The Plane Effect – Uma história de embalar e enervar

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A ambição está lá, mas o título narrativo da StudioKiku não tem qualquer garra.

The Plane Effect é um dos jogos mais frustrantes que joguei em 2021. Não queria começar este texto mergulhado no mais profundo negativismo, mas The Plane Effect é um título que me consegue roubar todo e qualquer entusiasmo sempre que regresso. Estou a analisá-lo há dias, apesar da sua curta duração, onde as horas de jogo são divididas entre o regresso ingénuo à campanha, pensando que estou a ser injusto com The Plane Effect, e a desistência devido à frustração deste título narrativo, sem quaisquer diálogos, e de arte minimalista que não consegue contar a sua história de forma envolvente ou criar puzzles suficientemente interessantes ao longo da curta campanha.

A aposta em jogos narrativos é arriscada, uma vez que requer um maior envolvimento emocional por parte do jogador. Se existe uma desconexão, seja pelos pontos narrativos ou pela construção do mundo, a campanha cai muitas vezes por terra, pois não existe geralmente uma complexidade mecânica que consiga destacar-se fora da história do jogo. Foi isto que me aconteceu com The Plane Effect. Apesar de ter achado o setup curioso, onde seguimos um homem de família no final de um dia de trabalho – será essa a realidade deste mundo? –, não consegui acompanhar a aventura com o mesmo entusiasmo e vi-me aborrecido pela tentativa em criar uma realidade surrealista e minimalista através de níveis concisos e de cenários quase sempre monocromáticos.

Aprecio a ausência de diálogos e gosto que a StudioKiku tenha arriscado numa história tão visual, mas este é outro risco inerente ao género. Se as exigências emocionais já são elevadas quando temos personagens desenvolvidos e que interagem entre si, o risco é ainda exponenciado quando nos deparamos com uma campanha a solo, quase sempre solitária e sem um bom domínio da arte narrativa, onde não existem diálogos e a ação é desenvolvida pelos cenários e a própria jogabilidade. Algo se perdeu na adaptação desta história que, acredito, está no coração da StudioKiku, onde ainda conseguimos sentir o seu amor e carinho pela narrativa em alguns momentos da campanha, mas tal emoção nunca passou para lá do ecrã e vi-me a desbravar um mundo vazio em busca de um significativo que se manteve implícito.

the plane effect echo boomer 3

Os problemas mantiveram-se no lado mais mecânico de The Plane Effect, que se constrói através de puzzles simples enquanto conta a história deste homem em busca da sua família. A campanha encontra-se dividida por níveis e encontramos em todos eles um fio condutor construído através de puzzles que tentam criar entre si uma lógica que nem sempre está presente. Isto porque The Plane Effect é demasiado rígido e focado na sua estrutura simplista para deixar o jogador experimentar e descobrir à sua vontade. Os puzzles são construídos através de uma ordem pré-definida de acontecimentos, o que quer dizer que não é possível contornar alguns passos para chegar à conclusão. Isto significa que terão de esperar até que um item, que está visível no cenário, se torne necessário para que o protagonista possa interagir com ele.

Isto é absolutamente frustrante e desorientador, quebrando a pouca lógica interna do jogo porque baralha o jogador mais do que o ajuda. A ideia era criar um jogo de aventura e puzzles muito simples e intuitivo, eliminando a necessidade de um inventário e apostando em resoluções que só exigem um item de cada vez, mas o resultado foi muito diferente daquele ambicionado pela StudioKiku. Os puzzles ora são incrivelmente banais, ora se apresentam de forma quase ilógica, agravados pela má visibilidade dos cenários e pela sucessão irreal de ações.

Dou-vos um exemplo. Num dos níveis temos de desbloquear uma cortina para continuar em frente. Neste cenário, temos várias opções para interagirmos, desde um candeeiro até a um íman disposto no frigorífico. Há também um fio cortado, que provoca curto-circuitos, e nós sabemos que temos de interagir com este fio para abrirmos uma porta secreta. Ao explorarmos, faz-se luz. Eureka, gritamos nós! Encontramos fita cola e percebemos automaticamente que servirá para tapar o fio e resolver o curto circuito, mas quando a tentamos utilizar, nada acontece. Estamos sem ideias. Andamos pelo cenário e nada, nem uma única pista lógica presente. Sabem qual é a solução? Sentarmo-nos no sofá e ligarmos a televisão. Não existem indicações nenhumas de que iremos influenciar o puzzle do fio quando nos sentamos no sofá, mas quando a nossa personagem pega no comando e liga a televisão, ativa finalmente a possibilidade de interagirmos com o fio cortado. Talvez exista aqui uma lógica que me escapa, e admito que não sou o maior fã de aventuras gráficas, mas The Plane Effect tenta ser tão acessível que se torna num marasmo de situações pouco ou nada marcantes – a não ser pela frustração.

the plane effect echo boomer 2

Existe uma forma de contornar estes problemas se quiserem focar-se apenas na narrativa. A StudioKiku disponibilizou três modos de jogos: normal, onde poderão jogar a campanha dentro dos moldes criados pela produtora; narrativo, onde encontrarão algumas ajudas, mas serão vocês a resolver todos os puzzles; e guiado, um modo onde o jogo vos diz para onde ir e o que fazer, contornando assim parte da experiência em prol de uma campanha ainda mais assente na narrativa. Se querem o meu conselho, joguem no modo guiado. Podem começar por jogar em normal, tal como fiz, e depois mudar para os outros dois modos, mas se estiverem a gostar do ambiente e da história do jogo não se deixem frustrar e entrem em piloto automático.

Sinto que a StudioKiku quis, acima de tudo, contar uma história e não estarão a desvirtuar totalmente as intenções do jogo ou da sua produtora. Assim quero acreditar, mesmo que seja impossível recomendar The Plane Effect.

Cópia para análise (PlayStation) cedida pela PQube

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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