Mais uma aposta forte da Electronic Arts no mercado independente com um jogo cheio de charme.
O modelo EA Originals continua a surpreender. Depois do sucesso de Unravel e It Takes Two, a produtora norte-americana volta a apoiar um projeto independente com um conceito longe de ser original, mas que aposta numa direção de arte marcante e na junção de vários estilos e géneros de jogo numa só experiência. Assim é Lost in Random, um título de ação cuja aventura é ditada pela lei da aleatoriedade, do lançar do dado e da utilização de cartas em combate. Uma combinação peculiar, mas quase sempre satisfatória.
De facto, é impossível olhar para Lost in Random sem absorver a sua arte gótica, industrial e de fantasia negra. É um mundo igualmente nostálgico, saudosista, de uma realidade quebrada e de esperanças perdidas, mas sem nunca perder o seu lado mais mágico e inocente. Quando iniciei a minha aventura com Even, a nossa protagonista, vi-me transportado para uma versão mais simpática das desventuras de Alice e a sua adaptação violenta para videojogos, com os cenários desta produção EA a demonstrarem a mesma aposta em cidades intrínsecas, labirínticas e de tonalidades expressionistas com os seus prédios disformes e personagens invulgares.
A narrativa não é tão surpreendente ou marcante, apesar de contar com um guião de Ryan North (Adventure Time e The Unbeatable Squirrel Girl), vencedor do prémio Eisner Award, mas é munida de algum sentido de humor e de um narrador que pontua eficazmente a demanda de Even em busca da sua irmã. Pedia-se mais destaque para Even, que se apresenta como uma protagonista mais audaz e nem sempre paciente, muito movida pela sua missão, mas a estrutura de Lost in Random está pensada para seguir o tom de um conto de fadas, saído diretamente de um livro poeirento e que tantas vezes passou pelas nossas mãos durante a infância. Existe um certo charme no mundo de Lost in Random, mas não esperem ficar encantados do princípio ao fim.
A nível de estrutura, Lost in Random comporta-se como um jogo de aventura bastante tradicional. No papel de Even, temos de navegar através das várias zonas de Random em busca da nossa irmã, raptada pela Rainha, enquanto resolvemos puzzles muito básicos, recolhemos colecionáveis, solucionamos missões secundárias e enfrentamos monstros mecânicos e outros perigos. Even não apresenta um leque surpreendente de habilidades e fora a possibilidade de correr, que corta alguma da monotonia de explorar Random, a protagonista está munida de uma fisga, com a qual pode interagir com objetos à distância, e de Dicey, o seu fiel companheiro.
É a presença de Dicey que muda por completo a experiência deste jogo de aventura. Em Random, a vida é regida pela aleatoriedade, pelo lançamento do dado e pela sorte dos seus habitantes, e a Zoink adaptou esta realidade às mecânicas de Lost in Random. A campanha está assente na sorte e na presença de dados mágicos capazes de melhorar ou piorar o nosso destino num piscar de olhos. Com Dicey, Even tem a oportunidade de moldar a sorte à sua vontade e combater a terrível Rainha no seu próprio jogo, com a mecânica de lançamento do dado a fundir-se com um combate assente na utilização de cartas.
Com cinco categorias à disposição – Weapon, Damage, Defence, Hazard e Cheat -, Even pode construir o seu leque de cartas para combater os lacaios da Rainha e avançar na sua aventura. Lost in Random funde combates na terceira pessoa, mais focados na ação, com a aleatoriedade do sistema de cartas, onde nunca sabemos o que iremos receber a seguir. Os combates seguem uma estrutura muito semelhante e requerem que Even consiga atacar pontos específicos dos inimigos, representados através de cristais, para acumular pontos e ativar as suas cartas, que são representadas através de pontos de ação e que podemos sacrificar ou utilizar no momento certo. A ação é interrompida sempre que atiramos Dicey ao ar e temos tempo para escolher qual será o nosso próximo passo. Quando retomamos a ação, as cartas são baralhadas e devolvidas ao barulho – à exceção de uma carta que podem guardar entre turnos.
Quando ativam uma carta, que vos pode dar um escudo ou disponibilizar uma bomba, a ação regressa a Even e podemos atacar os nossos inimigos. Os confrontos restringem-se a arenas muito condicionadas e existe alguma variedade de monstros que podemos enfrentar, mas nada do outro mundo. Não sou o maior fã de sistema assentes na utilização de cartas devido à aleatoriedade mecânica. Mesmo com a possibilidade de construirmos o nosso baralho, existem picos na dificuldade e momentos mortos onde temos de aguentar-nos em combate até recebermos a carta que precisamos. Com a presença de inimigos que só podem ser derrotados com ataques à distância ou que sejam capazes de contornar os seus escudos, estes tempos de esperam aumentam exponencialmente.
A aposta na aleatoriedade é uma espada de dois gumes, mas irá depender do vosso investimento e conhecimento sobre o género. Consegui habituar-me às mecânicas, ainda que não tenha ficado totalmente satisfeito com o sistema de combate, especialmente nas batalhas contra bosses e nos momentos de tabuleiro – onde o jogo assume o formato de um jogo de tabuleiro, com as suas próprias regras, que temos de completar enquanto lutamos contra hordas de inimigos -, mas existem elementos positivos. A possibilidade de combinarmos cartas em combate, por exemplo, adiciona alguma estratégia à jogabilidade e permite-nos melhorar armas, como a espada, ao utilizarmos duas cartas iguais. A aquisição de cartas, através do vendedor e armário andante Mannie Dex, também exponencia não só as estratégias em combate, como a personalização e a possibilidade de criarmos a nossa própria forma de jogar, ao ponto de só podermos apostar em cartas de defesa e de efeitos se assim o quisermos.
Não é uma aventura perfeita e senti que se estendeu por demasiadas horas, mas Lost in Random é um tesouro nostálgico se decidirem explorar o seu mundo gótico e de influências vitorianas. O sistema de cartas precisa de algumas melhorias, mas é funcional e os mais experientes com o género irão certamente criar estratégias e oportunidades de combate que me escaparam. Lost in Random é um excelente exemplo do que a EA quer fazer com o seu modelo Originals: apostar em títulos peculiares que vão além das convenções de género. E nesse sentido, o projeto da Zoink é um sucesso. Nem sempre com o coração no lugar certo, mas de um charme sincero.
Cópia para análise (PlayStation) cedida pela Electronic Arts