Com um conceito tão interessante como a possibilidade de viajar e controlar ações entre dois mundos em simultâneo, a nova aposta de horror da Bloober Team tem dificuldade em fazer justiça ao seu fantástico potencial.
Dois meses depois da chegada das novas consolas da Microsoft, a Bloober Team traz-nos um dos primeiros jogos exclusivos para o ecossistema Xbox, para PC e, em particular, para as Xbox Series S e Series X. Com um portfólio sólido, dentro do género do horror e da narrativa, diz-nos a produtora polaca que The Medium é o seu projeto mais ambicioso de sempre, não só pelas tecnologias adaptadas e otimizadas do motor Unreal Engine, usado de forma muito peculiar neste jogo next-gen, mas também por ser o primeiro título da produtora jogável e visto na terceira pessoa através das suas cinemáticas.
A narrativa de The Medium é simples de se apresentar, mas mais complicado da se resumir. Trata-se de um jogo que vive à custa do mistério, exploração e procura pessoal do primeiro ao último momento, que nunca nos dá uma resposta certa e clara dos seus eventos, mantendo-nos sempre a questionar as suas realidades.
Estamos na Polónia, no final da década de 90. Depois de um misterioso telefonema no dia mais difícil da sua vida, Marianne é chamada para visitar um resort de férias abandonado e assombrado por um passado marcado por um terrível massacre. Enquanto medium, alguém capaz de viajar para uma espécie de limbo, numa dimensão que desafia o tempo e o espaço e onde é possível interagir com os mortos, Marianne parte à descoberta da sua verdadeira missão enquanto ajudamos almas perdidas a encontrarem a paz eterna.
Altamente inspirado em jogos de point and click e de câmaras estáticas como um Resident Evil ou um Alone in the Dark à antiga, The Medium troca ação por momentos de exploração, investigação, seguimento de pistas, procura de itens, resoluções de pequenos puzzles e breves momentos de stealth para não sermos apanhados por estranhas entidades demoníacas.
Superficialmente, The Medium é um jogo mecanicamente simples e bastante familiar para os fãs do género, que conta com um twist: a possibilidade de explorarmos duas realidades ao mesmo tempo e de combinarmos as ações entre o limbo e a realidade de Marianne, para o avanço na sua narrativa ao longo de divisões, corredores e, ocasionalmente, espaços mais abertos.
Esta habilidade está presente em função da narrativa e daquilo que a Bloober Team nos quer contar, ou seja, não é de utilização livre. A mecânica que nos divide o ecrã, ou que nos deixa ter experiências “out of body”, é uma das razões pelas quais este é um jogo de nova geração, com basicamente dois jogos, dois mundos, duas dimensões a serem apresentadas e, por vezes, controladas em simultâneo, até em cinemáticas, mostrando-se como justificações quase plausíveis para aquele universo de fenómenos sobrenaturais, como objetos flutuantes e outras bizarrias.
Apesar de compreender a ambição desta funcionalidade, não consigo afastar o sentimento de desapontamento na sua presença limitada ao longo do jogo, ou do potencial não utilizado para mais puzzles e desafios. The Medium apresenta uma rotina de jogabilidade, com objetivos e desafios, na sua maioria, fáceis e acessíveis na sua resolução, mas a Bloober Team parece ter jogado pelo seguro com uma aposta muito controlada e simples na sua execução. Por vezes, esse controlos torna frustrante a não possibilidade de vermos a outra realidade sem que o jogo nos diga.
As missões e os objetivos propostos são, também, relativamente superficiais. Com um sistema de exploração e aquisição de itens muito semelhante aos de um Resident Evil, teremos que apanhar peças e utensílios que nos ajudam a avançar nos níveis. Quase sempre estes itens estão ao pé de nós e, outras vezes, basta-nos informações, que o jogo obriga a descobri-las, mesmo quando já sabemos a sua resolução. É, mecanicamente, um jogo bem mais simples do que aparenta, mesmo com a sua camada extra. É bastante fácil perceber o que temos de fazer e, tirando um ou outro puzzle mais cerebral, é simples e acessível de completar, um pouco como as experiências propostas pela DONTNOD em Life is Strange ou Tell Me Why.
A apresentação de The Medium é um dos seus grandes pontos de venda que, tal como as suas mecânicas, fica um pouco aquém das expectativas. A Bloober Team sente-se claramente confortável com o género de horror e mistério, mas, em The Medium, não parece ter dado tudo para nos deixar com ansiedades e medos. É, sem dúvida, uma aposta na narrativa e no mistério pessoal de Marianne, e não tanto um jogo para nos assustar. Existe um ou outro jump scare, mas o horror propriamente dito surge através de temas, situações e pensamentos sombrios e altamente desconfortáveis para a nós e para a personagem que controlamos, criando, assim, uma ressonância emocional com Marianne e os eventos do jogo.
The Medium conta com uma ótima direção artística, com alguns cenários extremamente bonitos e cinemáticos, em particular zonas de rua e as diferentes regiões do limbo que vamos visitar, carregadas de tons laranja reminescentes do inferno do filme Constantine. Não são cenários tão horripilantes ou despidos de esperança como poderiam ser, mas fazem um excelente serviço ao estabelecer o tom do jogo.
Também muito promovida foi a banda sonora, composta por uma surpreendente dupla: o aclamado compositor Arkadiusz Reikowski, que já tinha trabalhado com a Bloober Team em jogos passados, a cargo dos segmentos no mundo real, e Akira Yamaoka, que os fãs de jogos de horror conhecerão facilmente pelo seu trabalho em Silent Hill. Numa nota mais pessoal, e como fã de bandas sonoras, gostava de gabar o trabalho da dupla no jogo, mas confesso que foi o elemento do jogo que menos me marcou. A música é uma constante ao longo do jogo e, tal como a restante apresentação visual, estabelece bem o tom e a atmosfera das cenas. Mas no momento de escrita desta análise, nenhum tema me ficou na memória, à exceção de duas canções em momentos chave do jogo.
A nível de desempenho, The Medium não surpreende. Nem tampouco se parece com aquilo que imaginamos como um jogo next-gen, mesmo com a aplicação de tecnologias de ray-tracing. Trancado a 30fps na Xbox Series X e Series S, ao trocar entre as duas plataformas é apenas notório o aumento de resolução de uma para a outra, dos 1080p na S e 4K na X. Quer isto dizer que em ambas vamos ter problemas semelhantes, como carregamento de texturas demorado, loadings lentos quando carregamos um save ou iniciamos o jogo, pequenas quebras de fluidez e artefactos coloridos em cinemáticas. Mas enquanto estes são problemas facilmente resolvidos com atualizações, o mesmo não se pode dizer das animações dos corpos e das expressões faciais das personagens, maioritariamente rígidas e robóticas, o que retira ao jogo a ideia de qualidade que só é possível nas novas consolas.
The Medium não corre riscos. Em todas as suas dimensões, mecânicas, narrativas e técnicas, é um jogo de um elevado potencial que raramente lhe faz justiça. A história, que conta com todo o carinho da equipa de produção, é bem mais simples e direta do que aparenta, com a névoa de mistérios e objetivos redundantes que a abraça. É, sem dúvida, uma ótima adição ao catálogo da Xbox, em particular ao Xbox Game Pass, onde fica disponível para os seus subscritores, e merece ser experienciada. Temo, porém, que tenha dificuldade em encantar os jogadores, especialmente os que esperam algo mais de um jogo da nova geração.
Disponível para: Windows 10 PC, Xbox Series X e Xbox Series S
Jogado na Xbox Series X e Xbox Series S
Cópia para análise cedida pela Xbox Portugal.