American Hero – Um zero à esquerda

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Anteriormente cancelado, este clássico FMV está de regresso às consolas e é mais um motivo para apostarmos na preservação de videojogos.

Com a massificação dos serviços digitais, a preservação de videojogos é cada vez mais urgente. Existem finalmente as plataformas necessárias para garantir a preservação desta fatia histórica, desde a catalogação dos vários sistemas até à disponibilidade dos títulos já descontinuados. Arriscamo-nos a perder um pedaço da nossa história se não combatermos o esquecimento, as licenças e o abandono destes projetos. Vou mais longe. Este é o momento em que os fãs e as editoras devem unir forças para não só garantir a preservação de videojogos perdidos no tempo, como conseguir o lançamento de títulos anteriormente restritos a mercados – como uma grande fatia dos catálogos da Sega Saturn e da PlayStation no Japão –, mas também a finalização de videojogos cancelados ou abandonados sem um lançamento oficial.

American Hero, produzido pela Inter-Active Productions, é um exemplo do que podemos conseguir através da preservação dos videojogos. Anteriormente cancelado, o título de ação e aventura, sob o formato FMV (Full Motion Video) – produzido para a trágica Atari Jaguar –, foi finalmente recuperado, retrabalhado e reeditado pela Ziggurat Interactive e a Empty Clip Studios. Isto é um pequeno milagre. Não estamos a falar de um jogo que recebeu uma nova tradução ou que chegou finalmente ao ocidente, mas sim um projeto que foi abandonado há décadas e que agora se estreia nas consolas graças à disponibilidade dos serviços digitais. Este tipo de restauro seria impossível há apenas 10 anos atrás, mas tem de ser o futuro da nossa indústria. Tem de existir um respeito e um interesse sinceros pelo passado para garantirmos que a história dos videojogos não é esquecida pelas gerações futuras.

Admiro a dedicação e o trabalho da Ziggurat Interactive e da Empty Clip Studios neste restauro, mas espero que direcionem o seu empenho para videojogos mais merecedores do seu tempo. Apesar de louvar o regresso de American Hero, ainda que sob uma perspetiva mais histórica, não consigo esconder o desdém que sinto pelo jogo. Como mencionei anteriormente, American Hero é um jogo FMV, isto é, é um filme interativo com algumas escolhas e opções narrativas. A aventura de Jack Devon, o titular herói americano, decorre quase em piloto automático e dá aos jogadores o poder de escolha em momentos específicos. Podemos definir, por exemplo, qual o caminho que Jack irá seguir, mas também as suas ações, como a possibilidade de lutar contra dois agentes secretos ou evitar um camião que o tenta matar. A campanha tenta conciliar todas as escolhas e criar uma aventura personalizada para cada jogador, mas a interação é demasiado limitada e a história um pequeno desastre.

Não cheguei a American Hero à procura de um novo clássico, mas sim de um filme de série B competente. Corrijo: estava à espera de um filme tão mau que fosse bom. O que encontrei foi um pedaço de história completamente perdido no tempo, sem tato, gosto ou valores cinematográficos que justifiquem o investimento por parte dos jogadores. A história de Jack começa como muitos dos filmes de ação baratos dos anos 80 e 90, com o nosso protagonista, num bar de striptease, a ser obrigado a aceitar uma missão que não quer. Os problemas tornam-se rapidamente visíveis quando a realização é muito básica, a ligação entre cenas nem sempre consistente – parecem existir saltos lógicos devido às escolhas dos jogadores –, e sentimos um forçar de ações e sequências que nos obrigam a repetir momentos narrativos do início até acertarmos na ordem que o jogo exige: pelo menos foi o que senti.

Não me vou alongar sobre o tom e temas de American Hero, mas confirmo que a Empty Clip Studios decidiu começar a campanha com um “aviso” sobre algumas das sequências e representações que encontramos no jogo. Uma escolha acertada, na minha opinião, pois preserva a versão original deste título cancelado. No entanto, não existem dúvidas que há uma falta de gosto por parte da equipa de produção. American Hero foi pensado para um público mais adulto, tal como Plumbers Don’t Wear Ties (1993), mas a falta de gosto não é conciliada por uma história minimamente divertida ou envolvente. A demanda de Jack é um aborrecimento e é isso que mais condeno, especialmente quando me obrigam a repetir sequências sem uma opção de avançar o tempo e a velocidade das sequências.

Como FMV, a interação é muito limitada em American Hero. Com uma visão limitada, composta por um cenário limitado a televisão – onde o jogo é transmitido –, só temos a possibilidade de escolher ações específicas. Estes momentos são chocantes devido à sua apresentação. Timothy Bottoms, o ator que interpreta Jack, regressou para terminar a narração de American Hero e é assim que a narrativa avança: com falas descabidas e comentários descartáveis que pouco adicionam ao jogo. Para piorar, os momentos de escolha são representados por cortes abruptos onde Jack repete várias vezes o nome das nossas opções. Estas opções surgem inesperadamente e são surpreendentes devido à sua baixa qualidade. A repetição das falas, a qualidade da font escolhida e os cortes abruptos criam os alicerces para um videojogo que parece não estar terminado – quem diria! Para piorar, temos também algumas sequências QTE para garantir que Jack consegue finalizar a sua ação. Como na sequência do camião, onde temos de carregar várias vezes no X para garantirmos que Jack consegue esconder-se antes de ser tarde de mais. Mas fora estes momentos, o jogador está simplesmente a ver um mau filme.

Que a preservação de videojogos seja uma prioridade no futuro. Apesar da sua qualidade dúbia, fico feliz por ver o lançamento de American Hero. Não tenciono jogar mais e quero ficar o mais longe possível do jogo, mas ao menos existe. Foi resgatado do passado, terminado e lançado para uma nova geração de jogadores que podem descobrir na sua aventura gráfica um novo clássico de culto.

Talvez esteja a ser duro com um jogo de outra época, agora atirado aos leões e sem paraquedas, mas American Hero não é um bom jogo. Ainda bem que existe. É o único elogio que lhe teço.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela ÜberStrategist.

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