A equipa de Tales of Vesperia regressa ao género RPG com um novo IP de sucesso.
Não quero fazer as contas com medo do resultado final, mas acredito que sou fã de RPG há exatamente 20 anos. Comecei na PlayStation, com títulos como Final Fantasy VII e Star Ocean: The Second Story, e percorri as gerações seguintes em busca de títulos originais que mantivessem vivo o meu amor pelo género. Mas o tempo é cruel, a idade é imparável e os gostos mudam: é inevitável. Com o passar dos anos, o amor pelo género transformou-se, as narrativas de jovens contra impérios maléficos deixaram de fazer efeito e tornei-me mais cínico em relação aos RPG, especialmente às produções japonesas, ao ponto de sentir que o meu gosto por estas aventuras tinha apenas chegado ao fim. Mas há sempre um “mas” nestas estórias, e nos últimos anos recuperei esta chama que se assumia perdida. Títulos como Scarlet Nexus são uma confirmação de que continuo a ser, no final do dia, um amante de RPG – mesmo quando eles me desiludem.
Não existem dúvidas que o novo título da Bandai Namco surpreendeu-me. Tudo parecia apontar para uma experiência agridoce, repetitiva e copiada de outros jogos melhores, ou mais populares, cuja identidade ficaria perdida na vontade em imitar e em seguir modas. Apesar de Scarlet Nexus não esconder as suas inspirações, como demonstra o seu foco em elementos sociais – onde podemos melhorar as relações entre personagens ao longo da campanha através de mensagens pessoais, diálogos exclusivos e a oferta de prendas – e as suas tonalidades e temáticas próximas da animação japonesa, a sua riqueza mecânica agarrou a minha atenção e motivou-me a explorar mais o seu sistema de combate e de personalização do que podia antever.
Retiremos do caminho os elementos que considero menos conseguidos. A narrativa, como seria de esperar, mune-se de vários clichés do género, cuja ambição – e ocasional destreza narrativa – não desculpa alguma falta de desenvolvimento nos momentos fulcrais e no crescimento das personagens. Mesmo com a presença de algumas surpresas, que foram agradáveis, Scarlet Nexus é mais uma viagem divertida e confusa do que propriamente coesa ou memorável, tentando ao máximo recriar este mundo virtual dentro de temáticas interessantes, como o controlo populacional e o poder da tecnologia na mente humana, mas caindo num desequilíbrio tonal que demonstra as suas raízes na animação e na escolha infeliz de tentar imitar títulos como Persona ou Caligula Effect.
O mundo de Scarlet Nexus é vibrante, especialmente nas consolas da atual geração, repleto de detalhes interessantes e de uma estética cyberpunk/neon-punk que lhe dá uma personalidade muito própria. Alguns design são tão intrincados que seria possível prever que cansariam ao longo da campanha, mas não podia estar mais longe da verdade. A nível visual, Scarlet Nexus é muito coeso, limpo e até harmonioso, seja no desenho da cidade de New Himuka ou no design das suas personagens, cada uma refletindo perfeitamente a sua personalidade. No entanto, este nível de detalhe perde-se nas masmorras e nos níveis de exploração, com os cenários a apresentarem áreas vazias – à exceção de objetos que podemos manipular – com texturas repetidas e sem o design lascivo das zonas principais. Isto não é de estranhar, claro, mas quando são estas as zonas que mais vezes revisitamos a discrepância, passa a ser demasiado óbvia para ignorar.
O mesmo pode ser dito do trabalho de câmara e dos diálogos estáticos de Scarlet Nexus, com o jogo a dividir a ação entre animações limitadas e ecrãs estáticos. Esta é uma escolha estética que está cada vez mais presente no género RPG, uma forma de contornar as limitações de produção, mas Scarlet Nexus mistura os vários formatos dentro de uma só sequência, tornando a exposição narrativa caótica e até confusa. A qualidade dos diálogos também deixa a desejar, algo que, infelizmente, não me surpreendeu, e os ecrãs estáticos, sem emoção ou personalidade, retiram muito dos momentos íntimos entre personagens. No fundo, parece que estamos a ver dois cartões de papel a falarem sobre temas e cliché num tom estático e sem detalhe.
Estes problemas tornaram-se evidentes à medida que explorava as primeiras duas horas de Scarlet Nexus, mas existia algo que também não conseguia afastar: sentia-me envolvido pela jogabilidade. Apesar dos meus problemas com a narrativa, com os diálogos extensos e pouco memoráveis – que se agravam cada vez que regressamos ao abrigo das personagens principais, onde podemos interagir com os colegas de equipa -, o jogo continuou a crescer ao longo da campanha, a construir-se mecanicamente, a aprofundar os seus elementos e a expandir um sistema de combate simples, mas repleto de opções de personalização que o tornaram suficientemente divertido e diversificado para aguentar nos seus ombros o peso da campanha.
Scarlet Nexus é um RPG de ação puro e duro. Com isto, quero dizer que a ação decorre em tempo real através de níveis pré-definidos compostos por várias secções de arena, onde poderão defrontar um leque interessante de inimigos, mas também de bosses. Caso escolham Yuito ou Kasane, a estrutura de Scarlet Nexus pouco mudará e começarão com ataques rápidos, um ataque de área (mais pesado e que pode ser carregado), outro aéreo e a habilidade de atirarem objetos através dos poderes de telequinesia de ambas as personagens. Esta é a base: uma base segura, pouco ou nada original, que dá ao jogo uma familiaridade reconfortante para quem já experimentou outros títulos do género. Mas Scarlet Nexus não fica por aqui, antes pelo contrário, esta é a ponta do icebergue.
Neste mundo de controlo cibernético e mental, é possível desenvolver poderes psíquicos e únicos a cada personagem. Se Yuito é capaz de mover objetos com a mente, já Gemma consegue enrijecer o corpo (ao ponto de ficar temporariamente invencível); Hanabi tem a habilidade de controlar chamas e Tsugumi tem uma visão perfeita, sendo capaz de localizar inimigos invisíveis ou escondidos nos cenários. Estas habilidades são únicas, mas através da ligação entre personagens na equipa, é possível combinar poderes e reutilizá-los em combate sempre que queremos. Isto significa que Yuito, a personagem que escolhi, pode atirar objetos de longe, mas também tornar-se invisível ou criar um cone de fogo capaz de atingir vários inimigos em simultâneo. Com o tempo, poderão expandir estas habilidades e combinar mais ataques à medida que o sistema de combate continua a evoluir e a transformar-se.
Mas voltemos a Yuito. Através da telequinesia, o nosso protagonista tem a possibilidade de utilizar outras habilidades especiais que tornam os combates mais dinâmicos e frenéticos. Podemos, por exemplo, atirar um objeto de longe e atacar rapidamente, através de um contra-ataque, o inimigo mais próximo, mantendo assim a personagem não só em combate, como em movimento. O mesmo pode ser feito a meio de uma combinação, com Yuito a atirar uma pedra ou um carro entre golpes rápidos. É um sistema que se torna muito intuitivo e natural, onde combinamos ataques físicos e à distância de uma forma fluída sem nunca perder o ritmo dos combates. Existe, claro, um limite no número de objetos que podemos atirar de seguida, mas para aumentar a barra de poder basta continuar a atacar, a desviar (com a possibilidade de um desvio perfeito, que abranda o tempo) e a reorganizar os vários grupos de inimigos que encontramos pelo caminho.
Estas habilidades são elevadas pela presença de objetos únicos nos cenários, que desbloqueiam ações mais destrutivas (representadas pelo L2 na versão PS5), mas também pela possibilidade de eliminarmos automaticamente inimigos atordoados. Tal como em Final Fantasy XIII, temos a possibilidade de atacar a fraqueza de um inimigo até o derrubar temporariamente, criando, assim, a oportunidade de eliminarmos os Others (os inimigos do jogo) num só golpe, intitulado Brain Crush. As fraquezas dos inimigos estão ligadas a um lado mais sistémico e emergente de Scarlet Nexus, no sentido em que podemos combinar elementos para criar ataques mais poderosos. Podemos, por exemplo, molhar os inimigos e depois atacá-los com eletricidade ou então banhá-los com óleo antes de usarmos os nossos melhores poderes do fogo. Com a dificuldade dos combates a ser mais presente do que antevia, tornou-se essencial manobrar estes elementos para conseguir derrubar alguns dos inimigos mais poderosos, especialmente os que estão protegidos por armaduras.
Por fim, temos Brain Field, a última peça neste sistema de combate profundo e divertido, que funciona simultaneamente como uma transformação especial e o ataque mais poderoso das personagens. Pensem, por exemplo, na Rage of the Gods, de God of War, onde Kratos ficava temporariamente mais forte e resistente enquanto atacava com todas as suas forças. O mesmo acontece em Scarlet Nexus, com Yuito a transportar os seus inimigos para uma realidade virtual onde ataca com novos poderes de telequinesia e novas combinações de golpes. O limite temporal tem, no entanto, um efeito secundário permanente se não tiverem cuidado. Se não desligarem a habilidade antes de atingirem o limite, Yuito morrerá devido à pressão cerebral e vocês terão de recomeçar do último ponto de gravação. E sim, leram bem: regressam sempre ao ponto de gravação e não a um checkpoint. Um toque clássico que, honestamente, adoro, pois dá uma profundidade e tensão aos combates que não existiria sem esta aposta.
Um RPG não seria o mesmo sem um bom sistema de evolução e Scarlet Nexus vem preparado em dois campos. O primeiro é a tradicional árvore de habilidades, dividida em cinco categorias, onde temos acesso a melhores atributos, mas também a novas combinações e poderes. Podemos, por exemplo, desbloquear um desvio mais rápido, novas opções de contra-ataque e melhorias passivas. Não encontrei habilidades descartáveis ou que não tivessem peso sobre a evolução de Yuito, algo que tornou o seu desbloqueio ainda mais aliciante, pois sabia que iria sempre encontrar algo interessante. O segundo campo é a forma como Scarlet Nexus lida com os equipamentos das personagens, eliminando as tradicionais armaduras e acessórios por plug-ins focados na melhoria dos atributos das personagens. Esta simplificação resulta não só tematicamente, mas também no foco na melhoria dos atributos e na escolha regular de plug-ins de combate para combate. Uma pitada de estratégia nunca fez mal a ninguém.
A minha luta interior contra um género que adorava continua viva, mas foi reconfortante encontrar tantos elementos positivos em Scarlet Nexus. É difícil recomendá-lo vivamente, mas é um bom RPG de ação que oferece um sistema de combate bastante completo, várias missões secundárias e ainda um foco no relacionamento entre personagens que irá satisfazer os fãs de Persona e Tokyo Mirage Sessions. A estória pouco me fascinou, mas manteve-me curioso com o seu desfecho.
Vejam isso como um elogio: Scarlet Nexus é tradicional, mas com boas intenções. Sinto que será a base perfeita para uma sequela ainda mais forte.
Disponível para: PC, Xbox One, Xbox Series X|S, PlayStation 4 e PlayStation 5
Jogado na PlayStation 4
Cópia para análise cedida pela Bandai Namco.