Blue Reflection: Second Light – Um último dia de verão

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A Gust trouxe-nos um RPG muito acessível, mas igualmente apetrechado de conteúdos e mecânicas que exponenciam o que poderia ter sido uma experiência pouco memorável.

Tenho uma confissão a fazer. Quando aceitei analisar Blue Reflection: Second Light, senti um arrependimento enorme. Aliás, a minha primeira reação foi desistir, devolver o código e seguir em frente. Não tenho nada contra o jogo, antes pelo contrário, mas conheço muito bem a saturação emergente que tenho sentido pelo género RPG e temia passar mais uma tormenta para analisar um jogo objetivamente bom, mas toldá-lo pela minha visão pessoal e muito negativa. Não sei o que aconteceu ou o que Second Light fez, mas conseguiu acalmar esta raiva interior e deixar-me apreciar novamente a simplicidade do género e das suas aventuras pessoais.

Talvez simplicidade não seja o adjetivo correto para identificar Second Light, já que é acompanhado por uma miríade de mecânicas, sistemas e conteúdos adicionais que conseguem capturar a alma dos RPG numa só campanha. Existe uma variedade de experiências que acho louvável, mas não seria um RPG sem os seus clichés e Blue Reflection: Second Light é deliciosamente previsível. Não temos mundos à beira do fim, impérios megalómanos ou espaços entre a vida e a morte para explorar, mas sim uma escola. A nossa equipa não é composta por aventureiros destemidos, por escolhidos ou anti-heróis, mas sim por um grupo de adolescentes que só querem recuperar as suas memórias e regressar a casa. É uma história mais pessoal, que retrata as aventuras deste grupo de amigas, unidas pelo mundo Heartscape – a realidade estranha que agora habitam – e são as suas relações pessoais que acompanhamos à medida que descobrimos mais sobre este universo virtual. Deliciosamente simples, mas reconfortante e clássico.

O que me surpreendeu em Second Light, para além do seu sistema de combate, foi a forma como tece o seu mundo e a demanda das suas heroínas. Existe toda uma mecânica de gestão que não esperava encontrar neste jogo e que foi uma ressalva para a minha degustação da campanha. Como Ao, temos de gerir a nossa equipa através de missões secundárias, pedidos pessoais e pela construção de itens e alimentos que ajudam o grupo a sobreviver mais um dia. Estas ações influenciam a relação entre personagens e, quanto mais Ao for próxima das suas novas amigas, mais estas desbloqueiam novos atributos – ou Talents – essenciais para os confrontos contra os demónios do Heartscape. A campanha divide-se assim entre a recolha de recursos que encontramos espalhados pelos mapas, a colaboração entre personagens e a exploração das várias zonas em missões principais. Não é a mecânica mais profunda, muito longe do que vimos em outros títulos da Gust – como a série Atelier ou em Zanki Zero: Last Beginning -, mas complementa muito bem esta ideia de sobrevivência e união de um grupo preso numa situação peculiar.

Esta ideia de gestão é complementada pela construção e manutenção da escola. Com a nossa base, temos a possibilidade de adicionar novas áreas e funcionalidades aos vários espaços livres do recinto, ao ponto de desbloquearmos atividades e momentos pessoais que ajudam no crescimento da amizade entre Ao e as suas colegas de batalha. A expansão da escola é muito ligada a pedidos das outras personagens e a missões secundárias, mas existe, apesar da simplicidade deste sistema, a ilusão de que estamos mesmo a melhorar a nossa base aos poucos. É muito satisfatório, mesmo que não chegue ao ponto de ser um simulador ou um jogo de sobrevivência, mas as bases estão lá e é isso que torna Second Light num projeto tão interessante.

O mundo fragmentado de Heartscape não é o mais surpreendente a nível visual, mas destaca-se pelas suas personagens. As animações são muito seletivas, mas conseguem sempre passar as emoções certas nos momentos mais indicados. Já os cenários apostam nas cores vivas, nos efeitos visuais – como a estática dos cenários que ainda não podemos visitar – e nos modelos básicos dos inimigos, tal como em texturas menos satisfatórias quando nos aproximamos, mas estes problemas já eram espectáveis. Apesar de ter jogado na PS5, estamos a falar de uma versão PS4 sem qualquer tipo de melhorias e otimizações, usufruindo apenas dos fantásticos tempos de loading da nova consola da Sony. No entanto, quero destacar a fantástica e minimalista UI, que se mune de formas geométricas simples, ocasionalmente coloridas, que contrastam com os fundos brancos. É dos UI mais satisfatórios que encontrei recentemente no género.

O que também revelou ser uma surpresa foi o sistema de combate. O que parecia ser um sistema por turnos muito básico e focado na transformação das nossas heroínas – dentro do género Magical Girl, onde se insere Sailor Moon e outros manga populares –, acabou por ser uma montanha de mecânicas e opções de combate que me deixaram tão confuso, como satisfeito. Para começar, Second Light não é propriamente um RPG por turnos, mas sim um híbrido entre o combate ponderado, a ação dos ATB e a barra de atividade de Grandia. Esta combinação dá vida aos confrontos de Second Light e permite-nos gerir a equipa manual ou automaticamente à medida que vemos em tempo real quem será a próxima personagem a atacar e quanto teremos de nos defender das investidas dos inimigos.

Com uma assistente em combate, a nossa equipa é composta por três elementos, que controlamos através do X, L2 e R2. Para selecionarmos uma ação, basta carregarmos num dos três botões, mas é preciso termos em conta o Ether, ou energia, disponível. A barra de atividade demonstra o Ether recolhido por cada personagem e, quanto mais deixarmos o turno avançar, mais habilidades poderosas teremos à nossa disposição, com cada ação a requerer uma quantidade definida de Ether. A este sistema podemos juntar os Gears, ou modos de combate, que nos dão acesso a mais Ether, mas também às transformações das nossas personagens, os Reflect, que exponenciam significativamente as suas habilidades. Existe, portanto, uma relação interessante entre tempo e antecipação que dá ao combate alguma urgência, até porque Second Light não é propriamente um jogo fácil, com os inimigos a atacarem com todas as forças se não nos precavermos.

Com tempos de carregamento muito reduzidos, os confrontos de Second Light são rápidos e sempre dinâmicos. A ação em tempo real, motivada pela barra de atividade, corta alguma da monotonia que associamos a este tipo de sistemas e temos acesso regular a novas opções, como os buffs, debuffs e knockdowns, que tornam os combates sempre divertidos e inesperados. Mas o coração está no sistema de combinações, com cada ataque a fazer aumentar o multiplicador e, consequentemente, o poder de ataque e de magia das personagens. Este multiplicador é tão importante que pode determinar se conseguem vencer um combate ou não e, como seria de esperar, alguns ataques inimigos almejam derrubar o contador. O jogo dá-nos a possibilidade de ripostar ao protegermos a equipa com as suas habilidades, mas só servirão para um turno.

Por outro lado, Second Light quer ser uma experiência mais acessível e focada, ideal para os jogadores mais experientes e menos experientes, o que contrasta um pouco com o seu sistema de combate desafiante. Digo isto porque o jogo despe-se da personalização dos equipamentos. Não existem armaduras, acessórios ou armas para equiparmos. O que interessa são os atributos das personagens, as melhorias dos talentos e a forma como utilizamos o Ether e as Gears em combate. É uma tentativa de nos focar onde interessa e não em distrações menos importantes, ainda que possamos apontar o dedo para o sistema de crafting como uma potencial distração.

Sabe bem quando somos surpreendidos e temos de engolir as palavras e opiniões que temos vindo a apregoar há vários meses. Não vou voltar totalmente atrás no que toca ao meu desgosto com o género RPG japonês, mas Blue Reflection: Second Light fez-me bem. Não é o melhor exemplo do género, tem alguns momentos questionáveis – não percebo porque gostam de vestir personagens adolescentes em biquínis –, mas a campanha é descontraída, agradável e desafiante quando tem de o ser. A gestão da escola é limitada, mas cria a ilusão de profundidade e até uma relação mais psicológica com o espaço que temos de proteger e cuidar ao longo de dezenas de horas. É um bom RPG que chegou no momento certo. Quem diria.

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Cópia para análise (versão PlayStation) cedida pela Koei Tecmo.

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