Depois de várias experiências, a Frogwares regressa ao início da carreira de Holmes com uma prequela que procura oferecer aos jogadores uma campanha mais focada na liberdade.
Não é a primeira vez que me deparo com a Frogwares e a sua interpretação do eterno Sherlock Holmes. Em 2012, quando ainda estava a dar os primeiros passos no mundo da crítica, fui desafiado a analisar The Testament of Sherlock Holmes. Estava na BGamer, no segundo mês do meu estágio, e o desafio não podia ser recusado. Queria agarrar a minha oportunidade para finalmente escrever um texto para uma revista de videojogos e era essa a recompensa: a crítica seria publicada no próximo número da BGamer. Não é de estranhar que exista uma nostalgia pela série, mas descubro que sou uma pessoa mais fria do que pensava. Chego a esta conclusão porque nunca mais revisitei a série, mantive-me afastado e sem interesse para continuar as aventuras do detetive mais famoso da História. Mas a vida é irónica. Depois de tantas voltas, de tantos lançamentos e sequelas, aqui estou eu, exatamente de regresso onde tudo começou.
É difícil recordar-me da minha experiência com The Testament of Sherlock Holmes para além de saber que fui surpreendido. Pensava que ia encontrar uma aventura lenta, mais próxima dos tradicionais point and click, e lembro-me de descobrir um jogo mais dinâmico e diversificado do que esperava. Algumas mecânicas, como a química, elevaram a experiência e tornaram-na não só mais realista, como desafiante, obrigando-me a compreender todas as nuances das suas regras. Mas 2012 foi há muito tempo, há quase 10 anos, e as memórias começam a dissipar-se com a idade. Talvez não tenha sido um jogo tão memorável além da sua conotação mais nostálgica, mas consigo perceber, pelo pouco que ainda habita na minha memória, que a Frogwares tem vindo a construir sobre os seus alicerces e a tornar a experiência mais acessível, mas também variada.
Assim chegamos a Sherlock Holmes: Chapter One, o mais recente título da série, que funciona como prequela e reboot para os títulos anteriores. Em Chapter One, encontramos um Sherlock Holmes mais novo, arrogante e destemido, ainda distante das suas aventuras com Watson. Nesta aventura, o famoso detetive investiga a morte misteriosa da sua mãe e é acompanhado por Jon, o seu amigo imaginário, que serve também de consciência e de veículo para os jogadores. É uma demanda mais solitária, mas igualmente aberta e assente na liberdade, com Chapter One a oferecer um mundo aberto mais detalhado, variado e repleto de casos e missões secundárias que poderão ser completados pela ordem que os jogadores quiserem.
Entre casos, a narrativa de Chapter One desenvolve-se até que afunila numa reta final mais linear e obrigatória, retirando os jogadores das ruas da ilha de Cordona para terminar a sua narrativa de forma satisfatória. Não existem propriamente surpresas, especialmente se forem fãs da personagem, mas Alex Jordan faz um ótimo papel como um jovem Sherlock Holmes e é acompanhado por um cast de atores que injeta algum drama, mas também humor aos casos que terão de resolver. O desempenho não é o mais consistente, sofrendo de alguns soluços na PS5, e existe alguma falta de polimento nos movimentos das personagens, demonstrando regularmente o orçamento reduzido em que a série se construiu desde a sua estreia no PC, mas a campanha vive através da liberdade e das várias mecânicas que tentam replicar o génio de Holmes.
O que acho interessante é que a maioria das mecânicas podem ser traçadas aos títulos anteriores. A química, por exemplo, está de regresso, mas num formato mais acessível, onde precisamos apenas de unir vários elementos para criarmos o resultado que procuramos. O ritmo dos casos também é muito idêntico, com Holmes a procurar pistas, que podem ser investigadas através da visão do detetive – que funciona quase como um sensor –, mas também a interrogar personagens e a tentar comprovar a veracidade das informações que vai reunindo. O prólogo é uma boa porta de entrada para o jogo e demonstra exatamente esta estrutura que descrevi, com Holmes a recolher novas provas, mas também a investigar todos os pormenores possíveis. O jogo permite-nos, em momentos específicos, verificar personagens e objetos de perto, de forma a encontrarmos detalhes meticulosos e mais informações sobre os intervenientes. No final, podemos traçar um perfil psicológico que nos ajudará a compreender melhor o caráter das personagens e do nosso possível culpado, tal como os seus motivos. Não é a mecânica mais inovadora, mas funciona perfeitamente neste formato mais acessível de Chapter One.
Holmes é conhecido pelo seu raciocínio e a Frogwares sempre procurou colocar o processo de investigação e de ligação de provas em primeiro lugar. Em Chapter One, nós somos os protagonistas do intelecto de Holmes, os seus neurónios, atentos aos pormenores e sempre à procura de ligações entre as várias pistas que conseguimos recolher. E é isso que teremos de fazer para conseguimos resolver todos os casos de Chapter One. Ao recolhermos pistas, temos de lhe injetar alguma lógica e descobrir como se interligam entre si para criarmos uma acusação de ferro. Esta ligação acontece em Mind Palace, onde temos acesso a todas as pistas, e é aqui que tentamos compreender o grande esquema por trás de cada caso. É muito intuitivo, mas Mind Palace tem um problema: é demasiado acessível. Não existem penalizações para o caso de falharmos uma associação, o que significa que podemos simplesmente falhar até acertar nas duas pistas que se interligam. Um desperdício, mas corta alguma da frustração associada à resolução deste tipo de puzzles.
A aventura constrói-se assim, entre a exploração, a descoberta de um novo caso e a recolha de provas. Com novas pistas, podemos interrogar as personagens sobre os objetos que encontramos nas nossas deambulações pela ilha, como uma bengala em más condições ou um panfleto ensanguentado, desbloqueando novas opções de diálogo que nos permitirão chegar mais longe no caso que estamos a resolver. O sistema de diálogo também marca presença, mas não é um dos destaques do jogo, mantendo-se muito próximo à fórmula RPG, mas sem as repercussões momentâneas que seriam de esperar. As decisões mais importantes são tão óbvias que o jogo acaba por escolher as respostas por nós.
Não consigo determinar se existiu, de facto, uma simplificação da jogabilidade da série, mas foi o que senti. Chapter One é uma aventura mais segura, mais sólida, mas sempre presa a uma fórmula que nem sempre é cativante. Não existem dúvidas de que é um bom jogo e destaca-se pelas suas personagens e pelos casos que decidiu retratar, onde não pode menosprezar a liberdade que oferece aos jogadores na sua resolução, mas parece que se perdeu algo nesta estreia na nova geração. Falo, no entanto, como um jogador à distância, que saiu diretamente de 2012 sem conhecer a evolução da série. Talvez seja um jogo perfeito para vocês. Arrisquem. Da minha parte, penso que irei esperar mais 10 anos até dar novamente o salto.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela PressEngine.