Shin Megami Tensei V – A beleza do Apocalipse

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A ATLUS continua a demonstrar que é uma das melhores produtoras de RPG com o regresso há muito esperado ao universo Shin Megami Tensei.

Shin Megami Tensei V é um dos melhores videojogos de 2021. Podia tecer a melhor e mais complexa introdução sobre o novo exclusivo da Nintendo Switch, mas não é necessário. É fútil tentar explicar o prazer e a satisfação de finalmente regressar ao mundo de demónios e teologia da ATLUS, cinco anos depois de Shin Megami Tensei IV: Apocalypse e fora das consolas unicamente portáteis. Não existe nada semelhante a Shin Megami Tensei e à sua consistência entre lançamentos, apesar das alterações de direção e de mecânicas revelarem o quanto a base mantém-se sólida desde a sua estreia.

No quinto título, ignorando, por agora, os spin-offs, Shin Megami Tensei emerge mais forte do que nunca. Como um produto evolucionário, impossível sem a experiência de uma série com mais de 30 anos de existência, a história de Nahobino é um culminar satisfatório do que vimos em Nocturne e Shin Megami Tensei IV. Existe, como seria de esperar, uma simplificação da experiência confortavelmente clássica e desafiante dos títulos anteriores, mas a narrativa expande-se por novos caminhos, apresentando um maior foco nas personagens, no nosso protagonista e num mundo muito mais vivo e presente do que poderia alguma vez imaginar. Da’At expande-se por cenários enormes, totalmente exploráveis, onde vemos as sensibilidades modernas, como as missões secundárias e colecionáveis, a influenciarem positivamente uma série que se quer o mais próxima possível das suas raízes. Mas Shin Megami Tensei V é o mestre de ambos e é tão seguro e próximo dos seus antecessores, como cria um futuro risonho para a série principal, capaz de rivalizar contra os seus spin-offs mais populares e os seus rivais japoneses.

A exploração já havia evoluído em Shin Megami Tensei IV, com cenários mais detalhados e ambiciosos na terceira pessoa, que conseguiam combinar os níveis labirínticos de Nocturne com um design mais moderno, onde o cansaço era controlado e condicionado em prol de uma experiência mais linear, mas também mais propensa à imaginação do jogador. Shin Megami Tensei V aproveita esse primeiro passo e eleva a fasquia a um novo e absolutamente delicioso patamar. É certo que os cenários perdem alguma da sua magia com o passar do tempo, muito devido à repetição de assets e à sua paleta de cores – sem mencionar que iremos revistar inúmeras vezes estes campos extensos –, mas a campanha é intercalada por masmorras e níveis temáticos que cortam a repetição e cansaço inerentes à exploração. Estas masmorras transportam-nos para o passado da série, com puzzles, desafios ambientais e novas mecânicas que nos obrigam não só a memorizar o espaço à nossa volta, mas a dominar o sistema de combate.

Existe uma vontade em simplificar a tão temida experiência Shin Megami Tensei. A aposta num mundo mais aberto, mas longe do que hoje vemos no género, e em funcionalidades e opções que nos permitem viajar rapidamente entre pontos do mapa – mas também curar a nossa equipa –, demonstram o quanto a ATLUS quis atualizar a sua série principal para uma nova era. Algumas mudanças poderão não fazer sentido para os mais puristas, mas Shin Megami Tensei V equilibra esta vontade em inovar com as suas mecânicas mais clássicas e cria aquela que é a melhor porta de entrada para a série. Os combates aleatórios desapareceram mais uma vez, tal como nos dois jogos anteriores, mas desta vez conseguimos ver quais são os demónios que iremos defrontar, auxiliando assim a procura de novas criaturas e reduzindo o tempo de exploração. Existiu uma vontade em contrariar a aleatoriedade que sempre marcou a série e abraçou-se a modernidade da melhor forma. O mundo de Shin Megami Tensei V é mais convidativo, mas igualmente intimidante, sem nunca perder o que torna a série especial: a sua aposta na dificuldade.

Esta filosofia de design, de pés assentes na dificuldade, reflete-se, como sempre se refletiu, no sistema de combate. O sistema Press Turn está novamente em destaque e a sua aposta na exploração de fraquezas e de ataques críticos, que dão acesso a novos turnos, mantém os confrontos tensos e igualmente próximos de verdadeiros jogos mentais. É necessário, por exemplo, saber construir a nossa equipa e perceber que demónios devemos juntar à nossa equipa para contornar os ataques mais poderosos dos nossos inimigos. Não podemos esquecer que as nossas personagens também têm fraquezas que poderão ser facilmente aproveitadas pelos bosses e inimigos do jogo, e basta um pequeno deslize para perdermos um combate que parecia estar garantido.

Já é raro apreciar um sistema de combate por turnos, mas Shin Megami Tensei continua a conquistar o meu coração. Fora o sistema Judgement Ring, de Shadow Hearts, e o Initiative Point Gauge, da série Grandia, não existem quaisquer dúvidas que o Press Turn é um dos meus sistemas favoritos e a ATLUS conseguiu torná-lo ainda mais dinâmico nesta quinta entrada. As animações são mais fluídas, podemos avançar ataques e encurtar os tempos de espera, e existe uma contínua aposta na personalização que acho deliciosa. Temos mais habilidades e ataques à nossa disposição, cujo número poderemos aumentar, e existe uma maior combinação não só de poderes, como de atributos para o nosso protagonista, o que nos leva a arriscar ainda mais na sua evolução.

A aposta no Press Turn não vem sozinha. Tal como nos títulos anteriores, Shin Megami Tensei V mune-se de algumas novidades e apropria-se de sistemas clássicos para construir a sua aventura. Temos, por exemplo, uma restruturação do sistema de Aplicações (APP) de Shin Megami Tensei IV, aqui denominado de Miracles, onde podemos desbloquear novas habilidades – como o número de demónios na equipa e a sua afinidade a certos atributos – através de pontos de Glory: um enorme incentivo à procura dos colecionáveis. Depois temos as Essences, que nos dão a possibilidade de utilizar habilidades de outros demónios e, no caso exclusivo do protagonista, os seus atributos, fraquezas e vantagens. Esta troca de habilidades poderá ser realizada em qualquer ponto de gravação e motiva-nos a experimentar regularmente entre combates. Não existe, no entanto, a necessidade de aperfeiçoarmos e aprendermos habilidades até ao seu nível máximo, como no caso dos Magatamas de Shin Megami Tensei III, e o seu fator mais descartável poderá irritar os mais devotos à série, mas, para mim, foi exatamente o contrário. Como as Essences são limitadas, senti-me mais tenso e desafiado pelo novo sistema, ao ponto de querer experimentar mais habilidades, mas sempre respeitando as decisões que fazia ao longo da campanha.

Por fim, temos outra novidade peculiar: as Magatsuhi. Estas habilidades especiais, que podemos equipar de acordo com a nossa equipa e atributos, funcionam como um trunfo nos combates. Ao garantirmos que temos a barra cheia, podemos ativar um novo estado (state) que nos permite, por exemplo, determinar que todos os ataques são críticos, o que significa que teremos sempre um turno adicional, ou então que as magias só gastarão 1 MP. Se utilizarmos as Magatsuhi no momento certo, poderemos mudar por completo o rumo de um combate ou então garantir que temos um arranque mais poderoso, marcando assim uma distância significativa entre nós e o nosso inimigo. É fácil depender muito deste sistema e essa é a maior crítica que lhe faço. No entanto, a ATLUS fez a decisão inteligente de dar aos inimigos a possibilidade de ativarem as mesmas habilidades, criando assim uma igualdade deliciosa que representa muito bem a alma da série.

Shin Megami Tensei V é um jogo ambicioso e é difícil não percebermos como poderia ter ido ainda mais longe se não fosse um exclusivo Nintendo Switch. A consola híbrida sua por todos os seus poros à medida que atravessamos os desertos de Da’At e as suas cidades extensas, especialmente quando encontramos mais inimigos em campo e deslizamos pelas suas dunas. Os slowdowns são constantes, a resolução é baixa, o que corta muito da beleza natural deste futuro pós-apocalíptico, e seja na TV ou no modo portátil, é muito raro termos um desempenho consistente ou até aceitável para o tipo de jogo. Pedíamos muito mais de Shin Megami Tensei V neste aspeto, mas, felizmente, estes problemas – tal como uma certa repetição de objetivos, como a eliminação dos Abscesses – nunca são o suficiente para pararmos de jogar aquele que é, sem dúvida, um dos melhores jogos de 2021.

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Cópia para análise cedida pela Nintendo Portugal.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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