Baldur’s Gate 3 é um jogo de altos e baixos: se o guião e o elenco são fantásticos, o desempenho é tremido. Se os visuais e a banda sonora são de apanhar o queixo do chão, a experiência não é a mais intuitiva e fluida em consola.
As minhas tentativas de jogar Baldur’s Gate ficaram sempre associadas a momentos importantes na minha vida – uns bons, outros menos bons. E não é que este terceiro chegou mesmo quando me preparava para mudar de casa? Curioso.
Não passou muito tempo desde que, finalmente, consegui terminar as versões dos orginais da Beamdog na Nintendo Switch. É uma experiência estranha quando chegamos aos clássicos e constatamos que não são assim tão bons como imaginávamos, mesmo topando as influências e o impacto cultural noutros, e melhores, jogos. Mas não é o caso dos primeiros Baldur’s Gate que, mesmo com o peso da idade, continuam bastante relevantes para os amantes do género.
No entanto, não dá para falar de Baldur’s Gate sem também recuar a Dungeons & Dragons, aquele jogo com folhas em branco repletas de possibilidades; personagens e situações mirabolantes; narradores omniscientes e dados; sempre os dados de 20 lados que ditam os fados das campanhas. Quando a Larian lançou os seus sobre os direitos da série e conseguiu um “Natural 20”, decidi espreitar o Divinity: Original Sin II (também na Switch) para saber ao que ia. Porém, a experiência não foi positiva, muito pelo desempenho na consola e também por me sentir assoberbado com mecânicas, com o que podia fazer e como o podia fazer. Não desisti da aventura, mas quero regressar numa plataforma que a faça jus. Assim, fiquei apreensivo: será que agora iria gostar de Baldur’s Gate 3? Após tê-lo experimentado, a resposta curta é: “Gostei!” Já a reposta longa é: “Gostei, mas…“
Se abraçarmos os memes, os clipes de momentos engraçados no TikTok, ou se pensarmos na possibilidade de praticar o amor com um urso, vamos ter imenso para adorar neste jogo! Apenas lamento o facto de o mundo de Faerûn estar colado com fita adesiva e orações, o que me fez questionar os anos em Early Access do jogo, mais uns meses de exclusividade no PC e PlayStation 5, e se não seria melhor mais uma temporada no forno. Afinal de contas, até um Cyberpunk 2077 demorou o seu tempo até estar no ponto – três anos pós-lançamento. E porque é que faço esta comparação? O que temos em comum nestes dois monstros de jogos? Um mundo rico, personagens incríveis e uma história deliciosa com o condão de nos distrair dos detalhes menos bons.
O género dos RPG vive e morre pela sua história, com a premissa de Baldur’s Gate 3 a começar de forma bem simples, mas não para os mais ansiosos. Entre umas centenas de anos após o segundo jogo, e algures durante uma campanha de Dungeons & Dragons, o protagonista é raptado para uma nave interdimensional de Mind flayers e é injetado com uma medonha, mas pequena, criatura no seu cérebro para nos converter à espécie. Esta invasão é repelida por guerreiros Githyanki, que nos dão a abertura para sabotar a nave e a fazer despenhar em Faerûn. E tal como na abertura de Divinity: Original Sin II, vamos passar o primeiro ato a explorar território desconhecido e a recrutar companheiros a braços com o mesmo problema.
Os arcos iniciais levam-nos em busca de uma cura, mas quando a inevitável transformação em Mind flayer tarda em chegar, surge a curva narrativa: esta infeção permite comunicar e, de certa forma, influenciar outros como nós. O compasso moral passa então pela remoção da infeção ou por tirar proveito desta descoberta. E é assim que vamos influenciando os pequenos e os grandes momentos de Baldur’s Gate 3 que crescem para além da nossa demanda pessoal. E como os abordamos é o que vai dar sabor e injetar variedade para que duas campanhas, de dois jogadores distintos, não sejam iguais.
E do que vale de uma história sem um elenco de luxo para a carregar? Felizmente, Baldur’s Gate 3 não desilude neste campo e apresenta-nos um bando de personagens caóticas e memoráveis, muito por culpa do incrível talento dos atores que lhes dão voz, vida e personalidade – que já nos toparam e até assumem as suas personagens para brincar com os fãs nas redes sociais. Se é tramado escrever para uma personagem, agora pensem que ainda podem falar com cadáveres, animais e alguns objetos – e todos com diálogos narrados. Claro, sem esquecer o incrível trabalho de narração que nos acompanha em cada passo e decisão – possivelmente errada.
A verdadeira aventura começa durante a criação da personagem: com uma variedade de raças e de resmas de opções para criarmos um protagonista único, da cor das madeixas, ao detalhe dos órgãos genitais. A nossa influência começa logo pela escolha da raça; um Drow será sempre ostracizado, ao passo que as outras raças serão mais bem recebidas consoante as comunidades onde nos encontramos. Detalhes, como religião, inteligência e diferentes experiências também nos permitem explorar outras afinidades e opções de diálogo. A palavra-chave é mesmo a variedade e o facto de a Larian continuar a adicionar mais conteúdos, mesmo que subtis, não vem ajudar a este FOMO de completar e ver tudo o que o jogo tem para entregar.
Porque eu fraquejo, abuso do quicksave e do quickload para refinar a minha campanha pessoal, neste loop acabei por me deparar com um dos problemas mais chatos de Baldur’s Gate 3. Santa Mãe, os loadings são enormes. Neste processo de voltar atrás e repetir, com uma pausa a meio, já não ia às redes sociais durante um loading desde os tempos do The Witcher 3 nas suas primeiras versões. Esta geração de consolas habituou-nos a uma velocidade e ritmo que infelizmente não existe em Baldur’s Gate 3, pelo menos nesta versão da Xbox Series X. Este é um dos detalhes menos bons mencionados, mas há outros que sinto que merecem ser mencionados, como personagens que desaparecem durante os diálogos; áudio intermitente; bugs visuais; interface que não responde; quests que não actualizam, saves corrompidos e um inventário de bradar aos céus, de tão doloroso que é. Sempre que o abro, dá-me uma crise de ansiedade por ninguém se ter lembrado de algo tão simples como separadores.
Uma vez que Baldur’s Gate 3 é uma árvore com raízes de possibilidades longas e emaranhadas, é inevitável que algumas partes cedam sob peso desta ambição e de uma atenção ao detalhe desmedida, como as bágoas de suor que escorrem quando passamos por zonas quentes ou o aquelas oportunidades mecânicas realistas de podermos entornar álcool durante o combate para provocar um incêndio oportuno. Aproveito a segue para abordar o que menos gostei neste Baldurs Gate 3 – não confundindo com o problemas do jogo. Ao contrário das suas prequelas, o combate e parte da interações do jogo já não são em tempo real, mas sim por turnos. Mas também não é um combate por turnos à JRPG, com arenas isoladas e as personagens alinhadas a aguardar pela sua vez. E agora que penso no que escrevi, talvez fosse melhor…
Como amante do formato, até que estava entusiasmado. Mas quando me meteram em linha de espera enquanto dez marmanjos atacavam, ou engonhavam pela arena, sem opção de acelerar ou saltar os turnos dos adversários, passei a evitar o combate e a optar por resolver conflitos a conversar. Também não ajuda que a interface (em comando) não seja a mais intuitiva, ainda por mais, quando lutamos contra a câmara com frequência. Ainda assim, consigo admitir que o melhor é mesmo a forma como podemos abordar uma batalha: empurrar o adversário de áreas superiores; bloquear passagens com barris; arremessar tudo o que tivermos à mão; sem esquecer a fantástica sinergia entre as personagens e a miríade de combinações de classes. O limite é mesmo a criatividade e a paciência.
Baldur’s Gate 3 é um jogo de altos e baixos: se o guião e o elenco são fantásticos, o desempenho é tremido. Se os visuais e a banda sonora são de apanhar o queixo do chão, a experiência não é a mais intuitiva e fluida em consola. Depois, o combate, mas isso é bem relativo e o que senti é muito meu. Baldur’s Gate 3 vai ser melhor na sua versão definitiva, tal como aconteceu com Divinity: Original Sin II, mas não deixa de ser uma vitória para o género dos RPG, para os combates por turnos e por insistir nos modos cooperativos em sofá, cada vez mais ausentes, em prol de simular uma experiência virtual de Dungeons & Dragons.
Cópia para análise (versão Xbox) cedida pela Larian Studios.