Crysis Remastered Trilogy – O regresso à selva urbana

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O legado de Crysis é complexo, mas não existem dúvidas de que as campanhas continuam a ser janelas interessantes para o passado do género de ação na primeira pessoa.

Apesar de ter construído os alicerces para o que viria a ser o futuro dos jogos em mundo aberto, o nome Crytek parece ter caído no esquecimento. Há quase 20 anos atrás, a produtora alemã era um nome de peso na indústria, elevando a fasquia dos jogos na primeira pessoa a nível de design, mas também de poderio gráfico. A Crytek produzia projetos premium, quase inacessíveis e proibidos, mas depois de Far Cry e da popularidade de Crysis, que ainda hoje vive como um meme na indústria, a produtora desapareceu do imaginário dos jogadores. É normal pensarem primeiro em Hunt: Showdown, o seu mais recente trabalho, do que no nome Crytek. O que lhe aconteceu? E melhor: o que aconteceu a Crysis?

Olhando para trás, a série Crysis parecia estar destinada a este final prematuro. Apesar da popularidade do primeiro título, enaltecido como um dos maiores e mais exigentes videojogos no PC, os alicerces para a aventura de Prophet e dos restantes soldados de Nano Suit nunca foram os mais sólidos. Se Crysis apostou numa estrutura mais aberta, onde tínhamos a liberdade de explorar e de encontrar novas abordagens para as várias missões – ainda que os poderes especiais fossem mais limitados –, as sequelas tentaram reduzir a escala dos seus conflitos abertos a um formato mais atual e próximo da fórmula Call of Duty. Apesar da sua base sólida, a série nunca foi consistente ou acessível o suficiente para chegar ao grande público.

E a Crytek sabia disso. As alterações aplicadas em Crysis 2 não foram inocentes ou apenas focadas numa redução dos valores de produção, mas sim uma busca por uma experiência mais familiar sem perder o que tornara o primeiro título tão especial. Os conflitos assumiram um formato mais linear, ainda que assente na tentativa de dar algumas opções de combate aos jogadores – opções essas que podemos analisar e descobrir através do visor do fato –, agora num cenário urbano, com mais oportunidades furtivas e com a exponenciação dos poderes do Nano Suit. Para tornar a experiência mais acessível, a Crytek retirou algumas das limitações da invisibilidade e do escudo corporal, mas os fãs não ficaram satisfeitos. Faltava algo a Crysis 2 e não seria o modo multijogador a mudar a opinião dos jogadores – modo esse que não se encontra disponível nesta versão remasterização.

A resposta à linearidade e à facilidade da sequela viria em Crysis 3, naquele que considero ser o mais coeso e equilibrado título da série. De facto, Crysis 3 é uma mistura intencional dos capítulos anteriores, transportando-nos para uma Nova Iorque destruída, que mais se assemelha a uma selva artificial, onde existe um maior foco na furtividade, mas também na criatividade dos jogadores. Temos à nossa disposição novas armas, como o famoso arco e flecha, mas também caminhos alternativos e novas opções que desbloqueamos devido às habilidades do Nano Suit. Crysis 3 aproxima-se timidamente de um Immersive Sim, apesar de nunca dar o salto para o género que popularizou Deus Ex e Dishonored, mas é um meio-termo sólido entre uma experiência linear e mais acessível, e a aposta na liberdade que tanto marcou o primeiro título da série.

Ao revisitar a série, apercebi-me desta inconsistência, onde cada título tentava corrigir os problemas do anterior, não ao iterar sobre eles, mas ao transformar por completo a fórmula basilar da jogabilidade. Apesar de partilharem mecânicas e designs muito semelhantes, os três jogos fluem e comportam-se de maneiras diferentes, ora mais focados nas suas mecânicas, ora mais preocupados em criar algum espetáculo visual. Não existem dúvidas de que são alguns dos títulos mais marcantes da sétima geração, mas demonstram como a Crytek e a EA não sabiam o que fazer com uma série que tinha tudo para ser imensamente popular, mas que começava a vacilar em todos os sentidos. E é difícil deixar uma franquia crescer e evoluir naturalmente quando se assume como um produto comercial que tenta satisfazer um público pouco interessado no que tinha para oferecer.

Mas foi um destino cruel. Existe muito potencial em Crysis e podemos vê-lo perfeitamente através desta reedição. Apesar de não apreciar o primeiro título, é impressionante ver como a série exponenciou todo um novo género e o ajudou a popularizar-se na indústria. O equilíbrio entre habilidades é eficaz, o design dos níveis é quase sempre competente – ainda que Crysis 2 seja demasiado linear e restrito –, a jogabilidade continua tão limada como há quase 10 anos atrás e a sua força visual mantém-se imutável, mesmo depois de duas gerações de consolas. Em 4K, Crysis 3 é um festim e se não fosse pelos modelos das personagens, e as suas animações nem sempre convincentes, não diríamos que se trata de um jogo que foi lançado na PS3 e na Xbox 360.

A série Crysis foi atirada para as catacumbas da EA e o seu regresso é pouco expectável. O lançamento da trilogia talvez sirva para testar o mercado e perceber em que ponto se encontra aquela que já fora considerada como uma das franquias mais importantes do género, mas o público, oito anos depois de Crysis 3, continua a dar poucas oportunidades a este mundo perdido entre a liberdade e as convenções das campanhas na primeira pessoa. No entanto, esta trilogia funciona como uma fantástica janela para a sétima geração de consolas, para todos os seus defeitos, mas também virtudes. Algumas decisões de design pareciam ser alienígenas, mas a jogabilidade manteve-se sólida e envolvente o suficiente para resistir ao teste do tempo. E é assim que vejo a trilogia Crysis: uma resistente ao tempo.

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Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Crytek.

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