Uma tentativa de reinventar a série sem desvirtuar as inspirações óbvias do título original, onde faltou criatividade na sua narrativa e na jogabilidade cansativa que nunca sabe o que quer ser.
Apesar do seu papel na génese do género de terror, Alone in the Dark é vítima do seu próprio legado. Se ajudou a definir, na sua estreia em 1992, os padrões e mecânicas que o género de terror viria a adotar – um mistério em torno de uma localização fechada, onde os puzzles dão acesso a chaves que abrem mais salas num enorme labirinto repleto de criaturas -, as sequelas, reboots e reinvenções limitaram-se a seguir a moda e a crescente popularidade dos seus rivais. Se Alone in the Dark influenciou Resident Evil e Silent Hill, entre tantas outras séries, o inverso não demoraria a acontecer. The New Nightmare procurou ser uma resposta à série da Capcom, ainda que com um foco na utilização de luz no combate e puzzles, sem encontrar um passo que deixasse florescer as suas próprias ideias. O que me leva a questionar: o que é Alone in the Dark?
A resposta mais segura seria apelidar a série de terror de sobrevivência, não fosse esse o seu legado, mas os requisitos não são cumpridos na sua totalidade. The New Nightmare talvez seja o título que mais se embrenha no estilo, sempre imitando e pouco interessado em inovar, mas se olharmos para a trilogia original vemos que o foco está na narrativa, na resolução de puzzles e no combate simplificado que procura dar destaque às personagens e às investigações que constroem cada um dos jogos. O reboot de 2008 é o desvio mais radical à fórmula, com mecânicas de sobrevivência – talvez o título que mais aposta nessa vertente com um UI diegético, através do casaco de Carnby, a possibilidade de curarmos feridas individualmente e a utilização surpreendente de fogo –, mas é também uma tentativa em transportar a série para um formato mais televisivo, hollywoodesco no seu sentido mais pejorativo e cliché.
Em 2024, a questão mantém-se. O que é Alone in the Dark? E como poderá a série de Frédérick Raynal coexistir com alguns dos seus rivais? Para a Pieces Interactive, a resposta foi simples: um afastamento estratégico. Alone in the Dark não é um tradicional jogo de terror e sobrevivência. Apesar de regressarmos à mansão de Derceto, novamente com a possibilidade de jogarmos com Edward Carnby e Emily Hartwood, o jogo parece mais interessado em recair sobre as suas origens no género de aventura. Uma escolha interessante, mas que levará certamente a um período de habituação para aqueles que esperam uma reinterpretação da experiência Alone in the Dark sobre a lente dos novos títulos de terror sobrevivência; nomeadamente o trabalho exímio da Capcom nos remakes da saga Resident Evil. Não será isso que irão encontrar neste reboot e na sua história com fortes inspirações lovecraftianas e terror gótico.
A mansão Derceto funciona, de facto, como o cenário principal para a trama de Alone in the Dark. Uma mansão repleta de segredos, salas fechadas, personagens misteriosas e um conjunto de puzzles que ditam a progressão do jogador. Enquanto jogo de aventura, Alone in the Dark aposta completamente na resolução de puzzles e na navegação da mansão para encontrarmos pistas e outras curiosidades para avançarmos a ação, numa vã tentativa em criar uma tímida investigação em torno do desaparecimento de Jeremy Hartwood. As inspirações no género noir e a ambiência de Nova Orleães servem a narrativa e o misticismo de Alone in the Dark, mas a campanha assume um formato demasiado linear que limita não só os soslaios vagos de horror na exploração e resolução de puzzles, como introduz alguma automatização na jogabilidade enquanto título de aventura.
Apesar do foco nos puzzles e na recolha de pistas, Edward Carnby não é propriamente o melhor detetive do mundo e a narrativa procura retirar partido disso, utilizando o seu estado mental fragilizado para construir alguma confusão e dúvida no protagonista. No entanto, a linearidade, aliada a certas opções de acessibilidade – como a possibilidade de jogarmos num modo intitulado Moderno, que ativam todas as pistas em campo – roubam o jogo de agência e uma maior inventividade dos obstáculos na mansão, visto que os puzzles são quase sempre restritos a um só local e munidos de tantas ajudas que é difícil falhar a sua resolução – à exceção de um puzzle, que ainda hoje não compreendo como o resolver, os restantes quebra-cabeças não exigem mais do que a nossa atenção. A campanha também revela esta estrutura rígida ao restringir a sua progressão a um puzzle de cada vez, roubando a surpresa por detrás das salas fechadas. Sabemos sempre que está um puzzle à nossa espera e que só ao resolvermos esse puzzle teremos acesso ao único item possível para abrir a única porta que falta abrir. Uma tentativa em criar um cenário de investigação que é diluído devido à aposta no horror que se esconde por detrás de Jeremy e da mansão Derceto.
Acredito que a linearidade e a ausência de tensão nascem, ironicamente, da tentativa em adaptar a ambiência e ansiedade do terror gótico. A mansão Derceto não é o único palco para a trama de Alone in the Dark e Edward e Emily não demoram a encontrar um amuleto que lhes permite saltar entre realidades. Estes saltos, que também podem ser momentâneos – numa tentativa falhada em injetar alguma surpresa e sustos fáceis, mas que falham devido aos problemas técnicos do jogo, que anunciam a alteração de realidade antes desta acontecer –, transportam-nos para cenários únicos e que procuram ser uma extensão de Derceto. Se a mansão constrói-se sobre uma lente mais familiar, e mais próxima ao que associamos ao terror de sobrevivência, já as realidades alternativas são trechos ainda mais lineares que se focam quase sempre na descoberta de um item ou de uma pista que nos leve para o próximo capítulo da campanha.
São cenários demasiado fechados, sem mapa e com a maioria dos caminhos fechados. Não há propriamente a possibilidade de explorarmos estas zonas e a ação toma uma vertente ainda mais linear. É uma escolha que serve a narrativa e que tenta explorar através do level design a multiplicidade de dimensões e a manipulação psicológica dos protagonistas, mas é um passo em falso no que toca à jogabilidade. A nível mecânico, estes saltos são antes um interregno, onde pouco ou nada é adicionado à ação, com a história a não conseguir sequer agarrar-nos através da enorme mitologia que tenta desenrolar na campanha.
De facto, Alone in the Dark é uma sucessão de escolhas peculiares e que revelam uma possível dúvida sobre a direção da campanha. A câmara está demasiado colada às personagens, ao ponto de tornar a movimentação claustrofóbica e prejudicar a visibilidade em salas mais pequenas. Os colecionáveis são um incentivo à exploração e assumem o formato de mini-coleções associadas ao desbloqueio de extras. Quando encontramos três colecionáveis da mesma categoria temos acesso a uma recompensa. No entanto, as recompensas ora são absurdas, como fechar a utilização da shotgun à recolha dos colecionáveis, ora são descartáveis ao proporcionarem aos jogadores pequenos trechos narrativos que pouco ou nada adicionam à campanha.
Outro sinal que Alone in the Dark está perdido entre na identidade é a inclusão de um combate completamente desequilibrado. Não existe um sistema de inventário, não temos de gerir os nossos recursos e o número de balas é tão acessível que nunca nos sentimos em desvantagem. O número de armas é limitado e pouco imaginativo – revólver, shotgun, tommy gun, flare gun – e o sistema de mira pouco satisfatório devido à câmara aproximada. A falta de impacto também retira algum peso aos confrontos e o dano não é registado nos inimigos, com as animações a lutarem entre disparos e a AI a não saber como reagir perante ataques. O desafio só surge quando o número de inimigos é elevado e tal só acontece em pontos específicos da campanha para motivar o jogador a fugir. A hitbox também é problemática e é fácil ficarmos presos entre os inimigos e os cenários devido ao ritmo em que sofremos dano. As ocasiões em que isto aconteceu foram mínimas, mas o suficiente para me fazer perder progresso sem ter espaço para lutar devidamente. A falta de variedade de inimigos e de designs mais interessantes prejudicam ainda mais o sistema de combate. O terror e design que associamos à obra de Lovecraft não podem ser a desculpa para criaturas são desinspiradas. Por fim, a presença de armas quebráveis podia ser um elemento interessante se existisse um maior equilíbrio entre os ataques físicos e a gestão de balas. No entanto, é fácil ignorar os paus, ferros, martelos e candelabros devido à eficácia das pistolas.
A série Alone in the Dark está presa a um ciclo inquebrável de regressos ao passado. Por mais que tente evoluir, o único escape continua a ser depender da aventura de Edward Carnby e Emily Hartwood para dar aos fãs uma injeção de nostalgia que pouco faz avançar a franquia no que toca ao seu papel no género de terror. No entanto, eu respeito a tentativa da Pieces Interactive porque é possivelmente a adaptação mais honesta da série, onde existe uma vontade sincera em contextualizar e modernizar as personagens e eventos da saga através de uma vertente mais centrada na investigação e na resolução de puzzles. O problema é tudo o resto; as más decisões na jogabilidade, o combate descartável, o desempenho inconsistente – repleto de bugs, slowdowns e freezes antes do Day 1 Patch, que foi a versão que mais testei –, a interpretação pouco sincera de David Harbour e Jodie Comer, a narrativa previsível e uma falta de criatividade no level design que condicionam a investigação que deveria estar sempre no centro da ação.
No fundo, a questão mantém-se: o que é Alone in the Dark? O que poderá ser esta série icónica em 2024 senão um mero reflexo do legado que não consegue superar? Infelizmente, a resposta não é a mais positiva, apesar dos seus esforços e sou obrigado a tecer a seguinte apreciação: The Sinking City e Call of Cthulhu são melhores Alone in the Dark.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Dead Good Media.