Um variado jogo de ação e plataformas que peca por algumas decisões de jogabilidade que tornam enervante o que deveria ser divertido.
Uma crítica serve vários princípios e finalidades. Para muitos, é uma forma de análise objetiva, para outros, um olhar mais subjetivo sobre um determinado tópico. Podemos defender a crítica como uma comunicação entre escritor e leitor, tal como devemos sublinhar a sua importância no marketing de um projeto artístico. Existe, no entanto, outra faceta subvalorizada no ato de escrever uma crítica: a sua vertente terapêutica. E é isso que me traz aqui, caro leitor, uma terapia para combater a raiva que sinto depois de jogar Firegirl: Hack n’ Splash Rescue, um jogo objetivamente sólido e divertido que me levou a desistir sedente de ódio.
Mas vamos por partes. Firegirl, da Dejima, é uma interessante aventura de ação e plataformas que nos coloca no papel de uma bombeira. Através de níveis 2D, com alguns elementos tridimensionais, temos a possibilidade de explorar cenários banhados em chamas monstruosas que temos de combater enquanto encontramos sobreviventes e lutamos contra o tempo. Os níveis são curtos e de fácil leitura, apostando numa estrutura mais aleatória no que toca ao seu design, o que significa que raramente encontraremos a mesma disposição de salas e corredores duas vezes seguidas. Há, portanto, uma vertente mais tensa e até lógica na exploração dos cenários, onde nunca sabemos o que iremos encontrar do outro lado da porta.
A campanha divide-se por níveis, onde os objetivos requerem que encontremos os sobreviventes antes de chegarmos ao final. Podemos, no entanto, fugir o mais depressa possível, com cada fase a apresentar caminhos alternativos que podemos, ou não, escolher em busca de novos pontos. Isto acontece porque Firegirl divide a sua campanha entre o combate contra as chamas e a gestão do nosso quartel de bombeiros, onde temos a possibilidade de evoluir as habilidades da nossa heroína, mas também o carro de bombeiros e até contratar novos ajudantes que desbloqueiam novas opções de personalização. Este sistema está dependente da nossa prestação nos níveis, como seria de esperar, e se quiserem evoluir a personagem o mais depressa possível terão de garantir que não são derrotados no final de cada fase, pois irão perder parte do prémio. Desta forma, não poderão comprar novos machados e acessórios que melhoram a resistência da titular Firegirl, o que torna a campanha não só mais monótona, como desafiante.
Parece existir um antes e um depois de Hades, no sentido em que o título da Supergiant Games mudou para sempre a forma como uma narrativa é contada numa experiência mais roguelike. Em Firegirl, as visitas ao quartel não são apenas dedicadas à evolução da bombeira, mas também ao avanço da história, onde podemos ver, através de cinemáticas muito simples, o que se passa com as restantes personagens e os acontecimentos em torno da origem do misterioso fogo monstruoso que está a consumir a cidade. Esta estrutura é infalível, na minha opinião, pois reduz a sensação de perda na campanha. Apesar de não estarmos, efetivamente, a avançar, a narrativa consegue criar a ilusão de que algo está a acontecer entre tentativas. Firegirl não é um roguelike, apesar dos seus níveis aleatórios, mas gostei da forma como se inspirou no género.
Firegirl tem muito para apreciarmos. A jogabilidade é muito sólida e focada, apresentando apenas um machado e uma mangueira de água, que podem ser evoluídos ao longo da campanha. Com o machado, podemos partir portas e escombros, e com a mangueira, como podem prever, podemos apagar os fogos – que aparecem em vários formatos, desde chamas localizadas até a morcegos e criaturas saltitantes –, mas também saltar mais alto. Os controlos são muito responsivos, apesar de não apreciar o tempo de paragem antes de utilizarmos a mangueira, e as mecânicas funcionam em perfeita união, onde sentimos não só a sua evolução, como a sua eficácia à medida que a campanha aumenta a dificuldade.
Quero que fique claro que aprecio, e muito, aquilo que Firegirl tem para oferecer. Gosto da estrutura da campanha, da evolução da personagem e do quartel de bombeiros, e acho interessante este crescente interesse na vida de bombeiro em 2021, onde tivemos também o lançamento de Nuclear Blaze e Embr. No papel, Firegirl podia ter-me roubado horas e horas de jogo, onde ficaria preso à pontuação no final de cada nível e ao aumento de fãs da nossa protagonista, que fica mais popular ao longo da campanha ao apagar fogos e ao salvar pessoas e animais. No entanto, perdi toda a vontade em voltar à sua campanha e isso aconteceu por dois motivos: a aleatoriedade e os sacanas dos saltos.
Não existem dúvidas que a campanha é variada e que se mantém como uma pequena surpresa sempre que revisitamos um nível, mas existe um certo desequilíbrio no posicionamento dos inimigos e das chamas. Para um jogo que nos coloca em corrida contra o tempo, Firegirl adora obrigar-nos a parar para vermos se existem perigos à nossa volta. Isto é contraproducente, muito marcado pela falta de visibilidade nos andares inferiores, o que nos leva a sofrer dano desnecessário e a perder tempo precioso. Apesar da jogabilidade ser muito sólida, os controlos não apresentam a destreza que necessitamos para lidar com mudanças rápidas de direção, revelando-se mais rígidos e implacáveis do que antevíamos.
Por fim, temos os saltos. Os malditos saltos. A nível mecânico, não existe nada que possa apontar. Existem dois tipos de salto: o normal, feito pela nossa protagonista, e o salto à distância, que realizamos com o auxílio da mangueira. Estes saltos foram a minha grande dor de cabeça, pois nunca compreendi o impulso necessário para chegar aos pisos superiores. Não existe nada mais irritante do que estarmos a tentar fugir das chamas enquanto a nossa personagem recusa-se a dar o balanço necessário para o fazer, caindo muitas vezes contra o chão. Este problema é exponenciado pela falta de visibilidade e a aleatoriedade dos níveis, tal como o limite do tanque de água – que reduz ainda mais a pressão da mangueira. Comecei a temer os momentos em que tinha de depender do salto para chegar aos andares superiores, especialmente quando encontrava obstáculos pelo caminho, que são muito difíceis de evitar devido à rigidez dos controlos no ar. Mas a Dejima queria que eu terminasse os níveis iniciais sem encontrar todos os sobreviventes apenas para evoluir os meus equipamentos? Uma pergunta que ficará sem resposta.
No fim do dia, eu sou o problema e sei disso. Firegirl funciona objetivamente, mas é preciso alguma paciência para contornar os seus problemas. Gosto da estrutura da campanha e do seu ambiente mais leve, mas há algum tempo que não me enervava desta forma. A terapia está feita. Passemos ao próximo.
Cópia para análise (versão PC) cedida pela Plan of Attack.