All Quiet on the Western Front é, de longe, uma das melhores obras de 2022.
Com o crescimento exponencial do streaming, seria inevitável que obras cinematográficas altamente antecipadas e com elevado valor de produção fossem parar ao pequeno ecrã caseiro ao invés das maiores salas de cinema. Apesar de sentir sempre pena de não assistir a determinados filmes no grande ecrã, defendo que um futuro pacífico e satisfatório para todos os espetadores passa por oferecer as duas opções. Assim, cada pessoa escolhe o “formato” que preferir e ninguém fica incomodado. Dito isto, All Quiet on the Western Front merece ser visto no maior ecrã e nas melhores condições sonoras possíveis, pois é, sem dúvida, um dos melhores filmes de 2022.
Realizado por Edward Berger, a obra possui automaticamente dois aspetos que, de alguma forma, prejudicam uma maior desfrutação da mesma para alguns espetadores. Mesmo desconhecendo o orçamento de All Quiet on the Western Front, todos os aspetos técnicos do filme “tresandam” a cinema grandioso, daquele que arrepia qualquer membro do público com os inúmeros momentos épicos e memoráveis. Por mais que um espetador tente, nunca conseguirá replicar a experiência de cinema em casa, “prejudicando” parcialmente a imersão cinemática. No entanto, a maior barreira passará pelo facto de ser uma obra alemã…
Não desejo tornar a crítica num artigo de opinião sobre a injustiça constante que flutua sobre filmes estrangeiros/com legendas, mas a verdade inegável é que muitos espetadores irão ignorar esta obra exclusivamente pelo facto da língua não ser inglês. Fosse All Quiet on the Western Front realizado por Sam Mendes, Christopher Nolan, Quentin Tarantino ou outro cineasta de Hollywood mundialmente reconhecido, até espetadores ocasionais eram capazes de reservar bilhetes numa sala IMAX esgotada durante um fim-de-semana inteiro, para além de saírem da mesma a considerar o filme “um dos melhores de sempre”.
Logo, não se deixem enganar: All Quiet on the Western Front é um must-watch deste ano. O argumento redigido por Berger, Lesley Paterson e Ian Stokell aborda os últimos anos da Primeira Guerra Mundial, seguindo um soldado alemão, Paul Bäumer (Felix Kammerer), entusiasmado por se juntar ao exército do país com os seus amigos na esperança de se tornarem heróis. Os argumentistas demonstram a crueldade, impiedade e brutalidade da guerra através de desenvolvimentos emocionalmente poderosos, provando que não existe um “lado bom” e “lado mau” num evento horroroso deste tipo.
All Quiet on the Western Front não possui quaisquer restrições narrativas nem visuais, sendo um dos filmes anti-guerra mais desconfortavelmente realistas que alguma vez testemunhei. Detalhes técnicos como o guarda-roupa ou maquilhagem conseguem um impacto surpreendente ao despejar soldados com pó, lama, terra, sangue e tudo o que impossibilite um uniforme de possuir um centímetro de tecido limpo. Sempre que a câmara se centra nas trincheiras, o ambiente gradualmente intensifica-se até inevitavelmente chegar o momento de uma nova sequência de ação impressionantemente cativante.
Eis que entra aqui uma das cinematografias mais extraordinárias dos últimos anos – não receber inúmeras nomeações será uma grande injustiça. James Friend, diretor de fotografia, utiliza takes longos e ininterruptos – tracking shots – para seguir a tentativa dos soldados em ganhar mais metros no campo de batalha aparentemente infindável. Desde a coreografia de todos os envolvidos – merecedora de tantos elogios como 1917 – ao trabalho de câmara em si, não esquecendo a banda sonora impactante de Volker Bertelmann, All Quiet on the Western Front faz inveja à vasta maioria dos blockbusters das últimas duas décadas.
Começamos com uma das sequências de abertura mais imersivas e tensas do ano, acompanhamos uma narrativa guiada por personagens distintas que passam por desenvolvimentos chocantes e terminamos com um final tematicamente rico que transmite a mensagem essencial: guerra não traz absolutamente nada de positivo para ninguém. Tudo através das lentes fascinantes de Friend e da direção firme de Berger. Ambos trabalham em conjunto brilhantemente, criando uma obra cinematográfica tecnicamente quasi-perfeita, mas o enredo principal não perde em nada para os detalhes visuais e sonoros.
Aproveitando as prestações soberbas e dedicadas de todo o elenco, All Quiet on the Western Front explora os diferentes métodos de cada soldado em lidar com os traumas da guerra. Há quem sinta a pressão ao início e se desmanche em lágrimas aos primeiros tiros e explosões. Há quem se deixe levar de tal forma pela violência que vira uma máquina homicida com um único objetivo: sobreviver. E há quem até comece a ceder psicologicamente ao ponto de se transportar para um mundo irreal onde os sonhos são possíveis de se concretizar.
É fácil de se criar um laço emocional forte com os soldados devido às suas personalidades relacionáveis e principalmente às suas motivações simples de regressar para junto daqueles que amam ou poder continuar com uma vida normal. All Quiet on the Western Front também faz um excelente trabalho na comparação frustrante entre as classes político-sociais. Enquanto milhões morrem a (supostamente) lutar pelo bem do país, passando fome e sede, os militares e políticos em posições elevadas dormem em camas confortáveis, comem em demasia e ainda atiram os restos para os cães. Tudo isto quando basta assinar um mísero papel para estabelecer a paz.
A hipocrisia política e até da própria violência da guerra em si é demonstrada da maneira mais perturbadora e cruel possível, passando a tal mensagem anti-guerra eficientemente. É difícil encontrar problemas em All Quiet on the Western Front, sendo que apenas a sub-narrativa política sofre por falta de espaço para se ser criativo, seguindo um caminho formulaico e pouco interessante. Numa obra de quase duas horas e meia, a duração longa é justificada, mas as transições entre a linha narrativa política mais lenta e a intensidade insana da guerra afetam ligeiramente o ritmo geral do filme. Fora isso…
All Quiet on the Western Front é, de longe, uma das melhores obras de 2022! Um épico anti-guerra emocionalmente poderoso que retrata a Primeira Guerra Mundial de maneira cruel, impiedosa, perturbadora e verdadeiramente traumática, através dos olhos gradualmente mais sensíveis de um soldado alemão. Duas horas e meia tensas, brutais e extremamente cativantes, em muito devido a uma das cinematografias mais impressionantes e chocantes dos últimos anos – Roger Deakins ficaria orgulhoso do trabalho magnífico de James Friend que merecia um grande ecrã. Banda sonora igualmente impactante. Prestações hipnotizantes.
Costumo evitar reações exageradas, mas após observar inúmeras listas de filmes do género, é difícil encontrar muitos que sejam superiores a esta adaptação brilhante de Edward Berger. Um dos melhores filmes de guerra do SÉCULO!
All Quiet on the Western Front está disponível na Netflix.
Pelo texto este filme já foi visto inúmereas vezes e aqui temos mais uma repetição do pensamento único. Estranhamente nunca se aplica ao Vietcong ou a guerra contra Hitler…porque será?
Agora façam Storm of Steel…este também escrito por um soldado da primeira guerra. Titulo original: “In Stahlgewittern”.
Aliáa Arte estaria em fazer uma junção dos dois.
E uns pozinhos de Adrian Carton de Wiart não ficariam mal.
Olá AlexS,
Obrigado pela leitura e comentário! Sinto vontade de justificar. Não entendo de onde vem o “Estranhamente nunca se aplica ao Vietcong ou a guerra contra Hitler…porque será?”… Não consigo perceber se a pergunta é retórica ou não. Se for, até agradecia que esclarecesse, visto que não entendo que tipo de bias pessoal é que teria de possuir para gostar de um filme sobre uma guerra e não de outra.
Os elogios a All Quiet on the Western Front não impede que elogie outros filmes sobre o Vietcong ou a WWII. É possível desfrutar de vários filmes de guerra. Da mesma maneira que é possível gostar de dois filmes de guerra parecidos que fazem ou seguem pontos narrativos semelhantes. A crítica é sobre este filme e decidi focar-me no mesmo, tal como o faria com Storm of Steel ou outro qualquer. Não sou fã do tipo de crítica baseada incessantemente na necessidade de comparar constantemente tudo o que aparece no ecrã e até é incomum ver este método utilizado para elogiar – maioria das vezes, apenas serve para rebaixar obras perfeitamente agradáveis ao usar o típico “este filme está longe do…” como se isso implicasse que o primeiro não tem mérito.
All Quiet on the Western Front, para mim, é um dos melhores filmes deste ano. Tal como um dos melhores filmes de guerra das últimas duas décadas – ênfase no “um dos”. Nos últimos 20 anos, saíram dezenas de excelentes filmes deste género e eu incluo esta obra de Berger na lista. Deixo apenas uma pergunta para o Alex: já viu o filme? Se sim, qual a sua opinião sobre o mesmo? Se não… não entendo porque veio tentar rebaixar uma obra que ainda não viu. Também fiquei curioso com o “pensamento único”… se puder esclarecer, agradeço!
Cumprimentos 🙂