Ocasionalmente divertido, mas repleto de modos que pouco adicionam à fórmula clássica, Air Twister é um projeto tão estranho, como nostálgico.
O que pode Yu Suzuki fazer mais ao fim de 40 anos de carreira? O ex-produtor da SEGA, que fundou a Ys Net em 2008, revolucionou a indústria dos videojogos através de alguns dos maiores e melhores sucessos dos salões de jogos, contando com títulos como Hang-On, Shenmue, Space Harrier, entre outros, no seu impressionante currículo. A sua marca é incalculável, um ícone entre ícones, um símbolo da filosofia de design que marcou a produção japonesa durante décadas, mas Suzuki continua a sua busca pelo ideal interativo. Mas qual é o seu lugar na indústria que ajudou a moldar? O que poderá afinal Suzuki fazer depois de tantos sucessos e derrotas? Segundo Air Twister, a resposta está em reviver o passado.
Se Shenmue III foi uma sequela que levantou mais questões do que aquelas que respondeu, revelando Suzuki como um produtor perdido no tempo – preso a ideias arcaicas de design e que contrastam com o que assumimos agora do género de ação e aventura -, Air Twister é um projeto muito mais peculiar na forma como abraça abertamente o passado de Suzuki. Basta olharmos para uma imagem de Air Twister para compreendermos que é uma sequela espiritual de Space Harrier. A jogabilidade é semelhante ao clássico da SEGA. Com uma perspetiva na terceira pessoa, onde a câmara é posiciona atrás da personagem, Air Twister procura emular o efeito 3D através da profundidade dos cenários em scroll automático, onde temos de evitar projeteis, inimigos e até o próprio cenário enquanto arrecadamos uma pontuação máxima. Air Twister apresenta uma nova personagem e um novo mundo de fantasia, que tentam a todo o custo criar alguma distância da série adormecida da SEGA, mas basta retirarmos a nova tinta para percebermos que o motor que comanda esta nova franquia da Ys Net é a mesma que encontrámos em 1985.
As semelhanças mecânicas entre Air Twister e Space Harrier não são um problema, antes pelo contrário. A jogabilidade é intuitiva e responsiva, tal como deveria ser, com a princesa Arch a apresentar uma ótima liberdade de movimentos ao longo do ecrã. Existe uma boa fluidez nos controlos e Air Twister mantém as suas mecânicas o mais clássicas possíveis, ainda que implemente algumas melhorias que procuram transportar a jogabilidade tradicional para a modernidade. Os passos são tímidos e conseguimos sentir que Suzuki nunca procurou criar algo que não se encaixasse no molde de Space Harrier, mas existem influências de outros jogos on-rails, como Panzer Dragoon, ou de outros shooter espaciais, como Layer Section, através da implementação de um ataque lock-on. Ao contrário de Space Harrier, onde temos de atacar individualmente as naves e criaturas inimigas e acompanhá-las ao longo do ecrã, em Air Twister conseguimos marcar os nossos adversários e soltar um ataque rápido que destrói tudo o que estiver marcado. Uma adição simples, mas que corta alguma da frustração provocada pela perspetiva que a Ys Net não conseguiu resolver nesta modernização da jogabilidade de Space Harrier.
O que também é mais moderno é a forma como Air Twister procura manter-nos investidos ao longo de várias horas. A campanha é curta e clássica no seu ADN, com os 12 níveis a poderem ser terminados em 30 minutos – dependendo do vosso desempenho. A dificuldade injeta alguma longevidade à campanha curta, com os níveis finais a ficarem mais intensos – com padrões mais complexos de inimigos e projéteis a desafiarem a nossa coordenação e rapidez de movimentos –, tal como a possibilidade de desbloquearmos novos modos – como o clássico Arcade -, mas Air Twister aposta também num sistema de evolução inesperado. Tendo em conta a jogabilidade e níveis curtos de Air Twister, não conseguia prever que iria encontrar um enorme tabuleiro repleto de habilidades, atributos, fatos e até armas para desbloquear. O tabuleiro divide-se por vários padrões e pode ser desbloqueado através de estrelas, que funcionam como as moedas de Air Twister. Para termos acesso a estrelas, temos de destruir grupos de inimigos ao longo dos níveis.
Apesar de ser uma adição interessante que injeta alguma longevidade e variedade a uma jogabilidade clássica e sem grandes segredos, a verdade é que a skill tree é mais ruidosa do que aparenta ser. A maioria das casas guardam apenas itens cosméticos para personalizarmos Arch e muitos desses itens são semelhantes entre si, alterando quase sempre a cor e pouco mais. Depois temos o desbloqueio de atributos mais permanente e que se refletem na jogabilidade, como o aumento dos pontos de vida de Arch e o maior número de lock-ons, que tornam a campanha ainda mais fácil do que já é no modo normal. As novas armas e acessórios tentam adicionar alguma variedade à jogabilidade, com a possibilidade de abrandarmos temporariamente o tempo ou então utilizarmos ataques de área que atacam todos os inimigos em simultâneo, mas nem sempre sentimos a necessidade de utilizar estas opções. Na verdade, não existem muitos motivos para continuarmos a jogar depois de terminarmos a campanha num dos modos principais. Muito ruído e poucos motivos para continuarmos investidos.
Mas Air Twister quer mesmo manter a nossa atenção. Fora os modos principais, temos também modos secundários que tentam tirar partido da jogabilidade de Air Twister até ao tutano. Num dos menus, que são prejudicados por uma UI desinteressante e claramente pensada para os dispositivos mobile – Air Twister foi lançado primeiro para iOS e Android em 2022 –, encontramos modos como Turbo Mode (maior velocidade), Tap Breaker (destruir cubos por ordem numérica), Extra Stage (um nível mais longo e desafiante) e o clássico Boss Rush (enfrentar os bosses, um a um). Fora estes modos adicionais, existem ainda tarefas diárias, mensais e de progresso para completarem em troca de mais estrelas e tokens.
Apesar da sua base sólida, que funciona eficazmente como uma evolução tímida da jogabilidade de Space Harrier, Air Twister é uma experiência fugaz. É a modernização de um género pensado para os salões de jogos e para as consolas de 16 bits, onde a busca pela melhor pontuação e a satisfação de concluirmos a sua campanha eram os únicos incentivos que necessitavam. Air Twister vem munido de inúmeros extras com o intuito de roubar o vosso tempo e manter-vos investidos até ao exagero – um dos troféus do jogo exige que joguem durante 100 horas, algo que me parece ser inconcebível mesmo com tantos modos de jogo –, mas a única coisa que vale realmente a pena é a sua campanha normal: destruir inimigos, evitar projéteis e derrubar bosses gigantescos ao som do que parece ser uma ópera rock psicadélica que injeta alguma personalidade ao jogo.
O que poderá fazer Yu Suzuki ao fim de 40 anos de carreira? A resposta, para já, fica-se pela repetição do seu passado, talvez em busca de algo novo ou então do aperfeiçoamento dos títulos que cimentaram o seu nome na história dos videojogos. E isso é errado? Para o criador de Shenmue, Out Run, Virtua Fighter? Não. É merecido.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela PR Hound.