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Hindsight apresenta-se como um videojogo narrativo focado na retrospetiva e na mudança de perspetiva que consegue atingir alguns pontos emocionais, mas sem ser sempre eficaz.

Não é fácil analisar e desconstruir um jogo como Hindsight, da Team Hindsight. Não se trata de uma incapacidade em compreender as suas mecânicas ou em descortinar os seus temas, mas sim o facto de que estamos perante uma história muito pessoal, ao ponto de sentirmos que olhamos para o seio de uma família real. Ao longo de duas horas, conhecemos a relação entre uma mãe e a sua filha, não através de diálogos, mas das memórias e dos objetos pessoais. O tempo separa-as, não há mais nada que possam dizer, e é em retrospetiva que a filha procura conhecer melhor o seu passado. É aqui que pergunto: até que ponto podemos criticar algo tão profundamente pessoal como Hindsight? É tudo uma questão de perspetiva.

Hindsight procura acompanhar a filha no regresso à sua casa de infância. A mãe faleceu recentemente e a filha tem de passar pelo processo de arrumar os seus bens e desocupar a casa onde cresceu. É neste processo que descobrimos mais sobre a sua vida familiar, mas, em particular, sobre a sua relação com a mãe. Hindsight constrói-se, como o seu nome indica, em retrospetiva, onde acompanhamos o crescimento da nossa protagonista através de memórias específicas e do que está à sua volta. Fora a narração, não existem diálogos, com a história a decorrer através dos vários objetos interativos que podemos manipular para saltar no tempo e no espaço. A jogabilidade foca-se, portanto, na busca pelos objetos e na descoberta da perspetiva certa para vermos mais uma das memórias da personagem, todas elas associadas a lembranças do passado. A viagem acompanha-a desde o seu nascimento até à sua vida adulta, onde conhecemos os seus gostos, vontades e as mudanças pessoais que só o tempo é capaz de tornar reais. No fundo, protagonizamos uma vida sem nunca tomar controlo direto sobre ela.

A ideia é interessante e Hindsight consegue brincar eficazmente com a perspetiva das memórias ao permitir que rodemos os objetos em busca do plano correto. A cinematografia também revela alguma imaginação, seja pela planificação, seja pela forma como entramos e saímos das memórias, com alguns movimentos de câmara a conseguirem recriar visualmente as emoções que a narração tenta transmitir por palavras. Infelizmente, a jogabilidade começa a pesar e a desvirtuar o que é, em todos os sentidos, uma história muito pessoal, cujo envolvimento emocional irá depender de jogador para jogador.

A rotação dos objetos e da câmara funciona maioritariamente como o nosso contacto com o jogo. Não podemos explorar os cenários, mover as personagens e muito menos temos liberdade para escolher a direção da narrativa. Como estamos à procura da perspetiva correta, que é revelada através de uma imagem que se forma como um reflexo, por vezes não sabemos o que é suposto estarmos a focar e torna-se cansativo rodar a câmara em busca de pormenores. Existiram momentos em que encontrei o objeto ou perspetiva corretos, mas não compreendi qual era a ligação lógica entre as duas sequências – e concluo que a Team Hindsight abusou destas brincadeiras visuais.

Mas existem momentos de destaque que procuram subverter a linguagem mecânica de Hindsight. Apesar da jogabilidade manter-se formalmente intocada, a Team Hindsight conseguiu repensar certos momentos e aplicar uma maior noção de tempo, como é o caso da vela que controlamos durante um jantar. Numa das sequências de Hindsight, não temos de manipular a câmara, mas sim uma vela que se encontra localizada num dos móveis da sala. À nossa frente vemos a família a montar a mesa para jantar, até que um acidente acontece. Através da vela, que derrete, somos capazes de controlar o tempo e perceber o que se está a passar, com o objetivo de descortinarmos o que aconteceu durante o acidente que deixou um pote quebrado. É um momento munido de simplicidade, mas que revela o potencial do conceito de Hindsight, mas também como a Team Hindsight fez tão pouco com o que tinha em mãos.

Vejamos, por exemplo, a ilusão de escolha que é criada ao longo da campanha. No final de cada capítulo, temos a oportunidade de escolher um objeto pessoal para guardarmos na nossa mala de viagem. Estes objetos são apresentados ao longo dos capítulos e contextualizados dentro da vida da nossa protagonista, cujo valor sentimental é sempre claro. O que o jogo nos pede é que retenhamos uma memória. Se tivéssemos de fazer essa escolha, qual seria o objeto que guardávamos? O que ficaria connosco? Esta é uma ideia interessante, que ajuda a construir esta história sobre uma filha que se apercebe dos efeitos que a relação com a sua mãe tiveram no seu crescimento e na sua personalidade: o que ficou com ela, o que mudou, o que poderia ter sido melhor e se tudo foi sempre tão claro como ela imaginara. Com o falecimento da sua mãe, regressa esta noção de perspetiva, onde o passado é colocado em análise, cujos acontecimentos ganham novos contornos. É um sentimento que todos nós, mais tarde ou mais cedo, iremos sentir. O que relativizávamos passa a ser importante, imprescindível para nós. O que era uma simples “colher” é agora uma lembrança, quiçá, um monumento ao que fomos. É aqui que reside a força de Hindsight, até quando é manipulador com os seus temas, mas falta-lhe a criatividade e pujança mecânica para tornar a experiência obrigatória. Isto porque as escolhas, no final, não têm qualquer peso na nossa aventura. É uma farsa.

Existe outro problema que surge, na minha opinião, através da narração, cuja presença constante acaba por atenuar alguma da linguagem visual, forçando a sua leitura no jogador, quando não era absolutamente necessária. O maior crime da narração é rejeitar a ambiguidade e não permitir que o jogador compreenda os temas de Hindsight por si, sem auxílios ou falas que expliquem o que deve ser sentido. É uma sensação de arrependimento que não é sentida, mas sim dita. Penso que esta crítica irá depender da vossa relação com o jogo e até das vossas experiências pessoais, mas como uma pessoa que perdeu um ente querido, cujo processo de arrumação de bens pessoais me levou numa viagem emocional como a protagonista de Hindsight, não consegui relacionar-me tanto como imaginava, até quando a música já é tão eficaz sozinha. Há um receio em não saber comunicar que levo a produtora a ser menos arrojada com as suas ideias e é esta escolha que acaba por prejudicar a experiência do jogo.

A história de Hindsight poderá mover-vos emocionalmente. A estrutura narrativa e a tonalidade da narração estão construídas para esse fim. É uma história pessoal e que reflete tantos outros relacionamentos familiares que possam ter tido ao longo da vossa vida. É aqui que sou obrigado a ponderar sobre a importância da crítica num videojogo desta natureza. Os problemas e limitações estão apontados, e a minha opinião é clara no que toca à qualidade da narrativa – que considerei muito mais manipuladora e simplista do que profunda ou imaginativa -, mas neste momento, o que importa é o que irão sentir quando chegarem aos créditos finais. Experimentem Hindsight e cheguem a uma conclusão, com esta análise a servir apenas de aviso.

Cópia para análise (versão PC) cedida pela Forty Seven.

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