Análise – Cyberpunk 2077 (Xbox Series X)

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O melhor-pior jogo de 2020.

Análise – Cyberpunk 2077

Oito anos, a caminhar para os nove. Foi o tempo que passou desde que Cyberpunk 2077 foi anunciado e deixou os jogadores intrigados com o próximo capítulo da CD Projekt RED, que pelo caminho lançou o ambicioso e aclamado The Witcher 3: The Wild Hunt e seus DLCs que quase servem de sequelas.

Cyberpunk 2077 é o primeiro IP da produtora polaca não concentrado no universo de The Witcher, adaptado os livros de Andrzej Sapkowski, mas é, novamente, uma adaptação de um RPG de tabuleiro que ajudou a formar e a cimentar as regras, normas e elementos do subgénero da ficção conhecido como cyberpunk.

A ambição demonstrada pelo estúdio ao longo do desenvolvimento do jogo foi sempre crescente, e assim cresceram também as expectativas dos jogadores, a quem foram prometidas todas as fantasias de mergulharem num mundo futurista, cheio de escolhas, imersivo e extraordinário, inspirado por todas as grandes obras de ficção científica da literatura, televisão, cinema e anime lançadas nas últimas três/quatro décadas.

Cyberpunk 2077 prometia ser o jogo de sonho. O jogo que iria terminar 2020 em grande e que iria entrar no panteão dos melhores títulos da geração, ou não fosse este jogo produzido pela acarinhada CD Projekt RED que, no passado, respondeu a todas as preces dos seus fãs.

Se estão atentos às recentes manchetes dos sites dedicados à indústria dos videojogos, já devem ter percebido que alguma das promessas aqui apontadas foram falhadas. Pior que isso, a CD Projekt RED meteu a pata na poça ao lançar um produto pouco otimizado para as consolas da geração passada e sem melhorias next-gen nas atuais máquinas, tornando atualmente a opção PC na melhor versão para ter a melhor experiência possível, mesmo com problemas técnicos “normais” para um lançamento deste calibre.

Ponderei em fazer a cobertura de Cyberpunk 2077, uma vez que, neste preciso momento, este não se encontra, por exemplo, à venda na PlayStation Store, e porque, por vezes, se assemelha a um produto inacabado. Contudo, está à venda como um jogo completo e pode ser jogado do início ao fim em todas as plataformas para onde foi anunciado.

Após quase 100 horas de jogo, cheguei a um veredicto. E por isso, esta é a análise de Cyberpunk 2077 para as consolas Xbox.

Análise – Cyberpunk 2077

Bem-vindos a Night City. A cidade dos sonhos, como é dito no trailer de revelação do jogo, e nós, jogadores, somos mesmo sonhadores. A discrepância entre o sonho e a realidade é, por vezes, cruel, contudo há sempre um pouco de verdade e pode-se dizer que os vários anos de desenvolvimento de Cyberpunk 2077 fazem-se sentir nesta cidade densa, diversa, atmosférica e muito futurista.

Composta por arranha céus, megablocos, favelas, ruas apertadas e outras mais extravagantes, Night City é uma mescla de culturas e referências e outros tantos elementos icónicos do género, apresentando-se suja e usada, mas, acima de tudo, viva.

Navegar por Night City, seja dia ou seja noite, esteja sol ou esteja chuva, é uma delícia e uma experiência envolvente quando o jogo assim o permite. Apesar de termos acesso a veículos que nos ajudam a navegar dentro e fora da cidade e a pontos de fast-travel, a nossa jornada ganha muito pelos passeios a pé pelas ruas mais negras, atalhando entre restaurantes e salões de jogo, ou saltando por parapeitos e terraços graças à mobilidade avançada das nossas melhorias cibernéticas.

É nesses momentos que vivemos as verdadeiras fantasias cyberpunk que tanto eram prometidas, pois podemos observar a decoração da cidade preenchida a néones, anúncios extravagantes e adultos, veículos voadores que cortam os céus por entre edifícios e toda aquela atmosfera densa e pesada de uma cidade do futuro que, a pouco e pouco, perde a sua humanidade e ela própria se transforma numa máquina.

É durante os nossos passeios que o formato RPG ganha sentido e se faz mostrar, ao encontrarmos segredos e referências que abrem as portas a missões ocultas e secundárias, como assaltos aleatórios que temos que parar, ou missões com fortes narrativas com as quais podemos interagir, como por exemplo um grupo de missões onde temos que fazer o papel de detetive para encontrar e derrotar sujeitos cujas alterações cibernéticas os deixaram loucos e os tornaram assassinos em série.

Mas esta não é apenas a nossa história enquanto deambulamos por uma cidade futurista e decadente nas mãos do crime e das megacorporações. É uma história muito focada e pessoal, onde não vamos salvar o mundo, mas vamos subindo no ranking das “Lendas de Night City”, ou mercenários de respeito, enquanto procuramos uma forma de salvar a nossa personagem, V, de uma morte antecipada, que nem melhorias cibernéticas que estendem a vida das pessoas deste mundo são capazes de colocar travão.

Ao longo da nossa jornada contamos com Johnny Silverhand, uma dessas Lendas de Night City, também ele protagonizado por uma lenda da vida real, o ator Keanu Reeves, numa papel arrojado, emotivo e muitas vezes extremamente engraçado. Esta personagem existe de uma forma muito curiosa no jogo e dá à história de Cyberpunk 2077 aquele aroma à buddy cop movie, com os dois protagonistas em conflito constante no que toca às nossas ações, mas que, com o tempo, vão ficando mais próximos e com um elo mais forte, aumentado, assim, a fasquia do risco das decisões que tomamos em momentos chave do jogo.

Análise – Cyberpunk 2077

Apesar da promessa de um jogo livre com uma narrativa que se transforma ao longo da nossa jornada, Cyberpunk 2077 é, na verdade, um RPG muito seguro e que não toma assim tantos riscos em termos de estrutura. No início podemos escolher três origens diferentes, oferecendo-nos algumas horas de conteúdo e de histórias exclusivas para cada um, mas acabam por afunilar e tornar-se comum para todos os jogadores, dando na restante jornada opções de diálogo especiais que podem ajudar a ultrapassar determinadas conversas mais quentes e a alterar o rumo de missões muito específicas.

A verdade é que a diferença de rumos e de escolhas na história principal do jogo, pouco se faz sentir. E não o digo em discussões com amigos onde partilhamos experiências, mas sim no próprio jogo. São muito poucos os momentos em que parei para pensar “e se tivesse escolhido outra opção?”, porque as escolhas são, na sua maioria, binárias ou definem apenas o sucesso ou insucesso da missão, com poucas repercussões notórias no futuro

O ADN da CD Projekt RED encontra-se com regularidade na estrutura do jogo, nomeadamente nas suas missões principais e secundárias de altíssima qualidade de escrita e de execução, mas não na forma orgânica das nossas escolhas. Enquanto que, em The Witcher 3, diferentes escolhas durante a nossa jornada afetam drasticamente a conclusão e resolução da sua história, sendo quase necessário apontar e acertar em determinadas sequências de escolhas para atingir um determinado final, Cyberpunk 2077 aposta num caminho mais fácil, novamente afunilando a sua história num ponto sem retorno, onde (de acordo com a conclusão de missões secundárias) podemos escolher o final que quisermos, desbloqueando, assim, uma última missão, ficando apenas dependente dessa mesma escolha e não na jornada completa do jogo.

Qualquer um dos finais é extremamente impactante, melancólico e resolve a história geral de forma muito satisfatória. No entanto, teria sido mais interessante se não existisse esta escolha, mas com o jogo a delinear um dos caminhos possíveis de acordo com as nossas ações e decisões.

Há, ainda assim, um lado de RPG muito interessante ao nível da exploração e do combate. Cyberpunk 2077 não conta com um sistema de classes tradicional, mas dá-nos a opção de dividirmos os pontos de experiência entre diferentes categorias, sendo possível construir uma personagem dedicada a um determinado estilo de jogo com base na experiência e na necessidade do jogador. Podemos treinar e habituarmo-nos a um estilo mais ofensivo com combate corpo a corpo, só com recurso a armas ou, se preferirmos, só com recurso a habilidade de hacking. Podemos, também, ser um pouco de tudo, mas claro, sem nunca atingirmos o potencial completo, pois não ficamos especialistas de nada.

Análise – Cyberpunk 2077

Esta decisão na nossa construção pode mudar drasticamente as nossas aventuras por Night City pela forma como a exploramos ou fazemos as missões, pois ter habilidade suficiente para hackear uma porta ou abri-la à força pode transformar por completo a resolução de uma missão. Se não tivermos isso, teremos que procurar outras formas de ir do ponto A ao ponto B, recorrendo à força bruta, ação furtiva e, em raros casos, através do diálogo com NPCs.

Um dos pontos mais fortes de Cyberpunk 2077 é a jogabilidade durante o combate, com uma variedade de abordagens que o tornam um dos shooters mais divertidos do ano. Temos as armas clássicas, como pistolas, shotguns, snipers, riffles, heavy weapons e afins, como também as já icónicas Mantis Blades e lança granadas dos braços. Mas é a forma como estas armas operam, com poderosas balas ou pontaria inteligente, que tornam a jogabilidade divertida e variada.

De acordo com as nossas habilidades e escolhas, podemos usar snipers que trespassam paredes, sendo possível limpar uma sala sem sair da cobertura; podemos usar armas que disparam balas curvas que acertam diretamente nos alvos para os matar ou incapacitar; ou podemos nem usar armas nenhumas e simplesmente hackear as alterações cibernéticas dos inimigos.

De uma forma mais familiar, podemos escolher um tipo de jogo ao estilo de Doom ou Call of Duty, ou até de Mass Effect ou Deus Ex. É uma mistura de ideias, conceitos e formatos que, na prática, tornam a jogabilidade e os combates de Cyberpunk 2077 altamente experimentais e aliciantes, fazendo com que andemos sempre a procura do próximo confronto.

Mas se, até agora, quase tudo parece elogiar o jogo, o mesmo não se pode dizer de pequenas contradições e atalhos de produção que tornam a experiência de jogo mais enfadonha, quebrando o ritmo e, por vezes, a vontade de jogar.

Mesmo sem tocar ainda nos problemas técnicos, Cyberpunk 2077 carece de opções de qualidade de vida que são capazes de afastar os maiores adeptos de RPGs, algo que se nota logo de início e que contraria a própria temática do jogo.

Desde o primeiro momento, em que criamos a nossa personagem, com muitas escolhas possíveis, onde podemos criar, por exemplo, personagens transgéneras, Cyberpunk 2077 não permite que se altere mais nada na nossa personagem ao longo da nossa jornada. Nem sequer um penteado.

Análise – Cyberpunk 2077

É certo que podemos construir e alterar as nossas habilidades, aplicando lâminas e lança granadas nas mãos, mas não passa de algo mecânico e sem efeitos no look da nossa personagem que, apesar de ser controlada na primeira pessoa, pode ser vista em reflexos de espelho, momentos chaves do jogo e, claro, no modo de fotografia. Num mundo onde os seus habitantes quebram as regras para usarem a tecnologia para as suas necessidades e extravagâncias, não podermos fazer o mesmo é, no mínimo, contraditório face às regras apresentadas.

As limitações da personalização também se estendem às roupas e acessórios. Aqui temos uma variedade enorme de peças de roupa que podemos alternar e misturar, mas temos que escolher bem se queremos “estilo” ou “função”, já que cada item tem características próprias que não podem ser transferidas. Caricato é também o facto de, por vezes, termos peças simples com melhores estatísticas que uma armadura, criando assim uma discrepância do toque realista que o jogo pede.

Cyberpunk 2077 é um jogo demasiado ambicioso para si mesmo, com pequenas redundâncias e ironias que o tornam menos imersivo e sério do que pretende ser, mas prima pelos seus pontos fortes: os fantásticos visuais de ponta, a jogabilidade incrível que varia entre o frenesim do caos e a tensão da estratégia e, claro, a narrativa, cheia de personagens apaixonantes que nos vão convidar a explorar tudo o que o jogo tem para dar.

É impossível terminar esta opinião do jogo sem fazer menção aos problemas técnicos do jogo. Apesar de ter jogado a minha aventura principal na Xbox Series X, tive oportunidade de jogar nas restantes consolas da Microsoft – Xbox Series S, Xbox One X e Xbox One original -, nas consolas da PlayStation – PlayStation 4 Slim e Playstation 5 -, e pude também espreitar a versão do Google Stadia. No fundo, deixei de fora apenas aquela versão que foi considerada para análise pela CD Projekt RED nos grandes meios da indústria antes do lançamento do jogo, a versão PC.

Nas consolas base, o jogo corre de forma muito pouco otimizada, mesmo com os mais recentes patches. As limitações de memória e velocidade de leitura do disco rígido fazem-se sentir, com texturas e modelos que demoram a carregar e que afetam o look do jogo e a experiência durante momentos de jogabilidade e cinemáticas, quebrando o jogo com frequência. Aliado a resoluções e uma fluidez muito abaixo do aceitável, as versões para a Xbox One e Playstation 4, mesmo nas consolas premium, deixam muito a desejar e não representam as suas capacidades reais, uma vez que, durante a geração passada, tivemos títulos com níveis de ambição iguais ou superiores, muito mais bem otimizados. Por isso, se ainda estão na geração passada, não comprem Cyberpunk 2077.

Análise – Cyberpunk 2077

O mesmo não se aplica para quem tem a Xbox Series S, Series X, PlayStation 5 e, agora, acesso ao Google Stadia. Estas versões do jogo não incluem ainda melhorias da nova geração, já que que são, basicamente, a versão da geração anterior a correr em modo de retrocompatibilidade (exceto no Stadia, que é a versão PC sem Ray-Tracing). Nestas plataformas, o jogo corre como seria de esperar, com um nível de solidez muito satisfatório e uma qualidade de imagem impecável. Até mesmo a Xbox Series S apresenta Cyberpunk 2077 em muito melhor estado do que na Xbox One X.

Não é, contudo, uma experiência perfeita. E mesmo nesta altura, com todas as promessas feitas, era expectável termos versões da nova geração nestas consolas, algo que só chegará para o ano através de uma atualização gratuita para todos os jogadores. Ao longo da minha jornada na Xbox Series X encontrei uma quantidade significativa de erros, bugs e glitches, dos mais engraçados aos mais embaraçosos, mas nenhum quebrou o jogo ou a vontade de continuar a jogar. Se os pudesse classificar, diria que apanhei erros “comuns” para um jogo deste calibre no seu lançamento, o que me leva a crer que com patches e melhorias ao longo do tempo, Cyberpunk 2077 ficará no ponto, um pouco como aconteceu The Witcher 3 também no seu lançamento.

100 horas e mais algumas distribuídas entre as diferentes versões do jogo foram o suficiente não só para fazer a história principal, em menos de metade do tempo, mas para explorar todos os cantos de Night City e arredores. E mesmo assim ficou muito para explorar. Contudo, o que ficou mais comigo foi a saudade. Terminar a jornada e despedir-me das personagens que me acompanharam nesta jornada e nos ambientes saídos de filmes como Blade Runner, Akira e Ghost in the Shell, que tanto desejei um dia experiência num jogo. Mesmo sem as controvérsias a assombrar o lançamento de Cyberpunk 2077, esta aposta da CD Projekt RED roça o estatuto de obra prima pela dedicação, substância e carinho pelas fontes em que se inspira, nomeadamente o género a quem pede emprestado o nome.

Infelizmente, são os problemas técnicos, a falta de uma edição definitiva e decisões de design contraditórias ao género que o afastam desse estatuto, mas estou confiante que melhores dias virão. Se não foi o jogo de 2020, talvez seja para muitos o de 2021. Tudo depende da CD Projekt RED.

Nota: Muito Bom

Disponível para: PC, Xbox One, Xbox Series X|S, PlayStation 4, PlayStation 5 e Google Stadia
Jogado na Xbox Series X, PlayStation 5 (via retrocompatibilide) e Google Stadia
Cópias para análise cedidas pela Bandai Namco e Google.

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