Da realidade virtual para as consolas – assim é a prequela de Remnant: From the Ashes.
Estamos oficialmente no final de 2020. Ainda não comemos as passas, mas já sentimos o cheiro a ano novo que começa a propagar-se pelas ruas. É certo que Cyberpunk 2077 está no horizonte e que a pandemia ainda nos assombra diariamente, mas estamos a fechar um ano que foi, em praticamente tudo, invulgar. Dezembro é um mês atípico para lançamento de novos jogos. Com o Natal a chegar, muitos estúdios evitam as festividades e procuram algum destaque fora da loucura das compras, mas, este ano, até o último mês é estranho.
Temos várias novidades a chegarem nas próximas semanas. Não só com o último título da CD Projekt Red, como Chronos: Before the Ashes também abre as hostes com uma campanha agradável, mas muito longe de ser memorável.
Parte prequela e parte relançamento, Chronos: Before the Ashes saltou da realidade virtual, formato em que se estreou, para o PC e consolas domésticas, dando-nos um novo olhar sobre o passado e mundo de Remnant: From the Ashes. Também produzido pela Gunfire Games, que nos trouxe Darksiders III, o RPG de ação, fortemente inspirado em Dark Souls e títulos de aventura, transporta-nos para um mundo mais aborrecido do que encantador e assustadoramente linear, especialmente para o género. No entanto, algumas mecânicas interessantes dão-lhe uma certa personalidade, ainda que não consigamos sentir um enorme entusiasmo ao longo da sua campanha curta (com uma média de cinco a sete horas).
No papel, Chronos: Before the Ashes é uma versão light e muito acessível do género Soulslike. É certo que existe uma certa aposta na dificuldade e que somos punidos sempre que somos derrotados, mas a campanha é muito mais calma e lânguida do que é habitual neste novo género. Não só os movimentos das personagens são mais lentos, especialmente do nosso protagonista, como o leque de ataques, combinações e magia são muito limitados, criando, assim, uma sensação de marasma que nunca conseguimos afastar.
É funcional, claro, com a sua aposta em ataques rápidos, pesados, defesa e desvio rápido, mas falta-lhe profundidade em combate, sendo muito fácil de atordoar os inimigos e prendê-los a um dos cantos dos cenários. Por outro lado, existem demasiadas armadilhas que nos matam automaticamente, algo que vos irá apanhar de surpresa – e enervar muito.
O mundo está dividido por zonas e há uma tentativa de criar, até certo ponto, uma sensação de grandiosidade e exploração no jogo, mas é de curta duração. Chronos: Before the Ashes nunca esconde as suas origens na realidade virtual e os cenários são demasiado despidos e desinteressantes para não pensarmos sequer que não é um relançamento. O mundo segue uma linearidade desapontante, com as zonas a relegarem-se regularmente a cavernas, salas e corredores aborrecidos onde nos sentimos enclausurados e sem possibilidades de explorarmos. O design dos níveis é desinspirado, muito pouco criativo e sem motivos para revisitarmos zonas passadas, ainda que o jogo tente criar puzzles pouco desafiantes e uma busca constante por chaves e outras ferramentas para avançarmos. Nem sempre funciona.
De facto, a Gunfire Games apostou na simplicidade e Chronos: Before the Ashes acaba por ser uma boa porta de entrada para um género que não é acessível. Os combates são simples, a progressão também é muito direta – com a possibilidade de dividirmos os pontos de habilidades por quatro atributos – e a inteligência artificial dos inimigos consegue criar a ilusão de desafio sem ser muito invasiva ou desafiante (o que poderá aborrecer os fãs do género). O segredo está na simplicidade, mas este RPG de ação traz consigo uma mecânica que podia ter salvo toda a experiência: a idade do nosso protagonista.
Ao contrário de Dark Souls e de outros títulos do género, não perdemos experiência ou pontos de habilidades quando somos derrotados. Não precisamos de regressar ao local onde saboreámos a morte para recuperar tudo o que nos foi retirado. É certo que regressamos ao último ponto de gravação e que todos os inimigos ganham vida sempre que perdemos, mas em Chronos: Before the Ashes perdemos algo mais valioso. Quando somos derrotados, a nossa personagem ganha um ano de vida. Começamos como adolescentes, sedentes por aventura, fortes e ágeis, quase imparáveis, mas à medida que avançamos e somos derrotados, os anos amontoam-se. O corpo fica mais lento, a força desvanece e mal conseguimos levantar as nossas armas – que vão desde espadas a machados e lanças – e escudos.
Com a idade, nasce, no entanto, a sabedoria, e temos acesso a mais magias e habilidades únicas, uma troca que irá deliciar alguns fãs. Mas não se esqueçam: por cada vantagem, terão sempre uma desvantagem associada.
Isto é fenomenal. Quando me apercebi desta mecânica, fiquei entusiasmado com a perspetiva de ver os meus erros a ganharem forma na campanha e a terem repercussões pesadas na forma como seria obrigado a adaptar-me. Se não tivesse cuidado, o meu jovem rapidamente se transformaria num homem de meia-idade sem a destreza da juventude. Que empolgante! Para além da alteração dos atributos, o jogo atribui, de dez em dez anos, novas vantagens que melhoram as habilidades inerentes da personagem – como os pontos de vida, magia e stamina.
O sistema está bem pensado, cria uma sensação de urgência e destaca-se dos rivais pela aposta na passagem do tempo, mas há um enorme problema: o jogo não é suficientemente difícil para aproveitar a mecânica.
Durante as minhas horas, posso dizer que só perdi por causa das armadilhas injustas ou de inimigos, como um monstro de pedra, que nos matam com um só ataque. Fora essas ocasiões, o jogo não é desafiante. Nem os bosses oferecem grande resistência se tivermos uma boa arma e itens de cura suficientes. Se melhorarem as armas, por exemplo, através do seu sistema de crafting básico – onde fazemos tudo diretamente nos menus, sem necessitar de paragens obrigatórias –, não vão encontrar grandes desafios, especialmente se utilizarem as habilidades mágicas da personagem.
Chegar a uma idade avançada é, pela minha experiência, quase impossível, o que invalida por completo esta aposta da Gunfire Games. Talvez funcione melhor na dificuldade superior, mas tenho as minhas dúvidas.
Chronos: Before the Ashes não vai surpreender, mas pelo preço e tendo em conta que estamos a fechar 2020, poderá ser uma distração positiva durante as férias natalícias. Não é inovador e perde muito por apostar tanto na linearidade, mas nunca podemos esquecer as suas origens como título na realidade virtual. É uma aventura curta, ocasionalmente divertida, mas pouco memorável – mas ao menos é honesta.
Disponível para: PC, Xbox One, PlayStation 4 e Nintendo Switch
Jogado na PlayStation 4
Cópia para análise cedida pela THQ Nordic.