Industria – Uma viagem até ao passado

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Um dos títulos mais consistentes do ano só vos ocupa durante uma tarde: e isto é um elogio.

Existe um encanto clássico em Industria, na sua campanha linear e na forma como constrói não só a sua ação, como os momentos de calma e ponderação. É uma viagem por uma dimensão paralela, que a equipa descreve como Lynchiana, onde Nora é uma estrangeira como nós. Para trás, ficou a queda do Muro de Berlim, a realidade que tinha como sua e a sua relação com Walter, o homem que ela procura, 20 anos depois da ativação de ATLAS: a inteligência artificial que despoleta a aventura deste casal de cientistas. Industria constrói-se não sobre um mistério, mas sobre a lenta perceção de que os nossos piores pesadelos são reais. É aqui que nos sentimos no papel de Nora: tal como ela, sabemos que esta realidade, seja qual for, é o fim da ilusão.

Industria é um projeto de amor. Desenhado pela Bleakmill, que durante dois anos funcionou apenas com dois designers, Industria transporta-nos também para uma era há muito perdida. Não sabia o que esperar de Industria, mas os últimos anos condicionaram-me a aceitar certos clichés do género de ação na primeira pessoa, a esquecer as suas origens e a deixar-me levar pela quantidade desnecessária de mecânicas e conteúdos secundários que poluem constantemente a sua jogabilidade em busca de uma profundidade que nunca está presente. Mas não em Industria. Estamos de regresso a 2005, a Half-Life 2, aos puzzles simples, mas lógicos, onde a física é tão importante como a nossa perceção dos cenários, e a uma narrativa mais visual que se constrói entre diálogos ponderados entre Nora e Brent, que nos acompanha durante a viagem. Os confrontos podem ser pouco surpreendentes, mas são mecanicamente divertidos e têm sempre alguma catarse devido à busca incansável de Nora pelo seu namorado.

A sua alma independente revela esta tendência para a simplicidade e é isso que torna Industria num jogo tão nostálgico, saudoso e reconfortante. Temos apenas cinco armas, sem necessidade de melhorias ou de acessórios, e Nora não tem à sua disposição habilidades ou poderes que lhe dêem uma estatura supra-humano. Nora consegue saltar e agachar-se para passar pelos corredores mais apertados e abandonados da cidade, e defender-se da ameaça robótica quando é necessário. Não precisamos de mais. É refrescante não precisar de mais e sermos obrigados a decorar poderes e controlos que, no fim, não servem para muito. É uma aventura que é empolgante em combate, mas que não vive dos seus confrontos. Peca, infelizmente, por não dar mais textura aos robôs que enfrentamos e por não existir uma tentativa em torna-los mais ameaçadores ou intimidantes ao longo da campanha, mas conseguimos sentir que essa não foi a intenção da equipa. Abraçaram a simplicidade e apresentaram apenas uma mão cheia de inimigos robóticos, todos eles com ataques diferentes, e não quiseram exigir muito mais dos jogadores.

Esta dedicação ao design e ao minimalismo não irá satisfazer todos os jogadores, mas foi o que me deixou preso a Industria. A sua campanha curta, que terminei em pouco mais de duas horas, pede para ser jogada de uma só vez e repetida para encontrarmos todos os seus segredos – ainda que não existam colecionáveis. É uma viagem que se quer emocional e ponderada, até reflexiva, enquanto descobrimos um mundo abandonado, mas de beleza natural, contrastando com a sua estética soviética e tons frios na arquitetura dos locais que visitamos.

E o melhor é que Industria é muito sólido a nível mecânico, desde a utilização das armas à destreza dos movimentos de Nora, o que tornam os conflitos rápidos, mas igualmente fluídos e divertidos. É difícil largar Industria antes de vermos o seu final e não deixar-nos levar pelo seu mundo de inteligências artificias mortíferas e de realidades paralelas, que são entre-cortadas por sequências surreais que exploram a psique de Nora e de Walter. É SOMA, se fosse desenhado pela Valve.

No entanto, esta sucessão de elogios tem de ser interrompida devido ao desempenho de Industria. Não sei se é um problema do meu PC, mas encontrei vários momentos em que o framerate tornou-se insuportável, ao ponto de levar ao encerramento prematuro do jogo. Os problemas agravaram-se no nível Canal, um dos últimos da campanha e também dos mais expansivos, com uma sequência a levar-me ao desktop não duas, mas sim três vezes. Não é um jogo consistente e fui incapaz de experimentar as suas opções em ray-tracing porque o meu PC simplesmente não aguentava. O que é frustrante, pois tenho os requisitos recomendados para ter uma experiência sólida com Industria, mas não consegui manter um desempenho aceitável em Ultra ou com ray-tracing. O mesmo se aplica à presença de bugs, de texturas pouco entusiasmantes e de uma iluminação que tanto funciona, como é capaz de revelar as suas origens modestas.

Mas Industria é memorável. E é memorável ao tentar não o ser, ao seguir um modelo já esquecido do género e ao focar-se na sua narrativa, nesta aventura entre realidades, sem nunca perder o foco. O seu preço pode assustar os mais descrentes, mas é preciso ver a sua qualidade e a dedicação a uma curta duração. Industria não tem momentos mortos ou descartáveis. É de betão. E é também um projeto de amor criado por uma equipa pequena ao longo de vários anos. O que veem aqui é dedicação e um foco tremendo. Talvez fique escondido pelos lançamentos deste final de ano, mas Industria é tudo aquilo que queremos num jogo independente: focado, cheio de ideias, influências e uma determinação enorme.

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Cópia para análise (versão PC) cedida pela Plan of Attack.

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