A The Game Kitchen demonstra uma abordagem mais adulta e ponderada nesta sequela que é, em quase tudo, mais divertida e empolgante do que o original.
Apesar do foco no sistema de combate e numa experiência soulsborne, Blasphemous fascinou os jogadores através da sua direção de arte – numa combinação interessante entre religião, arquitetura gótica e o grotesco – e da aposta numa estrutura metroidvania. Se Dead Cells havia combinado a experiência metroidvania com a estrutura tradicional dos roguelike, numa perspetiva 2D e com belíssimos sprites, a The Game Kitchen procurou reinventar a fórmula com a introdução de elementos popularizados pela série da FromSoftware. Em Blasphemous, as mecânicas não se afastam do que já conhecemos dos inúmeros soulsbornes, com as suas zonas de gravação, onde regressamos sempre que somos derrotados, a possibilidade de recuperar experiência ou dinheiro e a narrativa visual mergulhada em metáforas e histórias densas que só é descoberta se tivermos curiosidade para tal. Com a sequela, a produtora sevilhana decidiu fazer alterações estratégicas à jogabilidade e cimentar Blasphemous como um metroidvania acima de tudo.
A dificuldade continua a ser um dos elementos basilares da jogabilidade, mas Blasphemous II é uma sequela fascinante porque aperfeiçoou a exploração e a recompensa no seu mundo interligado. À semelhança do primeiro título, a sequela dá-nos a possibilidade de explorar várias zonas pela ordem que preferirmos. Como se trata de um metroidvania, existem sempre barreiras que impedem a progressão entre zonas secretas ou salas que escondem itens raros, mas a liberdade é uma constante. Com três objetivos principais, a campanha deixa-nos à nossa mercê, expandindo progressivamente os seus caminhos e áreas alternativas que se desdobram em atalhos e segredos que incentivam ainda mais a nossa curiosidade.
A fórmula não é inovadora, mas sinto que Blasphemous II encontra um meio-termo interessante entre o backtracking dos metroidvanias e os múltiplos caminhos dos soulsbornes ao apostar na mobilidade da personagem. Se Blasphemous era mais ríspido e menos livre na sua navegação, a sequela esforça-se para colocar os jogadores sob controlo com uma jogabilidade mais fluída, variada e progressiva que se expande através de novas habilidades. Blasphemous II torna-se num sucesso imediato para a The Game Kitchen porque encontra um equilíbrio perfeito entre a expansividade das novas zonas e o ritmo em que temos acesso às novas habilidades. Quando sentimos que a jogabilidade precisa de algo novo, Blasphemous II quase sempre corresponde às nossas expetativas e necessidades, criando uma campanha que não só se constrói através de migalhas estrategicamente posicionadas em campo, como nunca demora até dar uma resposta para todos os seus problemas e entraves mecânicos iniciais.
Esta abordagem leva-nos a querer explorar o mundo opressivo e sacro de Blasphemous II, por mais assustador e intimidante que seja. Existe sempre motivação para descobrir uma nova habilidade, que abre novos caminhos e atalhos através dos mapas, ou então para compreender melhor as motivações de certas personagens e descobrir o fio condutor sobre os temas fortes da narrativa. É uma constante sucessão de surpresas que incentivam os jogadores a arriscar até quando estão indecisos sobre o caminho que devem seguir – e melhor, até quando ficam confusos com as voltas e meia voltas que dão, o design do mundo garante sempre que nunca ficamos perdidos. É uma construção quase imaculada de uma campanha metroidvania que só peca pelos picos inesperados de dificuldade.
Penso que a The Game Kitchen foi muito inteligente na forma como regressou ao mundo de Blasphemous. A sequela poderá não ser o salto inventivo que alguns fãs poderão esperar, já que mantém a jogabilidade intacta e o mesmo foco no combate desafiante do título anterior, mas é uma evolução muito ponderada sobre a natureza da série. É um afirmar da sua dualidade metroidvania e soulsborne, e acredito que isso se reflita não só no novo design intrincado das zonas, mas também nas opções de personalização que temos disponíveis. Blasphemous 2 despe-se dos sistemas de níveis e da alocação de pontos de experiência em atributos pré-definidos. Em vez desse sistema clássico, temos uma árvore de atributos para as três armas disponíveis – que servem também o propósito de injetar novas opções de mobilidade e desbloquear novos caminhos – e a aposta na aquisição de itens que melhoram os parâmetros do Penitent One – como figuras de madeira, que podemos equipar livremente.
Blasphemous 2 não perdeu a sua visceralidade, mas é uma experiência mais ponderada e assente na exploração do que o seu antecessor. Continua a ser cruel perder progresso sempre que voltamos ao último ponto de gravação, mas Blasphemous 2 já não nos castiga ao retirar parte dos nossos ganhos. Antes pelo contrário, parece querer motivar-nos a explorar e a lutar mais para sentirmos que cada combate é uma pequena evolução para a nossa personagem. Nunca perdemos nada, tudo fica connosco e o incentivo é maior para lutarmos. Como a progressão e o sistema de combate dependem tanto da utilização e combinação entre as três armas, Blasphemous 2 também garante assim que continua a ser um jogo que requer destreza e aprendizagem constante, desafiando o jogador entre zonas – especialmente nos confrontos contra os bosses deslumbrantes.
A The Game Kitchen conseguiu suplantar-se e dar-nos uma sequela que é muito mais recompensadora do que o título original. A exploração é aliciante, com zonas bem desenhadas e atalhos inteligentes que convidam à experimentação, auxiliados por excelentes habilidades que jogam com a descoberta de salas secretas e sequências de plataformas. O combate continua a ser ponderado e desafiante, mas a rotatividade rápida entre as três armas torna cada confronto mais profundo devido à possibilidade de desbloquearmos novas combinações para cada uma delas. No fundo, Blasphemous 2 não é uma renovação visual ou uma experiência nova, mas sim uma ponderação sobre a sua combinação entre dois géneros tão próximos, como dispares. Uma excelente sequela em todos os sentidos.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Team17.