Uma dúzia de bons álbuns chegam para resumir o mês de junho.
Mês esse definido por uma série de regressos aguardados, entre os quais Wolf Alice, Lucy Dacus, Kings of Convenience (ainda são vivos) e Tyler The Creator. Já Sault e King Gizzard Wizard Lizard nem um ano deixaram passar desde o último álbum lançado.
[Artigo de álbuns essenciais de maio]
Cedric Burnside – I Be Trying
Género: Blues Rock/Country Rock
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Com I Be Trying, pode-se concluir que Cedric Burnside está a deixar-se levar com o blues, dando-lhe o seu toque pessoal, enquanto mantém o respeito espiritual pelo legado hill-country, deixado pelo seu avô, o lendário R.L. Burnside. Para além do hill-country, também há claras influências de folk e roots rock.
A bagagem já é muita, tendo perdido o seu irmão, pai e mãe no espaço de cinco anos na década anterior, e isso reflete-se um pouco nas letras, duras e cruas. “The World Can Be So Cold” surge na sequência das suas perdas, refletindo o sentimento de aceitação após luto.
Enquanto este álbum não é o produto que o vai levar ao sucesso comercial, certamente que lhe vai dar algum estofo para o fazer em breve. Falta-lhe ser mais transigente e estou certo que ficará mais perto de se juntar a compatriotas no rumo para o sucesso no género, tal como sucedeu com Gary Clark Jr., Stevie Ray Vaughan, John Lee Hooker ou o seu avô R.L. Burnside.
Classificação: ★★★★
Músicas a ouvir:
> The World Can Be So Cold
> I Be Trying
> Keep On Pushing
> Pretty Flowers
Faye Webster – I Know I’m Funny Haha
Género: Indie Folk/Songwriter
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Apenas 23 anos, já quatro álbuns e muito sucesso, para alguém que produz música tão simples. Em 2019 conseguiu inclusive o 31º lugar no meu top 100 desse ano, com a música “Kingston”. Harmoniosa, sincera e com um ritmo muito próprio, Faye Webster consegue mais um trabalho de excelência mantendo a linha do álbum anterior.
As perspetivas para este ano são tão boas ou melhores que as criadas por Atlanta Millionaires Club, visto que este álbum é o mais refinado da artista até à data.
Ainda assim, apesar de Faye Webster ser líder no campeonato que joga, falta-lhe correr mais riscos e sair da sua zona de conforto, de forma a chegar onde merece estar: nos ouvidos e boca do mundo.
Classificação: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> Better Distractions
> In A Good Way
> Cheers
> A Dream With a Baseball Player
Griff – One Foot in Front of the Other
Género: Pop
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Griff (Sarah Griffiths) é um produto comercial, tudo bem. Contudo, é o produto comercial perfeito, pois tem tudo o que é preciso para ser a próxima super estrela de pop. Letras simples e relacionáveis pela vulnerabilidade partilhada (apesar de ainda faltar alguma profundidade, ainda tem tempo para apurar a escrita), melodias atrativas e eletrizantes que facilmente ficam na cabeça e uma postura muito consciente do que a rodeia.
Nascida e criada no Reino Unido de descendência jamaicana (geração Windrush) e chinesa (migração pós-guerra do Vietname), aprendeu desde cedo o valor do trabalho árduo e de saber controlar expectativas.
Aos oitos anos recebeu um iPod Shuffle com o álbum Fearless, de Taylor Swift, e foi aí que se apaixonou pela música. Nos anos seguintes, por iniciativa própria, decidiu começar a aprender sozinha as técnicas relacionadas com produzir e gravar música através de tutoriais no YouTube.
Através do controlo de expectativas que referi acima, sempre conseguiu manter o segredo do bichinho pela música bem guardado. Quando chegou a altura de decidir a carreira a seguir, pediu um gap-year e arriscou. O resultado está bem patente, seja no seu EP lançado em 2019, seja nesta Mixtape lançada agora (praticamente toda ela self-produced), que contribuiu para conquistar o Brit Award for Rising Star.
Classificação: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> Black Hole
> One Foot In Front of the Other
> Shade of Yellow
> Walk
Japanese Breakfast – Jubilee
Género: Indie Rock/Lo Fi
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Que álbum mais extático! Passa uma sensação inicial de curto e apressado, contudo prefiro olhar para Jubilee como uma experiência musical sucinta e objetiva.
Quem diria que um projeto que teve início no tumblr, como muitos outros que conheci enquanto tive o meu blog de partilha de música ativo, chegaria a este ponto tão glorioso.
Japanese Breakfast está a começar a florir… e de que forma! Começa com um pouco de “Paprika” a condimentar um álbum que começa a passo acelerado e termina com “Outro”, que faz ode às guitarras elétricas digna durante três minutos ininterruptos.
Não conhecia bem este projeto, mas fiquei fã.
Classificação: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> Paprika
> Be Sweet
> Slide Tackle
> Posing For Cars
Joan Armatrading – Consequences
Género: Pop/Blues
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A um ano de celebrar os 50 anos de uma bela e próspera carreira, somos presenteados com o 20º álbum de Joan Armatrading. Apesar do auge de carreira e popularidade ter sido durante os anos 80, Joan continua a escrever e a produzir como se estivesse a começar a carreira, trazendo sempre algo fresco e com tal amplitude que só melhora a cada reprodução. Consequences não é exceção, antes pelo contrário: é o melhor trabalho da artista dos últimos anos.
Ouçam o que “Nunca é tarde demais” significa, é hipnotizante o quão equilibrado este álbum é.
Classificação: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Natural Rhythm
> Already There
> To Be Loved
> Glorious Madness
King Gizzard & The Lizard Wizard – Butterfly 3000
Género: Neo-Psychedelia/Dream Pop
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O resultado na mistura da neo-psychedelia e o dream pop é qualquer coisa de sensacional e a banda australiana não desilude. Continua a haver uma desordem na linha condutora em cada álbum que lançam, ainda que atenuada em Butterfly 3000, mas creio que é hora de assumir que para os King Gizzard é algo normal e recorrente.
Algo que me saltou à atenção é que, ao longo do álbum, mantêm um sample meio oriental em praticamente todas as músicas. O ponto negativo é que, por vezes, perdemo-nos ao longo de Butterfly 3000; já o ponto positivo é que o sample é agradável e permite que entremos num estado de espírito de reflexão e contemplação sem qualquer distração proveniente de uma música a destoar do resto do álbum (como aconteceu em K.G.).
Classificação: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Shangai
> Dreams
> Blue Morpho
> Interior People
Kings of Convenience – Peace or Love
Género: Indie Folk/Bossa Nova
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Ainda me lembro de estar no secundário e ver o Declaration of Dependence ser lançado e recebido com grande entusiasmo, numa década em que os Kings of Convenience se estrearam com três álbuns num curto espaço de tempo. Entrei na universidade e percebi que a banda, apreciada por muitos, não tinha limitações geográficas o que me encheu o coração.
Infelizmente, foram precisos esperar 12 longos anos por um novo álbum do duo norueguês.
Felizmente ele surgiu, chama-se Peace or Love e transporta consigo bonitas melodias só como os Kings of Convenience sabem compôr. Enquanto a crítica subia as expectativas com a esperança de algo revolucionário, como se este hiato tivesse sido planeado para desenvolver algum género de fórmula secreta em laboratório, eu só queria mais um álbum destes artistas únicos. Todos os que queriam o mesmo que eu saíram felizes, pois Peace or Love é o álbum mais coeso e com mais maturidade até à data do duo.
Nota para a participação de Feist, que trouxe um toque harmonioso e angelical que dotou as músicas em que participou de valor acrescentado.
Classificação: ★★★★½
Músicas a ouvir:
> Rumors
> Angel
> Fever
> Catholic Country (ft. Feist)
Lucy Dacus – Home Video
Género: Indie Rock/Bedroom Pop
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Não me canso de dizer isto, mas Boygenius foi a melhor banda formada nos último anos. Procurem onde quiserem, dificilmente vão encontrar uma banda cujos todos os membros têm carreiras a solo tão bem sucedidas em início de carreira. No espaço de um ano, tivemos Punisher de Phoebe Bridgers, Little Oblivious de Julien Baker e, agora, Home Video de Lucy Dacus.
Home Video, produzido com ajuda de Bridgers e Baker, é um álbum tão bonito quanto poderoso, que serve na perfeição para transportar o legado de Historian (2018) – que lançou a música “Night Shift” para o meu Top 100 de 2018.
Numa instância final, mais específica, Home Video é um álbum proporcional à fase em que Dacus se encontra na vida. Ao longo de 11 capítulos, a artista partilha connosco páginas do seu diário relativas a memórias, sempre com a sua perspetiva emocional bem patente.
Em 2019 tive o privilégio de a ver no Primavera Sound, pelo que espero que não tenha sido caso isolado, pois daqui para a frente Dacus só vai continuar a florir na artista fantástica que está destinada a ser.
Classificação: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> Hot and Heavy
> First Time
> VBS
> Thumbs
Marina – Ancient Dreams In a Modern World
Género: Electropop/Bubblegum Pop
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Mais um álbum eletrizante da artista galesa de electropop, Marina Diamandis. Mesmo sabendo que Marina tem Madonna como ídolo e Space Girls, Britney Spears e S Club 7 como influências, é evidente que a música produzida por ela tem um ritmo que vem desafiar o género, pois enquanto não se enquadra no electropop a 100%, também fica ligeiramente distante do pop convencional.
Neste álbum, ao contrário de trabalhos passados como Electra Heart (2012), não tem o mesmo ritmo típico galês, mas não desiludi. De todo. Na minha opinião até acaba por ser uma adaptação inteligente, uma vez que a aproxima mais do panorama comercial. Só mas espanta é como é que ainda não “rebentou” fora do Reino Unido.
Classificação: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Venus Fly Trap
> Man’s World
> Purge The Poison
> Pandora’s Box
Sault – Nine
Género: Neo Soul/Grind
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Incognitos para o mundo, assim o continuaram a ser quando se lançaram para o mundo com dois álbuns carregados de ímpeto e vontade de ver mudança na mentalidade das massas, na sequência do movimento BLM. Este ano, os Sault lançam o 5º álbum em três anos, e continua a não saber-se absolutamente nada sobre os membros do coletivo (?), exceto que são do Reino Unido. Não acreditam em mim? Dêem uma vista de olhos na página da banda na maior enciclopédia online, a Wikipédia.
Comecei por insistir neste ponto, porque é incrível como chegaram a este ponto sem sair do anonimato, mas adiante. Nine aproveita para continuar a tocar em temáticas raciais pontualmente (“And we don’t trust these cops / Tell me who’s taking shots, shots, shots / I wanna be free”), mas dá uso a força das palavras para temáticas urbanas mais gerais, brincando com elas de forma a criar músicas um pouco diferentes do que ficámos habituados no ano passado. Subitamente, o funk dilui-se um pouco criando espaço para o grind britânico, que confere camadas mais cruas a uma série de faixas deste álbum.
Pode-se dizer que este álbum não se foca num género condutor e tem um pouco de tudo. Há ótimas individualidades, mas não funciona tão bem quanto os seus antecessores.
Classificação: ★★★★
Músicas a ouvir:
> Bitter Streets
> You From London (ft. Little Simz)
> 9
Tyler, The Creator – Call Me If You Get Lost
Género: Hip-Hop/Rap
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Tyler, The Creator é um dos meus rappers preferidos pelo simples facto de se conseguir reinventar e trazer algo novo a cada álbum, e Call Me If You Get Lost não é exceção. A criatividade e capacidade de produção fazem de Tyler um artista bastante completo, a polémica que cria pela sua presença sem filtro e carregada de extravagância ajudam a criar uma persona ímpar no mundo do rap.
Call Me If You Get Lost consegue capturar toda a qualidade lírica do Tyler, que continua a mostrar quem ele realmente é. Para além disso, é um produto mais denso e maturo que os anteriores.
Este álbum só peca por ter uma ou outra faixa de destoam da essência do álbum, mas o peso deste pequeno pormenor passa despercebido.
Classificação: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> LEMONHEAD (ft. 42 Dugg)
> WUSYANAME (ft. Youngboy Never Broke Again & Ty Dolla $ign)
> LUMBERJACK
> HOT WIND BLOWS (ft. Lil Wayne)
> SWEET / I THOUGHT YOU WANTED TO DANCE (ft. Brent Faiyaz & Fana Hues)
> WILSHIRE
Wolf Alice – Blue Weekend
Género: Alt-Rock/Shoegaze
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“Last but not least…” – altura perfeita para dizer isto.
Sem aviso prévio, os Wolf Alice começaram a trilhar caminho para o sucesso global. Caminho esse que foram pavimentando ao longo da última década. É fantástico ter assistido a esta progressão que começou com um sonho chamado “Fluffy”.
Blue Weekend é o novo álbum da banda londrina, que chega de mansinho, mas facilmente se percebe que o estofo de banda grande está lá.
A voz incrível de Ellie Rowsell faz metade do trabalho, adaptando-se a sonoridades e abordagens muito distintas. No entanto, muito crédito para a produção instrumental, que teve mão de Markus Dravs (produtor dos Arcade Fire). Numa última instância, mérito para a banda em si, que mete o carácter e humanismo em primeiro lugar, não produzindo música apenas para vender, mas, sim, para passar algo genuíno e com significado para os fãs.
Este álbum, que parece uma coletânea (uma das boas), reserva assim um lugar para os Wolf Alice no Hall of Fame do Rock, que só não será preenchido se algo de muito fora do normal acontecer.
Blue Weekend é, sem dúvida, um forte candidato a álbum do ano.
Classificação: ★★★★★
Músicas a ouvir:
> Delicious Things
> Lipstick On The Glass
> How Can I Make It OK?
> Play The Greatest Hits
> Feeling Myself
> The Last Man On Earth
> The Beach II
Mais uma vez, um mês muito forte a nível de qualidade de novos álbuns, tanto que os melhores álbuns de ★★★½ e alguns de ★★★★ ficaram de fora, coisa que nunca me tinha acontecido em ano e meio de artigos.
Sendo sincero, tirando I Be Trying, Ancient Dream In a Modern World e Nine, devo ter ouvido cada um dos álbuns presentes neste artigo perto de 10 vezes. Blue Weekend passou as 10 reproduções, que masterpiece.
Desabafo feito, voltarei em breve para falar de julho!