, mas esta faz parte da premissa do filme, assim como um elemento importante dos trailers lançados.
Os pais de Adam morreram quando este tinha apenas 12 anos. No entanto, o trauma marcou-o de tal maneira que, juntamente com a solidão, tristeza e depressão que acompanham a sua vida adulta, a imaginação de Adam permite-o visitar a antiga casa de família e conviver com os seus pais no presente, contado-lhes tudo aquilo que sempre quis contar, assim como partilhar o quanto o mundo mudou (ou não). Desde o facto de ser homossexual e o quanto Adam tinha receio das reações dos pais às memórias positivas e negativas vividas pela família, All of Us Strangers é uma coleção infindável de diálogos emocionalmente devastadores.
É relativamente fácil de prever, ainda cedo no filme, que Haigh vai explorar como trauma infantil leva a um processo de luto duradouro e o quão difícil é ultrapassar algo tão pesado e injusto como a morte de alguém que se ama profundamente antes do tempo devido. Olhando para trás, All of Us Strangers contém algumas sequências propositadamente forçadas para provocar dúvida no espetador em relação ao que é real ou não, incluindo uma viagem trippy após uma noite de álcool e droga numa discoteca que, sinceramente, retira foco aos temas narrativos essenciais.
O enredo emocional com Harry é menos cativante que as interações de Adam com os seus pais, mas a relação amorosa não deixa de ser uma componente crucial para uma compreensão mais completa dos sentimentos do protagonista. All of Us Strangers também aborda, ainda que de um ponto de vista mais secundário, a vida sexual tímida de Adam, sendo que a sua homossexualidade gera conversas desconfortáveis mas necessárias com os seus pais para o próprio poder abraçar quem é sem vergonha, medo ou desilusão.
Haigh constrói um terceiro ato verdadeiramente poderoso e provocador de muitas lágrimas. São várias conversas memoráveis, mas creio que muitos espetadores ficarão com uma certa cena num restaurante entre Adam e os seus pais a reproduzir constantemente nas suas cabeças durante uns bons dias. All of Us Strangers pode ser acusado de ser demasiado melancólico ou melodramático, mas pessoalmente, considero as prestações tão convincentemente humanas que é difícil criticar uma obra por conseguir genuinamente mexer com o público.
A banda sonora de Emilie Levienaise-Farrouch (Living), juntamente com as canções escolhidas para acompanhar All of Us Strangers, são naturalmente elementos técnicos que contribuem imenso para o uso intenso de lenços e, em último recurso, as mangas da camisola ou casaco. Desde as primeiras notas de piano mal a obra começa à canção catártica que fecha o filme, ninguém ficará indiferente à imersão causada por Emilie. No entanto, o destaque absoluto inevitavelmente cai sobre o elenco que se encontra recheado de atores fenomenais.
Andrew Scott (1917) tem várias performances secundárias marcantes na sua carreira, mas demonstra que não só é capaz de liderar uma obra pesada e complexa como All of Us Strangers, como também prova que possui o talento necessário para se exprimir com emoção subtil, mas poderosa. Paul Mescal (Aftersun) encontra-se numa curva ascendente impressionante e oferece mais uma prestação dedicada, partilhando uma química tremenda com Scott e contribuindo com interpretações fantásticas de linhas de diálogo inesquecíveis.
Nota de apreço também para Jamie Bell (Rocketman) e Claire Foy (Women Talking) que representam na perfeição os pais do protagonista. Todas as prestações contêm uma camada humana transformativa, mas Bell e Foy carregam aos seus ombros a tarefa de fazer sobressair os sentimentos e pensamentos de Adam através de conversas familiares detalhadas. All of Us Strangers não possui propriamente um valor de repetição elevado, mas o impacto é tal que uma só visualização perdurará durante muito, muito tempo.
VEREDITO
All of Us Strangers é, sem dúvidas, avassaladoramente emocional e brutalmente devastador. Andrew Haigh explora trauma infantil e o processo de luto complexo do protagonista através de inúmeros diálogos memoravelmente poderosos e instigantes, interpretados brilhantemente por todo o elenco, especialmente Andrew Scott. A música de fundo de Emilie Levienaise-Farrouch cria uma atmosfera melancólica ideal para a narrativa pesada e triste, mas as canções escolhidas para a fase final da obra arrancarão milhares de lágrimas pelo mundo fora. Perde o foco temático ocasionalmente e não voltarei a ver tão cedo, mas dificilmente cairá no esquecimento.