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Depois de uma tentativa mais narrativa e clássica, a Frictional Games muda de direção e traz-nos um jogo mais inventivo e experimental.

Com Amnesia: The Bunker, a Frictional Games parece ter encontrado um compromisso entre o passado e o futuro. Se The Dark Descent aprimorou a campanha mais narrativa de Penumbra: Overture, com a adição de inimigos indestrutíveis, e Rebirth procurou enveredar por uma experiência mais pessoal e centrada na sua protagonista – mas também com a intenção de explorar mais sobre a mitologia que liga cada capítulo da série -, The Bunker é simultaneamente um meio-termo e um passo em frente para a produtora sueca. Nas trincheiras e búnquer da Primeira Guerra Mundial esconde-se um jogo assustador, intenso e criativo que dá aos jogadores a liberdade que tanto ambicionavam em títulos anteriores.

Amnesia: The Bunker não é uma quebra total com o passado, mas uma ligeira mudança de direção. Até certo ponto, é uma experiência e uma tentativa-erro para a Frictional Games compreender o que move a série e a torna tão especial num género cada vez mais sobrelotado. Se Rebirth foi mais narrativo, à semelhança de SOMA, – ainda hoje considerado como um dos melhores títulos da Frictional Games -, já The Bunker bebe da mesma fonte de Penumbra. Estamos de regresso aos cenários fechados e claustrofóbicos, com Henri Clément, o nosso protagonista, a ser obrigado a investigar os recantos do seu búnquer à procura de dinamite e um detonador. Há algo nos corredores, uma criatura que o persegue na escuridão, e para lhe escapar, Henri tem de reabrir a entrada do búnquer. Estamos novamente sozinhos, subterrados e atirados para uma situação que se desvenda como um enorme mistério, construído através de diários abandonados, que recontam o que se passou no búnquer até despertarmos, mas também de uma narrativa visual cuidada que fala connosco sem necessitar de explicações adicionais.

A Frictional Games não alterou o esquema de controlos que tem utilizado na série Amnesia, uma decisão curiosa, mas que faz sentido à medida que exploramos mais a complexidade mecânica de The Bunker. Aqui regressamos ao foco na exploração, com Henri a ser capaz de interagir com grande parte dos objetos em campo. É possível abrir portas, arrastar barris, inspecionar ferramentas e até atirar pedras pesadas para quebrar algo ou chamar a atenção da criatura que nos persegue. Um leque de ações que permitem a construção de barreiras, mas também de plataformas que podemos utilizar para subir por obstáculos ou criar o nosso próprio caminho pelas zonas mais intensas. A possibilidade de arrastarmos objetos também serve um propósito muito mais interessante e nem sempre explicado pelo jogo – demonstrando já a sua alma emergente -, que é a possibilidade de cobrirmos os túneis da criatura e evitar que ela entre na sala onde estamos. Um toque supostamente descartável, mas que revela toda a nova abordagem de The Bunker.

A opção de espreitarmos pelos cantos também está de regresso e dá-nos a possibilidade de observarmos o que nos espera sem sermos vistos ou expor-nos em demasia à visão sempre presente da criatura. Este monstro, cujo design aproxima-se muito ao que vimos em The Dark Descent e Rebirth – existindo uma ligação temática e narrativa à forma como foi desenhada, de um corpo deformado e inumano –, é uma presença constante ao longo da campanha, caminhando pelos túneis à nossa volta ou investigando áreas onde fomos mais ruidosos. A sua chegada é identificada pelo piscar das luzes, quando o gerador está ligado, pela entrada de música e pela distorção da visibilidade do nosso protagonista. Os seus comportamentos são previsíveis e, apesar de compreender as comparações a Alien Isolation, que alguns colegas teceram nas suas críticas, penso que The Bunker apenas demonstra uma versão mais simplificada da IA que vimos no título da Creative Assembly. A criatura segue os sons, pode surgir a qualquer momento e é muito mais perigosa se os corredores do búnquer estiverem mergulhados em escuridão, mas é igualmente fácil de enganar através de sons e de escapar. Podemos utilizar várias partes dos cenários para esconder-nos, como mesas e armários, e se a criatura não nos vir entrar numa sala, não irá tirar-nos do nosso lugar de esconderijo. E se formos apanhados, existe agora a possibilidade de utilizarmos armadilhas e ataques diretos contra a criatura.

Em The Bunker, nós temos a possibilidade de contra-atacar. Não temos acesso a um sistema de combate profundo ou diferente da norma, mas é um passo interessante para a Frictional Games e que demonstra como está disposta a reintroduzir mecânicas que havia abandonado em The Dark Descent. A criatura que nos persegue é indestrutível, mas é possível fazê-la recuar quando não temos outra solução. Para tal, temos à nossa disposição um revólver, que encontramos logo no início na campanha, uma espingarda, granadas, granadas de gás e coquetéis molotov.


Os movimentos de Henri são lentos e a mira é muito incerta, influenciada pelo nervosismo do nosso protagonista, mas a inserção de combate é uma lufada de ar fresco na fórmula Amnesia. Não é Resident Evil, é algo mais imersivo e tenso do que isso, com recursos mínimos e um recarregamento de arma tão tenso como caminhar por um corredor escuro. Isto porque temos de verificar as balas fisicamente, retirando o tambor do revólver para recarregar e compreender quantas balas ainda temos à nossa disposição. Tudo é uma questão de tempo e de risco – será que devemos recarregar agora? E será que temos balas suficientes para enfrentar a criatura que acaba de nos descobrir?

As armas não servem apenas o propósito de afastar a criatura e podem ser também utilizadas para ultrapassarmos alguns dos desafios que encontramos ao longo da campanha. The Bunker quer ser uma experiência imersiva e emergente, e mesmo que não consiga ser tão experimental como ambicionava, é capaz de cria uma base rica para uma futura sequela. Nós podemos, por exemplo, abrir portas ao rebentar os cadeados com um tiro bem posicionado. No entanto, essa mesma porta, se não for de metal, pode ser rebentada com uma pedra pesada. Uma opção faz menos barulho que a outra e atrai a criatura de diferentes formas, mas também existe uma diferença de velocidade. Vale a pena arriscar ou demorar mais tempo? Outro cenário. Os coquetéis molotov também servem para afastar os ratos que devoram os corpos dos nossos camaradas falecidos, seres ferais que atacam assim que nos aproximamos demasiado – ou quando estamos a sangrar, perseguindo-nos pelo bunker até nos apanharem. Não só podemos eliminar os ratos, mas também queimar os corpos e garantir que não voltam mais. Um toque mórbido, mas que funciona muito bem no mundo sangrento e violento de Amnesia. Já as granadas são perfeitas para destruir barreiras, como portas, mas também chamar a atenção da criatura, com as granadas de gás a serem uma opção mais letal e silenciosa, mas que corta o nosso caminho se não tivermos encontrado a máscara de gás. Tudo é tempo e risco em The Bunker. Pensem bem no que vão fazer a seguir.

Para dar vida à sua jogabilidade mais emergente, sempre assente em micro decisões e na forma como os jogadores suplantam alguns desafios – uma porta quebrada para sempre ficará quebrada e indicará que uma sala já não será um local de segurança –, a Frictional Games reduziu a esclada dos seus mundos e centralizou tudo neste cenário subterrâneo. The Bunker é um microcosmo, interligado por corredores e zonas que constituem a progressão da campanha. Com uma zona central, que serve de HUB – o único local onde podemos gravar ao longo da campanha, não existe quicksave –, podemos explorar o búnquer como e quando quisermos. Podemos começar por ir primeiro aos quartos dos soldados, à procura de mantimentos e gasolina para o gerador, ou talvez queiramos investigar a prisão porque descobrimos que o cortador está lá escondida. Todas as zonas estão disponíveis desde o início e podemos explorá-las sempre que queiramos, ainda que exista um fio condutor ao longo da campanha, composto por pistas que encontramos em mapas e notas deixadas pelos nosso camaradas. Mas The Bunker convida-nos a ficarmos perdidos nas suas zonas escuras e a partir à descoberta, a compreender o que se passou em cada uma destas alas do bunker e o que aconteceu aos camaradas que seguimos pela via de notas.

The Bunker não é muito longo, mas é tenso e sabe construir o desafio através de objetivos inteligentes e que expandem constantemente a nossa zona de interação. As secções podem ser curtas, mas existem caminhos para descobrir, atalhos para desbravar e até salas secretas com mantimentos que podem ajudar-nos a longo prazo. Para além da dinamite e do detonador, The Bunker disponibiliza ferramentas que permitem a abertura de zonas isoladas e até o desmantelamento das armadilhas espalhadas pelos corredores. Isto significa que a campanha, apesar de ser bastante mais aberta do que as anteriores da Frictional Games, ainda se move de acordo com uma estrutura mais rígida do que aparenta ser. Para mim, isso é uma vantagem, a presença de um fio condutor é importante para um jogo tão tenso e opressivo, ainda que mantendo a liberdade de explorarmos como e quando quisermos. O que acontece é que chegamos sempre a um ponto em cada zona onde não podemos avançar mais e precisamos de explorar as restantes partes do búnquer para encontrar a próxima pista. É nesta hesitação em ir a fundo nos sistemas emergentes que revela que a Frictional Games está a testar o terreno e a preparar-se para algo ainda mais ambicioso.

O sistema de inventário poderá ser divisório devido à sua natureza restritiva e ao número de recursos que podemos encontrar, tão essenciais como as balas que temos à nossa disposição. O espaço de inventário é mínimo quando comparado com o que podemos encontrar durante a nossa exploração e The Bunker obriga-nos a fazer decisões a cada viagem que fazemos. Todos os objetos, à exceção do revólver, ocupam espaço de inventário, como em qualquer jogo de terror e sobrevivência. Isto significa que a chave de ribe, indispensável para abrir as grades das condutas, ocupa tanto espaço como um pano ou um jerricã de gasolina. Para piorar, Henri começa com pouco espaço de inventário e as primeiras horas são sufocantes se não formos organizados. Podemos, no entanto, expandir o inventário ao encontrarmos mochilas, escondidas pelos cenários, mas o espaço nunca deixa de ser um desafio ao longo da campanha. Para mim, este sufoco constante foi satisfatório e enalteceu não só a exploração, como a tensão e o receio que sentia ao ter de revisitar zonas perigosas em busca dos recursos que deixei para trás – recursos que ajudam no sistema de crafting, onde temos a possibilidade de construir curativos e os já mencionados coquetéis molotov.

No centro da exploração, e aquela que é mais uma excelente evolução do design da Frictional Games, é a introdução do gerador. Esta foi a resposta da Frictional Games ao sistema de iluminação e sanidade que marcou os títulos anteriores, desta vez ainda mais presente e fulcral à experiência Amnesia. Na zona central, encontramos o gerador que ilumina todas as zonas do búnquer. Para funcionar, o gerador precisa de gasolina, senão os corredores do búnquer permanecem às escuras e a criatura mantém-se mais ativa e destemida nas suas investidas. The Bunker cria uma corrida constante contra o tempo, onde temos de gerir a quantidade de gasolina que temos à nossa disposição e o tempo que temos para explorar algumas zonas antes que as luzes se desliguem. É uma adição tão certeira e bem direcionada que The Bunker é tão arrojado, como empolgante. Ainda mais quando a escuridão é tão bem utilizada em jogo, muito forte e carregada, e não estilizada. A escuridão é implacável e presente ao ponto de ficarmos completamente perdidos quando as luzes se apagam.


Se The Dark Descent popularizou a utilização de um candeeiro a óleo, The Bunker procurou modernizar essa mecânica sem perder ao medo da escuridão. O gerador funciona como o óleo do candeeiro, que se esvai sempre que o utilizamos, mas a lanterna de bolso, outra das novidades de The Bunker, serve como um meio termo muito peculiar. Ao contrário do candeeiro de óleo, esta lanterna não está sempre ligada quando é ativada, é preciso recarregá-la. De certeza que tiveram uma destas lanternas, onde precisamos de dar à manivela para criar uma fonte de luz difusa e pouco definida, mas que ajuda a ver. Isto significa que a luz não é permanente e que temos de a recarregar constantemente enquanto exploramos o bunker. O ato de recarregar é barulhento e uma forma de captar a atenção da criatura. Devemos recarregar a lanterna ou ficar na escuridão? São estas escolhas que adoro em The Bunker, por mais simples e pouco surpreendentes que sejam.

Amnesia: The Bunker é um passo na direção certa e um culminar para todo o percurso da Frictional Games. É simultaneamente um regresso ao passado, como os alicerces para o que poderá ser o futuro da série. Como sequela, The Bunker reduz a escala dos anteriores, foca a sua ação num único espaço e traz-nos novamente uma narrativa que se constrói pelo passado e as notas que encontramos, mas é também o título mais emergente, livre e engenhoso da série – ao ponto de nenhuma campanha ser idêntica à anterior, com os códigos e posicionamento dos itens a mudar sempre que começamos uma nova partida. Existem elementos a aprimorar, mas The Bunker é uma vitória para a Frictional Games.

Só tenho pena de ter registado alguns problemas de desempenho, como artefactos nos cenários e até crashes que me fizeram perder quase uma hora de progresso. Fora isso, Amnesia: The Bunker é muito recomendado para os fãs de terror e aventura.

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Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Frictional Games.

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