E o fenómeno de 2019 chegou a Lisboa. Ainda com 17 anos, mas já três de carreira (“Ocean Eyes”, o tema de estreia, data de 2016), a tournée de Billie Eilish viu-se obrigada a passar de salas de alguns milhares de lugares – por cá o plano seria o Coliseu dos Recreios -, para pavilhões de 20.000 lugares, tal a loucura dos fãs.
“Bad Guy”, o êxito maior, abre o espetáculo perante aquele que foi, seguramente, a maior clamor do público a que assistimos na sala do Parque das Nações. Fosse genuíno palácio de cristal, e temeria-se que o mesmo quebrasse, tal o volume de décibeis.
Lá para a terceira música, começa a perceber-se que a voz de Eilish é realmente boa, e a interação com o irmão Finneas O´Connell e o baterista Andrew Marshall prova que, ao vivo, não se perde a energia presente em When We All Fall Asleep, Where Do We Go?. Pelo contrário.
A loucura do público, que se suspeita apresentar uma média menor de idade, mas de grande variação nos seus extremos, é uma experiência que acrescenta um enorme poder e ilustra a dimensão do fenómeno.
E se há lembranças de Lorde no que diz respeito ao estilo meio a dançar sozinha no quarto, estilo pessoal e a um mundo de distância das mega produções das estrelas pop em voga na atualidade, Billie não se esquece de interagir com o público e promover a festa, dando ordens para os presentes gritarem a plenos pulmões, organizarem-se em círculos ou baixarem-se para depois saltarem ao mesmo tempo.
Em termos de alinhamento, não existiram surpresas face aos concertos anteriores em Barcelona e Madrid. Depois de “Bad Guy”, “My Strange Addiction”e” You Shoud See Me In a Crown” ainda foram essencialmente recebidas em modo chegada dos Beatles, mas, mais a meio, quando chegamos a “COPYCAT” ou “Xanny”, nota-se que a voz de soprano de Eilish é capaz de se destacar, ainda para mais estando sozinha num palco de grande simplicidade. Às vezes, um sussurro rouco é um estilo confessional que liga bem com os temas de imaginário mais gótico e pessoal.
A apoteose destes momentos surge quando Billie Eilish chama o irmão para se sentarem juntos na cama que faz parte da sua imagética, e a mesma vai sendo lentamente içada enquanto explica que “I Love You” foi escrita às duas da manhã no quarto com o irmão, num cenário não muito diferente daquele. “When The Party´s Over” é outro momento alto, antes do anúncio de que as próximas duas serão as últimas, perante a reação de sonora tristeza do público.
E paga a pena dedicar um parágrafo aos presentes. Mesmo dando o desconto de passar a mão pelo pêlo à observação de Billie Eilish de que a gente estava louca, o facto é que estava.
De cartilha bem aprendida, com praticamente todos os temas sabidos de cor e cantados por todos, e com um uso de telemóveis em larga escala talvez surpreendentemente limitado aos mega sucessos, como também aconteceu em “Bury a Friend”, foram o proverbial espetáculo dentro do espetáculo, e deram uma renovada esperança perante o temor de que a tendência de que o que importa é mostrar que se está no sítio, ao invés de participar no momento, seja cada vez mais dominante. E este concerto de blasé não teve nada.
Assim como no princípio, “Bad Guy” esteve no fim, numa gestão de emoções inteligente e que causou mais um momento para deixar os ouvidos a sentir pipocas com a gritaria da multidão. Aliás, inteligência, para além de precocidade, é um adjetivo que se pode usar sem perigo de exagero sobre a jovem californiana.
Dona de um imaginário de uma singularidade partilhada e que chama a si muitos, Billie Eilish tem tudo para continuar a ser um fenómeno. Esperemos que o faça de maneira a que consiga ser feliz.