Uma das abordagens mais interessantes ao terror de sobrevivência onde os monstros, zombies e criaturas são substituídas pelo horror da guerra e a melancolia de soldados que lutam para regressar a casa.
Verdun, 1916: Escrevo esta carta sem destinatário. Não sei quem a irá ler e se a carta conseguirá sobreviver ao bombardeamento a que somos constantemente sujeitos. Estou sentado no bunker mais próximo à trincheira, rodeado de soldados franceses, meus compatriotas, tão assustados como eu. A esperança é um sonho distante. Por mais que tentemos, o som do roer e dos passos dos ratos que esperam para devorar os nossos mortos não nos permite sonhar com o amanhã. Talvez esta carta sobreviva.
A trincheira separa o nosso exército dos soldados alemães. Uma terra de ninguém. Os conflitos têm aumentado diariamente e o controlo do bunker tem sido uma disputa que já tirou a vida a muitos dos nossos irmãos. Algumas investidas obrigaram-nos a fugir, mas estamos finalmente na reconquista. O capitão tenta motivar-nos e manter-nos sãos sempre que temos de atacar a frente alemã. Durante vários dias, fui obrigado a confrontar os soldados inimigos na lama, enterrado até aos joelhos e incapaz de me mover livremente, entre as valas da trincheira enquanto saltavam pelos buracos nas redes de arame farpado. Por mais que tente escapar, sou sempre chamado para a frente e nunca sei como sobrevivo. As minhas mãos estão cobertas de sangue, mas tive de sobreviver. Fosse com a minha arma de serviço, a espingarda, metralhadora ou até uma pá – se tiver forças, conseguirei contra-atacar. E assim foi.
Enquanto os jogos de poder acontecem no exterior, eu continuo à procura do meu irmão. Algures no bunker, eu acredito que ele esteja a recuperar dos seus ferimentos. Quando os boches invadiram a nossa base, eu fiquei para trás, apenas para procurar pelo meu irmão. O que era a minha casa foi transformada num labirinto de terror e sobrevivência. Os corredores repletos de alemães, as portas fechadas, cujas chaves fui obrigado a procurar nos pertences dos meus compatriotas. Tive de lutar pela minha vida e fiquei tão cansado que qualquer ação deixava-me fôlego. Precisava de gerir a minha energia ou não teria forças para disferir um golpe que me salvasse a vida. Felizmente, se procurar bem, eu sei que existem medicamentos que me poderão fortalecer. Posso ter melhor energia e vitalidade, mas cada vez que percorro os corredores do bunker, eu estou a arriscar a minha vida. É preciso saber quando devo fugir e o confronto nem sempre é a melhor alternativa. Os meus bolsos também não são infinitivos e preciso de escolher o que levar, o que é necessário ou o que posso descartar.
Eu podia fugir e juntar-me ao capitão na reconquista, mas o meu irmão precisava de mim. Então fiquei para trás. A minha luta era outra. Entre o bunker, a frente de combate, a trincheira e a base de operações cria-se uma rede de transporte que precisei de memorizar. Os mapas ajudaram, mas os atalhos eram imprescindíveis. Quanto mais pensava sobre este pedaço de terra, mais compreendia como era mais extenso, labiríntico e confuso do que pensava. A falta de iluminação, quando o gerador foi destruído, atirou tudo para a penumbra e se não estivesse atento aos sons, um boche poderia apanhar-me desprevenido. A escuridão era serrada, a visibilidade era reduzida e a minha lanterna foi a minha única fonte de luz, mas as baterias não eram infinitas. A busca por chaves, palavras-chave e ferramentas tornava-se mais tensa quando saia para os corredores e a minha visibilidade e recursos diminuíam.
Mas não estava sozinho neste bunker. Fora o ocasional reencontro com o meu pelotão, quase sempre antes de me atirarem novamente para a frente de combate, tive a ajuda de um misterioso soldado que me acompanhou desde o início. Ele tratava-me por Poilu, um termo amigável entre soldados, como se fosse meu companheiro há anos – mas eu nunca o vi antes. Quando o visitava, ele tinha sempre algo para mim. Em troca de cigarros, que encontrava escondidos pelo bunker – ou nos bolsos dos meus inimigos -, podia comprar itens necessários à minha sobrevivência. Balas, tecidos, químicos, kit de primeiros socorros, armas e até utensílios que me ajudaram a melhorar o meu equipamento. Como me ensinaram a combinar materiais, fui capaz de criar melhores itens de cura ou até balas com os ingredientes certos. As salas deste amigo misterioso eram um ponto de repouso, onde podia parar e respirar, organizar o meu próximo plano e até deixar notas para o meu pelotão sobre o fiz até ali. Além disso, o meu amigo, se ele também me considerar como tal, sabia um pouco sobre manutenção de armas e ajudou-me a melhorar a proficiência do meu armamento – desde que tivesse cigarros.
Como fui obrigado a percorrer os mesmos locais em busca de ajuda, a sua segurança tornou-se necessária. Apesar dos meus recursos reduzidos, acreditei que a melhor defesa era atacar os meus inimigos. Então ataquei. A minha sanidade foi desafiada sempre que atacava um soldado alemão, mas eu tinha de sobreviver. Fosse um confronto direto ou então atacando pelas costas, antes de me verem, assim fui eliminando os meus adversários. Para parar que voltassem, pude utilizar réstias de arame farpado para arranjar as redes em redor da trincheira. Desta forma, os reforços não conseguiam repovoar as valas que deixava vazias. Isto devia ter colocado um ponto final aos meus problemas.
A navegação pelo bunker, e até pelos espaços exteriores, devia ser mais fácil e acessível, mas criei inadvertidamente outro problema. Um problema ainda maior. O bunker ficou repleto de ratos. Os seus olhos foram surgindo na escuridão à medida que saciava o meu desejo por vingança e os corpos amontoavam-se pelas salas e corredores. Esqueci-me que podia queimá-los, apesar das sugestões dos meus compatriotas. Os ratos perseguiram-me sempre que me aventurava. Eles devoraram os corpos das minhas vítimas e atacavam-me assim que me viam. Os ratos eram implacáveis e regressavam por mais que tentasse reduzir os seus números. A única forma de combate-los é através da precaução e agora é tarde. Se esta carta vos chegar, peço que tenham mais cuidado do que eu. A furtividade é uma opção, os pontos de esconderijo existem para serem utilizados e há sempre uma alternativa ao combate direto. Eu deixei-me levar pelo meu medo e acreditei que a única resposta era o ataque, acabando por dificultar até a mais pequena tarefa.
Os meus dias foram passados em busca de chaves e ferramentas que me permitissem abrir novos caminhos. O bunker é um labirinto que se interligava à medida que avançava pelas suas várias zonas. Do exterior para o interior, numa enorme correria, mas admito que existe mestria na forma como construíram esta base subterrânea. A localização das chaves, o posicionamento das portas fechadas e a forma como encontrei as ferramentas que necessitava formaram constantemente um caminho que me manteve investido. A minha mente mantinha-se limpa, concentrada e determinada em resolver as várias demandas que tinha de concluir. Existia ordem na desordem e isso foi reconfortante. Cada porta que abria era mais um passo para encontrar o meu irmão.
As bombas continuam a cair. O capitão pediu-me para reunir os soldados ainda capazes de lutar porque vamos fazer mais uma investida contra os boches. A nossa artilharia vai dar-nos cobertura, mas o combate será, como sempre, na lama suja e ensanguentada onde enterro diariamente as minhas botas. Os ratos continuam a raspar a madeira, os seus olhos na escuridão, à espera da nossa morte para encherem os seus estômagos com os sonhos dos jovens franceses que foram empurrados para o inferno. Olhando para o sangue que me cobre as mãos, talvez mereça estar aqui, ao lado dos ratos, a comer os meus e a saciar-me com as suas mortes. Os meus bolsos cheios de armas e balas, as minhas mãos prontas para combater, mas a minha mente quebrada pelo terror que vi e provoquei. Um terror mergulhado numa vontade em sobreviver neste bunker condenado. Mas não escondo a minha satisfação e é por isso que mereço permanecer neste limbo: eu adorei andar pelo escuro à procura de um caminho e dos meus inimigos. Eu adorei conhecer melhor o bunker e as histórias dos meus compatriotas. Eu vivi a correria e as fugas para chegar aos pontos de salvação, e senti-me investido em proteger o bunker com melhores armadilhas e utensílios. Como esquecer uma experiência assim? Esta é a minha confissão. Ainda não encontrei o meu irmão, as minhas mãos estão cheias de sangue e sinto uma enorme satisfação. Sou um monstro.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Honest PR.