Três séculos depois do jogo original de samurais da Sucker Punch, Ghost of Yōtei apresenta uma nova tela, com novas paisagens, novas histórias e novos protagonistas, naquele que é mais um mundo aberto de cortar a respiração e dos mais bem concretizados desta geração.
De tempos a tempos, lá termino um jogo em que dou por mim a olhar para o teto enquanto ouço as músicas dos créditos e tento absorver toda aquela catarse de ter chegado ao fim de mais uma aventura memorável, na qual me colei intensamente durante dezenas de horas quase de rompante. Um sentimento, que, nas horas e dias seguintes, se transforma numa espécie de melancolia e de saudade, que normalmente me deixa desorientado e a questionar sobre o que jogar, ver ou ler logo a seguir, sabendo que, por muito que procure, nada vai preencher este pequeno vazio, pelo menos a curto prazo. Ghost of Yōtei foi o mais recente jogo a provocar tudo isso, juntando-se ao panteão de excelentes jogos com experiências narrativas incríveis que já tivemos este ano, como foi o caso de Clair Obscur: Expedition 33 ou Death Stranding 2: On The Beach, tornando a minha escolha pessoal para GOTY muito mais complicada.
Para aqueles que esperam ansiosamente pelo lançamento de Ghost of Yōtei para a PlayStation 5, as minhas palavras poderão ser uma excelente notícia, pois vão ter, garantidamente, um jogo que vai corresponder a qualquer uma das suas expectativas. Mas, para mim, foi uma incrível surpresa, daquelas que revigorou a minha ótica face ao seu antecessor, Ghost of Tsushima, também ele desenvolvido pela Sucker Punch. Para ser completamente honesto, e ainda que seja um excelente jogo, nunca fui um verdadeiro fã da sua versão de “cinema samurai”. Na verdade, apesar de o ter completado várias vezes, pouco ficou registado na minha memória para além do seu conceito e mecânicas. Portanto, pode-se concluir que Ghost of Yōtei é um jogo bastante diferente do seu antecessor, ao ponto de me ter deixado tão enamorado com aquilo que me ofereceu… certo?
Ghost of Yōtei é um novo capítulo da série “Ghost Of” da Sucker Punch, ou seja, existe no mesmo universo, mas tem uma história completamente nova, assim como personagens e localizações. No fundo, aproxima-se quase de um registo antológico, como um Final Fantasy, onde mitologias, técnicas de worldbuilding e de direção, assim como pilares fundamentais da sua jogabilidade, são partilhados, ainda que, claro, com uma ligação um pouco mais enraizada pelo mundo partilhado. Mas isto também lhe confere uma qualidade fantástica para quem nunca jogou Ghost of Tsushima, porque pode começar logo a jogar Ghost of Yōtei sem perder completamente nada.
Fundamentalmente, Tsushima e Yōtei partilham os mesmos pilares. São jogos de ação na terceira pessoa em mundo aberto, passado no Japão histórico, numa era de samurais, shinobis e xogunatos. A jogabilidade é semelhante, a exploração do seu mundo também, as mecânicas de combate e elementos de personalização mantêm-se familiares, assim como toda a sua “genética”. Onde Yōtei realmente difere, para além dos aspetos óbvios que já apontei, é que é um jogo muito mais polido, bem dirigido, bem concebido e, em parte, até mais bem escrito – ou pelo menos, apresenta uma história bem mais interessante, cativante e bem trabalhada em contexto do jogo que apresenta.
Ao longo das minhas 60 e muitas horas que demorei a completar a sua campanha, com quase todos os cantos da região de Ezo explorada (atualmente conhecida como Hokkaido), havia um pensamento que pairava sobre a minha mente e que ficou cada vez mais claro. Ghost of Yōtei tem um excelente mundo aberto. Aliás, Ghost of Yōtei tem um dos mundos abertos mais bem concebidos dos últimos anos. Não porque se trata de um mundo/mapa muito grande ou extenso, ou por estar exageradamente cheio de coisas, ou por ser muito variado, etc… mas precisamente pela forma tão equilibrada como está alimentado e como é contextualmente utilizado em função da progressão narrativa, convidando à exploração e participação em atividades e missões extra, sem nunca nos desviar do caminho dourado, ou, neste caso, das pétalas douradas de Ghinzo.
A saturação por jogos de mundo aberto não é um sentimento novo, tanto pessoal, como nas comunidades de jogos. Nos últimos anos, com a ascensão de jogos vivos (Games as a Service) e títulos de referência de produtoras como a Ubisoft – que vieram quase tirar o lugar da saga GTA quando pensamos em mundo aberto -, os jogos de mundo aberto tornaram-se francamente chatos, sem rumo e cheios de entulho. Nesta ótica, divido-os em duas grandes categorias: jogos de mil e uma missões para “farmar” créditos e pontos; e jogos sandbox, que se apresentam como caixas de areia experimentais para usar ferramentas e habilidades dos jogos. Ambos os casos têm as suas virtudes e podem resultar em excelentes jogos, mas a maioria, especialmente os do primeiro exemplo, são saídas fáceis para entulhar o jogo na esperança de reter a atenção do jogador de forma quase artificial durante mais horas e, por vezes, com dinheiro real em desbloqueios de itens virtuais – quando às vezes não são mesmo pedaços de história. E algo que estas duas categorias têm dificuldade em oferecer é simplesmente um foco narrativo com histórias de altas produções e de teor mais cinemático e emergente. Se uma categoria distrai com torres para subir e fetch quests banais em jogos como Far Cry e Assassin’s Creed, a outra categoria larga-nos desamparados e diz-nos “desenrasca-te”, como um Elden Ring ou os novos The Legend of Zelda, requerendo um nível de investimento pessoal bastante divisivo. Ghost of Yōtei opta, então, por não se inserir necessariamente em nenhum destes dois casos, ao apresentar-se como uma experiência tradicionalmente mais linear e orientada, não esquecendo as oportunidades que contribuem para urgência e liberdade do jogador num mundo aberto. Ou seja, apesar dessa natureza, a sua estrutura até se aproxima bastante do God of War (2018).
Ghost of Yōtei não seria o jogo que é sem Ghost of Tsushima, da mesma maneira que, recentemente, Death Stranding 2 não seria o jogo que é sem a sua primeira parte. A Sucker Punch não se limitou a repetir a fórmula com uma nova camada de conteúdos visuais ou narrativos, ou de melhorar aquilo que já funcionava bem. Fez algo que considero mais arriscado e difícil: melhorou o que já estava bom e, em alguns casos, sacrificou algumas coisas boas por outras que considero melhores, ou pelo menos mais bem executadas.
Um ótimo exemplo disto diz respeito a alguns elementos de exploração que definiram a experiência Ghost of Tsushima, como as raposas em tocas rodeadas de pirilampos que brilham de noite e que nos levam a altares, ou os passarinhos que cantam quando passam por nós e orientam-nos até mais uma bela terma de reflexão. Não só estes elementos continuam presentes, assim como o vento guia, como deixaram de ser meros pontos para riscar numa checklist, tornando-se ainda mais interessantes, complexos e convidativos ao envolvimento do jogador, levando-nos quase sempre a pequenas mini-sidequests. Por vezes, as raposas pedem-nos ajuda a resgatar animais amigos, ou levam-nos a um confronto antes de chegarmos ao altar que nos oferece mais um útil amuleto. Já as idas às termas são jornadas por caminhos escondidos até pontos de real interesse, com alguns a fazerem uma proposta final que desbloqueia um pequeno evento visual. Para além disso, temos trocas de elementos, como, por exemplo, os Haikus de Jin, que aqui são substituídos por momentos relaxantes de pinturas de pontos de interesse com recurso ao trackpad do DualSense; a adição de pequenos quebra-cabeças; o uso do Shamisen (a guitarra de Atsu) que invoca o vento para sítios chave; e a introdução das libertações de lobos que aumentam a confiança de uma loba aliada que pode surgir durante combates para nos ajudar; entre outros. Outro elemento bastante familiar aos jogadores de Tsushima eram os combates cinemáticos com outros espadachins espalhados pelo mapa, que estão de regresso, mas apresentados com mais substância narrativa e variedade na sua apresentação.
Assim, mais interessante do que perceber o que Yōtei faz melhor ou pior do que o seu antecessor, é observar que há a quantidade variada de eventos e elementos inseridos aqui, em troca de uma quantidade mais modesta de cada um deles, transformando todas estas pequenas atividades muito mais diversas e interessantes de explorar.
O mapa de Ghost of Yōtei é grande, mas não o suficientemente para nos deixar ansiosos quando pensamos em completar tudo ou tornar a nossa personagem mais forte desde muito cedo. De acordo com o diretor do jogo, Nate Fox, numa entrevista ao canal MinnMax, o seu mapa é sensivelmente da mesma dimensão que Tsushima. E tendo explorado todos os cantos dos dois jogos, confirmo que é mais ou menos esse o sentimento com que fiquei. O que os torna diferentes são a sua estrutura, com Yōtei a apresentar um mapa dividido por vários distritos: um central, dois ligados por largos corredores (caminhos), e outros dois mais a norte cuja viagem refletem uma aventura mais linear – sendo a região mais a norte separada por um rápido loading de um segundo. Não é, de facto, um mapa muito tradicional, pronto a ser completamente explorado, com a Sucker Punch a pegar no seu formato com uma oportunidade fantástica de orientar o jogador durante dezenas de horas sem que este sinta a necessidade de fazer grandes jornadas para trás e para a frente – algo que, quando é necessário, o fast travel resolve num piscar de olhos.
Em vez de continuar em comparações a Ghost of Tsushima, pego agora num outro jogo recente cuja temática é bastante semelhante, Assassin’s Creed Shadows, no qual após tantos anos em jogos de mundo aberto, a Ubisoft continua a cometer vários erros capitais. Entre a entrega de dezenas de missões, com limites e barreiras – iludindo-nos com opção de escolhas e indicando-nos para objetivos em pontas opostas do mapa -, a sua navegação, orientação e incentivo à exploração perdem-se em desvios demorados e, por vezes, frustrantes – tudo aliado a mapas exageradamente grandes e dispersos. Contrariamente, Ghost of Yōtei melhora a exploração do mapa em relação a este exemplo e até ao primeiro jogo, evoluindo, até, na forma como abordamos todos os objetivos, agora muito mais bem distribuídos pelo ambiente.
Correndo o risco de me repetir, a exploração de Ghost of Yōtei é elegantemente equilibrada com o seu progresso narrativo. A história arranca com Atsu, já adulta, após a eliminação de Snake, um dos Yōtei Six – grupo de guerreiros anti-sistema liderados por Lord Saito, responsável pelo assassinato da família da protagonista quando era criança. Após ter passado vários anos no sul, Atsu, agora mercenária, regressa já com alguma popularidade na região de Ezo, enquanto Onryo, um fantasma/espirito – que dá obviamente o nome ao jogo. Visitamos a sua antiga casa abandonada, nas planícies de Ezo, com vista para o monte Yōtei, onde Atsu revive algumas memórias: as boas, com os pais e o irmão gémeo, e as piores, da noite fatídica em que tudo aconteceu. Apesar de não ser um hub central, é um espaço que vamos revisitando ao longo do jogo e que se vai transformando, curando e evoluindo à medida que a história se desenvolve.
Nas planícies de Ezo, o jogo começa por propor-nos um caminho a seguir, através de uma investigação. Sem marcadores ou pontos de interesse, Ghost of Yōtei dá-nos aquele arrepio de liberdade desamparada, mas por pouco tempo. Interação atrás de interação, combate após combate, o mapa começa a abrir-se, a receber novos pontos de interesse, mas sem nunca nos saturar. Mais importante do que isso, o jogo começa a apontar-nos em vários caminhos dourados, sendo que, na realidade, vários são percorridos de forma bastante linear, como já mencionei com a estrutura do mapa.
O maior trunfo da exploração de Ghost of Yōtei não recai na quantidade objetivos e pontos de interesse do mapa, mas sim no cuidado equilibrado e na forma como tudo está distribuído. Ir de ponto A a ponto B torna-se numa aventura preenchida de peripécias e objetivos simples de limpar, que não ocupam muito do nosso tempo, com a jornada no mapa a traçar-se como uma constelação. É quase impossível ignorar todos esses elementos tornando cada sessão no jogo extremamente rica, mesmo quando não nos dedicamos à sua história principal.
Quanto mais desbloqueamos, também mais acessível o jogo se torna e abandona algumas das suas mecânicas. Quem assistiu aos trailers e à demo do State of Play recordar-se-á, por exemplo, dos inquéritos feitos após alguns combates. Estes momentos não existem com a quantidade que eu esperava, e a certa altura nunca mais pensei neles, isto porque é uma mecânica que só existe realmente quando há novas narrativas principais por explorar. A partir do momento em que Atsu descobre a alegada localização dos Yōtei Six, isto deixa de ter importância, transformando um pouco a forma como interagimos ou navegamos pelo jogo. O mesmo pode ser dito com a busca por pontos de interesse, com porções do mapa que podem ser comprados a Isaburo, um cartógrafo rabugento presente em várias estalagens ou quando fazemos uma fogueira. Até aqui, os mapas que vende só ficam disponíveis de acordo com o progresso da história, revelando um cuidado enorme na cadencia do progresso. Isto também se aplica ao Bounty Hunting proposto por Kojiro, que se apresentam como algumas das melhores missões secundárias do jogo, levando-nos, por vezes, por locais únicos e que também são desbloqueadas de acordo como avançamos na história.
Outro aspeto fantástico de Ghost of Yōtei é o tempo que nos incentiva a passar em cada uma das regiões, com histórias principais e secundárias extremamente envolventes, ao ponto de, quando as terminamos, parece que jogámos todo um jogo inteiro, até porque cada uma das áreas tem o seu bioma, cultura, estática e, até, interessantes gimmicks ambientais. Destaca-se em particular uma região num vale, no qual durante algumas horas, a caminho do próximo alvo, temos um momento de slice of life, onde conhecemos e ajudamos membros de uma tribo com a sua própria cultura, ao mesmo tempo que enriquece a história e personalidade de Atsu.
Também o desbloqueio de armas e de habilidades ao longo da jornada tornam a exploração e o envolvimento emocional com as suas histórias extremamente cativantes, com o jogo constantemente a oferecer mais formas de ser jogado. É, de alguma forma, muito semelhante ao jogo anterior, onde desbloqueávamos as diferentes poses de ataque, mas, em Yōtei, esse formato foi repensado e transformado em diferentes armas com estilos de luta igualmente diferentes. Há a Espada do Lobo, com o uso da catana normal; o recurso a catana Dupla; o uso da Yari, que é a lança; o uso da Kusarigama, que é uma foice com corrente; o uso da Odachi, que é uma espada mais longa e pesada; para não esquecer as várias armas de disparo, que vão sendo introduzidas quando a história assim requer. Até uma das habilidades mais interessantes do primeiro jogo – aquele sistema de detetive útil para sessões de stealth – só me foi desbloqueada muito tarde na história, transformando por completo a forma como até ali recorria à ação furtiva. Tudo é apresentado a seu tempo, com a devida utilidade e ajustado à progressão narrativa – um aspeto ao qual dou graças e faço questão de reforçar a sua importância, especialmente depois de Death Stranding 2 não ter aproveitado o seu leque de oportunidades mecânicas durante a sua história principal.
A premissa de Ghost of Yōtei é simples e clássica. É uma história de vingança, de crescimento e redenção, com reviravoltas e surpresas emocionantes, que, mesmo que possam parecer previsíveis, são bastante bem trabalhadas, têm peso e alteram a forma com lemos a sua história e tentamos imaginar o que vem a seguir. Este aspeto é sustentado não só pela forma como avançamos pela história e podemos dar prioridade a pelo menos dois grandes ramos narrativos que eventualmente convergem, como pela escrita das personagens, especialmente Atsu, que para além das suas vitórias também falha, é impulsiva e toma decisões difíceis que mexem com os nossos sentimentos. Qualidades que também são aplicadas ao restante elenco de personagens principais e secundárias, NPCs que nos acompanham e, até, aos vilões, que apesar de terem um tempo de antena mais reduzido – uma vez que jogamos na perspetiva de Atsu -, quando surgem no ecrã revelam-se personagens bastante densas.
Um aspeto que também acho que ajuda muito mais a tornar Ghost of Yōtei tão cativante é que tudo recai num ângulo mais pessoal e íntimo, e menos nos aspetos geopolíticos do mundo que se situa. Em Yōtei, existem duas grandes fações, os Matsumae e os seguidores de Lord Saito, mas apesar da sua importância e envolvência na história, nunca é algo que realmente se sobreponha à verdadeira premissa do jogo: a vingança de Atsu e o caminho que percorre. Algo que não senti em Ghost of Tsushima, do qual me recordo mais da invasão Mongol do que da própria missão de Jin, ou quem ele era enquanto personagem num mundo em conflito.
O mundo, personagens, histórias e mecânicas de Ghost of Yōtei são também suportados por uma excelente apresentação visual, e mais uma vez a Sucker Punch faz um fantástico trabalho, optando por uma direção quase idílica e etérea, com uma paleta de cores sólida e ambientes minimalistas, apesar da riqueza visual mais aprofundada e ajustada a esta geração de consolas. Há uma qualidade que até foge ao fotorrealismo de jogos modernos em prol de uma estética mais clara e de fácil leitura, evitando o ruido visual de alternativas como, mais uma vez, um Assassin’s Creed Shadows.
Ghost of Tsushima já brilhava com a sua apresentação de campos abertos, planícies com belas paisagens, ambientes floreados, arquiteturas e pontos de interesse minimalistas que faziam que qualquer pausa no jogo fosse digna de um quadro. Ghost of Yōtei mantém essa tradição com uma maior variedade, campos e planícies ainda mais vastos, e uma leitura mais cuidada do ambiente, ao mesmo tempo que aplica interessantes técnicas mecânicas e imersivas, como zonas das planícies com flores que podem ser usadas para dar “turbo” quando navegamos de cavalo ao sabor do vendo, ou quando a câmara muda para um aspeto cinemático de 21:9, afastando-se para uma sensação de escala do mundo ainda mais épica. Os ambientes também se apresentam mais vivos e dinâmicos, não só pela variedade de cores e de elementos, mas também pela população espalhada, tanto de NPCs interativos no horizonte, como de fauna, composta por aves que nos acompanham, veados em grupo ou manadas de cavalos selvagens aos quais nos podemos juntar e guiar, enquanto ouvimos e sentimos a vibração das suas patas a baterem no chão. No geral, há uma evolução a nível de fidelidade visual bastante distinta do primeiro jogo, onde e até as interações secundárias com NPCs foram um pouco melhoradas, ainda que estas não atinjam a qualidade visual das cinemáticas principais, que são autênticos trechos CGI, extremamente bem detalhados, iluminados e bem realizados.
A PlayStation 5 comporta-se extraordinariamente bem e a Sucker Punch oferece até quatro modos de jogo – se tiverem acesso a uma PlayStation 5 Pro. Os três primeiros são os tradicionais qualidade e desempenho, a 30FPS e a 60FPS, e um modo de Ray-Tracing, a 30FPS com resolução dinâmica. Já exclusivo à PlayStation 5 Pro temos o modo Ray-Tracing Pro, que opera a 60FPS. A escolha entre todos estes modos é, na minha opinião, complicada, e acho que recai simplesmente no gosto de pessoal de cada um, dado que as diferenças entre todos, para lá da fluidez, é aparentemente mínima, com os modos Ray-Tracing a apresentarem algumas estranhas quirks e inconsistências. A escolha pelos modos de 30FPS oferecem uma apresentação mais “fílmica” e consistente ao longo de todo o jogo, dado que as sequências cinemáticas operam apenas nesse framerate. Já nos modos a 60FPS, somos confrontados com um choque de fluidez entre jogabilidade e cinemáticas, mas temos a vantagem de ter uma jogabilidade mais fluida e responsiva, o que pode ser essencial para alguns jogadores, tudo sem comprometer a qualidade de imagem cuja resolução é dinâmica. O que é fantástico.
Os modos de Ray-Tracing dividem-se com estas mesmas qualidades e, segundo o jogo, injetam melhor iluminação global, ou, neste caso, mais realista. Acontece que este resultado ao longo do jogo é extremamente inconsistente. Foram vários os cenários onde troquei entre modos com e sem Ray-Tracing onde a diferença era clara, como por exemplo: à saída de grutas e de alguns interiores de casas, há vários elementos e adereços no ecrã colam melhor uns nos outros e no ambiente, de forma mais natural graças a técnicas como ambient occlusion; as sombras também são melhoradas inclusive na nossa personagem; e existe uma melhor reflexão de cores quando a luz incide sob determinados materiais, iluminando tudo em volta com tons realistas. Tudo isso pode ser observado, mas nem sempre me pareceu consistente, com muitos cenários e situações, nomeadamente no mundo aberto, onde a troca de modo nada faz e é como se estivéssemos num modo normal. Não entendi se se tratava de alguma escolha de direção ou se é algum tipo de bug, mas não é nada que transforme o jogo.
Bugs visuais são comuns em todos os modos no que toca à iluminação de personagens – e em ambientes mais escuros parece que brilham e se destacam demasiado. Este efeito é recorrentemente notório se escolherem um cavalo branco, que durante a noite parece que brilha e não cola no ambiente. Felizmente, estes não são detalhes que estraguem a experiência, mas que poderiam e, espero eu, poderão ser resolvidos com atualizações, até porque há várias cinemáticas de diálogos em que a iluminação das personagens troca aleatoriamente.
Antes de terminar, também é importante mencionar os novos modos de jogo e a forma como alteram a experiência. Importado de Ghost of Tsushima, temos o modo Kurosawa, inspirado nos filmes do lendário realizador Akira Kurosawa, em particular os de samurai a preto e branco como Seven Samurai, Rashomon, The Hidden Fortress ou Sanjuro, para nomear alguns. Este modo aplica novamente um filtro a preto e branco, desta vez um pouco mais afinado e menos ruidoso, com efeitos sonoros também antigos e uma apresentação muito mais dramática e carregada em contraste do que o normal, ao mesmo tempo que efeitos visuais como o vento e chuva são muito mais dramáticos e exagerados. É, novamente um modo interessante que, no entanto, recomendo que seja usado apenas numa segunda visita ao jogo durante as missões principais.
Para Ghost of Yōtei, a Sucker Punch tenta homenagear mais dois lendários realizadores que influenciaram o jogo. São eles o imparável e sempre ocupado Takashi Miike, e o rei do lo-fi e jazz em animes, Shinichirō Watanabe. Takashi Miike, mais reconhecido por filmes excêntricos e violentos, entra aqui precisamente para apimentar a ação, tirando notas diretas a 13 Assassins. No seu modo, a câmara aproxima-se mais da ação, fechando o campo de visão e tornando a atenção espacial do jogador mais reduzida, ao mesmo tempo que aumenta intensidade do combate com movimentos mais dramáticos, sobretudo nos impactos, e com muito mais sangue e membros cortados a voar pelo ar. Na prática, o grau de violência é notório, mas o mesmo não pode ser dito das restantes promessas. Por isso, este modo é particularmente indicado para quem quiser mais violência gráfica.
Já o modo dedicado a Shinichirō Watanabe, lendário criador de Cowboy Bebop, abraça um lado mais relaxante com música lo-fi, reminiscente de obras como Samurai Champloo e, mais recentemente, Lazarus. Navegar pelo mundo neste modo torna-se numa sessão relaxante acompanhada por temas do jogo remisturados e dignos de uma stream da Lofi Girl e dos seus “lo-fi beats to study”. E o mesmo se aplica ao combate, que também recebe tratamento especial para confrontos com um “beat” muito próprio. No entanto, este modo é limitado a uma quantidade de músicas reduzida que perde a novidade muito rapidamente, o que é pena, porque como pode ser ativado com o modo Miike, a justaposição entre a violência mais intensa com beats mais relaxantes até dão um sabor muito interessante ao jogo – mas que não é indicado para um uso permanente.
Apesar de pequenos apontamentos aqui e ali, em particular nos modos de Ray-Tracing, Ghost of Yōtei fez algo que é raro para mim: deixou-me tão encantado com tudo o que faz de bem, que se torna difícil lembrar-me de qualquer aspeto verdadeiramente negativo, ou de qualquer solução para as pequenas falhas. No fundo, Ghost of Yōtei, no seu todo, é a melhor versão daquilo que a Sucker Punch poderia ter feito para esta sequela. E isso, por si só, é uma enorme conquista. Um jogo que pegou em tudo o que o original tinha de bom e melhorou, ao mesmo tempo que oferece uma história mais envolvente, emocional e bem-adaptada ao potencial deste maravilhoso meio interativo.
Cópia para análise cedida pela PlayStation Portugal.