Uma carta de amor aos Avengers, num envelope genérico.
Após atrasos, fases de beta experimentais e algumas confusões, os Vingadores estão de regresso ao mundo dos videojogos com uma nova aventura e uma nova versão dos heróis que nos encheram os ecrãs de cinema durante os últimos 10 anos.
Marvel’s Avengers chega-nos pelo estúdio da Square-Enix, a Crystal Dynamics, que nos últimos tempos andou concentrado nas mais recentes aventuras da icónica Lara Croft. Pegando na experiência de criar jogos com uma forte componente narrativa, com ação e exploração, a Crystal Dynamics agarrou nas populares personagens da banda desenhada e do cinema e tentou expandir a sua experiência de criação de mundos em todas as direções, num jogo que corre o risco de perder identidade, mas que, no fim do dia, se revelou muito mais sólido e coeso do que muitos curiosos e fãs, e eu em particular, estavam à espera.
As minhas expectativas com Marvel’s Avengers estavam baixas muito por causa do marketing em volta do jogo e da minha experiência nas fases de beta que aconteceram em agosto, que revelavam um jogo demasiado focado na experiência multijogador, com um registo banal, repetitivo e, acima de tudo, com um tom absurdamente cínico. Não posso mentir e dizer que alguns dos meus preconceitos não acabaram por ser verdade no jogo final, mas encontrei tanto de bom e inesperado em Marvel’s Avengers que os meus receios foram completamente eclipsados, ou pelo menos não me estragaram a experiência.
Marvel’s Avengers avisa-nos logo no início que devemos jogar a campanha e passar a sua história. É, sem dúvida alguma, uma excelente ideia, isto para não apanharmos potenciais spoilers nas missões públicas, e porque é, de facto, e inesperadamente, o aspeto mais positivo de Marvel’s Avengers.
A Square-Enix e a Crystal Dynamics nunca esconderam e existência de uma campanha, antes pelo contrário, mas olhando para trás, parece-me que não a promoveram tão bem como deviam. Com uma jornada que dura entre 15 a 20 horas de jogo, levando-nos numa viagem pelo mundo enquanto recrutamos aliados para a nossa missão final, culminando num fantástico clímax, só a componente a solo de Marvel’s Avengers é, por si só, um excelente jogo de ação e aventura.
Apesar do nome, Marvel’s Avengers é, na verdade, a história de origem de uma das heroínas mais recentes do universo da Marvel, Ms Marvel, ou Kamala Khan, uma jovem paquistanesa-americana que adora os Vingadores, em particular a Captain Marvel, e que, por ironia do destino, após uma catástrofe, ganha super-poderes. Não só é um evento que muda a sua vida, como serve também de cartão de entrada para o grupo que tanto admira.
Marvel’s Avengers mostra-nos uma versão desta origem e, ao mesmo tempo que nos dá oportunidade de jogar enquanto os restantes cinco Vingadores disponíveis ao longo da sua história, deixa-nos assistir à evolução desta nova personagem como se esta fosse realmente a protagonista. É um pouco como Captain America: Civil War, onde temos o herói titular como o centro das atenções e o restante elenco a oferecer suporte ou desafios.
Ao longo da nossa aventura, vamos visitando vários locais e níveis em diferentes formatos e estilos de jogo, que variam entre o registo de aventura, plataformas e exploração, como um Tomb Raider ou Uncharted, onde resolvemos puzzles ambientais e procuramos colecionáveis. Temos níveis mais lineares entre corredores e ruas e, por fim, temos áreas mais abertas, com objetivos e caminhos alternativos e muitos segredos por explorar.
A campanha de Marvel’s Avengers mostra o bom e o mau do jogo, no sentido em que, quando é focado na história e na narrativa, tudo parece ter sido desenhado com o maior dos cuidados, com uma apresentação sólida e polida, acompanhada por excelentes sequências, diálogos e escrita. Por outro lado, a mesma campanha acaba por cair no lado mais genérico do jogo, tanto na apresentação de locais como nos cenários desenhados a pensar na cooperação, com caos e atividades repetitivas. Ainda assim, é de louvar o lado mais cinemático desta experiência, onde se nota um enorme carinho e respeito pelo material em que se inspira, com momentos que nos deixam ficar tão ligados ao jogo e que são capazes de emocionar os maiores fãs.
Com alguns dos visuais mais impressionantes na geração, em particular nas cinemáticas e algumas sequências de ação mais dinâmicas e explosivas, Marvel’s Avengers comporta-se de forma fantástica, mas não está livre de problemas. Tive oportunidade de experimentar o jogo tanto numa Xbox One X como numa Xbox One original e as experiências de jogo são tão distintas como jogar o mesmo jogo em gerações diferentes. Na máquina original, a fluidez de jogo está altamente comprometida, assim como a resolução, que dá um efeito muito desfocado à imagem. Já na Xbox One X temos uma fidelidade gráfica limpa e brilhante, com uma fluidez bastante constante, exceto em momentos mais caóticos onde luzes, explosões e outros efeitos pirotécnicos afetam o desempenho, mas sem estragar o ritmo da ação.
A Xbox One X oferece ainda uma opção interessante de desempenho, onde o jogo reduz a qualidade de imagem para melhorar a fluidez. Ao longo da jornada principal confrontei-me ainda com bugs chatos, como legendas dessincronizadas, itens interativos que não respondiam e loadings infinitos que obrigavam ao reinício do jogo. No geral, são problemas que não comprometem a experiência geral do jogo, mas, para um jogo na sua fase de lançamento, revelam que houve alguma pressa em mandá-lo cá para fora.
A jogabilidade, ou a variedade de formas de jogar, é também um dos grandes destaques de Marvel’s Avengers, deixando-nos controlar seis heróis diferentes ao longo da sua campanha, quer em missões dedicadas a cada um deles, quer em missões de treino ou outras mais genéricas, ou até em missões que avançam na história.
Cada herói tem uma forma muito diferente de jogo, mas de fácil adaptação graças aos controlos de ação básica semelhantes. Todos eles partilham uma ou outra forma de jogar semelhantes entre si, mas igualmente diversas. Por exemplo, Thor e Captain America são semelhantes graças às armas de arremesso icónicas, mas, ao mesmo tempo, Thor pode voar como Iron-Man e Captain America usa ataques mais táticos e ágeis como Black Widow. A Viúva Negra também partilha modos de deslocação com Kamala, que, por sua vez, conseguimos controlar de forma muito semelhante com Hulk. A passagem de herói para herói é bastante orgânica e abre espaço para criar preferências e táticas em campo de batalha, percebendo contra quem são mais ou menos úteis, uma vantagem que pode ser a chave para o sucesso em missões cooperativas com amigos.
A progressão de personagem, além de nos dar a cesso a mais skins e experiência que nos torna mais fortes, permite que possamos evoluir cada herói com novos ataques e habilidades, numa extensa árvore de skills que, uma vez desbloqueada, transforma por completo o ritmo do jogo, substituindo ataques simplificados e repetitivos por incríveis combos pausados que são um deleito de ver a acontecer no ecrã e que, em parte, lembram uma jogabilidade não muito diferente de um Devil May Cry ou um Nier.
Admito que Marvel’s Avengers podia viver bem da sua campanha, ainda que gostasse que algumas missões fossem melhor trabalhadas e mais relevantes para a história, e gostava até que as missões secundárias de cada herói se inserissem melhor na narrativa, já que podem ser feitas pós-jogo e parecem mesmo missões genéricas de segunda. Mas temos também o multijogador que, apesar das críticas e do formato, entendo e aplaudo de alguma forma a sua existência.
Não há dúvidas que este é o lado mais “cínico” do jogo, sendo também o mais redundante e o que apresenta o mais genérico que há no género, mas é a oportunidade perfeita para os amigos celebrarem o elenco da Marvel na pele dos seus heróis favoritos.
Focado na cooperação, cada sessão de jogo permite que quatro jogadores se juntem à luta no fato do seu herói favorito em diferentes tipos de missões que podem até ser de história, mas a sua maioria é de busca de recursos, exploração, limpeza de áreas e de lutas contra hordas de inimigos. Em condições ideais e com acesso à comunicação entre jogadores, as sessões podem ser extremamente divertidas, distribuindo tarefas ajustadas a cada um dos heróis, que podem focar-se na defesa, ofensa e suporte, ativando habilidades partilhadas ou participando em combos cooperativos.
Para já, o multijogador recai, infelizmente, na repetição, com sessões relativamente curtas, de desafio variável, dependendo da dificuldade escolhida e do nível das personagens, com foco na acumulação de recursos e créditos de jogo para desbloquear mais conteúdo. Algo que poderá evoluir no futuro com a adição de novos modos e heróis.
Também infeliz é toda a experiência fora do jogo propriamente dito, isto é, com menus desnecessários, tempos de espera longos ou quebrados e uma acessibilidade complexa.
Os bugs recorrentes podem estragar sessões de jogo já a decorrer. Há, por vezes, loadings infinitos, outras vezes é difícil de encontrar jogadores e a quantidade de menus e elementos a estudar podia ser muito mais simplificada e direta. Como está, explorar diferenças entre melhorias e itens que melhoram o desempenho das personagens não é sequer divertido, pelo que acabamos por simplesmente escolher aqueles que têm números de status mais altos.
Apesar da sua vertente multijogador apenas satisfatória, mas com potencial para crescer, Marvel’s Avenger contém um ótimo jogo lá para o meio, especificamente a sua campanha, que pode (e deve) ser jogada a solo. É provável que possa a estar benevolente na minha apreciação ao jogo, mas a verdade é que Marvel’s Avengers surpreendeu-me onde achava que ia falhar, tendo-me agarrado durante horas a fio à jornada da adorável Kamala, que serviu de avatar enquanto conhecíamos pessoalmente os “Maiores Defensores da Terra” e tentávamos juntar de novo esta equipa para uma das maiores ameaças que já enfrentaram.
Mesmo com os seus defeitos e problemas, Marvel’s Avengers é um jogo fantástico para os fãs. Uma mistura de géneros, ideias e de visões, mas que guarda muitas emoções e um carinho tremendo pelo legado da Marvel que, apesar do que muitos novos fãs pensam, não começou nos cinemas.
Plataformas: PC, PlayStation 4 e Xbox One
Este jogo (versão Xbox One) foi cedido para análise pela Bandai Namco.