Existem momentos empolgantes em Ruffy and the Riverside, um jogo de aventura e plataformas, com a mecânica de copiar e colar para resolver puzzles interessantes, mas a falta de variedade e profundidade na forma como utilizamos a sua mecânica principal desvirtuam as boas intenções do jogo.
Não há nada a fazer. O click é o catalisador absoluto para o crítico. Por mais que nos proponhamos à objetividade, à imparcialidade da análise, não é possível recusar a nossa subjetividade. Que alguém suba às montanhas e grite, com pulmões cheios de ar e smog, que a objetividade sempre foi inalcançável e que agora, na era digital e do ultra consumismo, é a subjetividade quem reina. Então sejamos subjetivos e admitamos a importância do click, em português “clique”, em tempos onde somos bombardeados por novos estímulos diariamente, onde a mente raramente pára para pensar, quase impossibilitada de apreciar a sucessão de imagens, sons e cores que transbordam pelos ecrãs. O click é soberano, é quem mais ordena, e sem ele, sem aquele momento-chave de compreensão, não há nada que sobreviva. Tudo isto para dizer que Ruffy and the Riverside não é um jogo para mim.
A minha introdução é uma mescla de pretensiosismos e exageros que podem (ou não) nascer da minha falta de vontade em escrever sobre Ruffy and the Riverside, uma postura egoísta e infantil da minha parte – que admito, não sou falso – porque o tal click, que serve de protagonista para este texto, nunca se fez sentir. Este click metafórico (ou não) simboliza a ligação que podemos criar com um projeto artístico, se há (ou não) uma relação intelectual entre obra e espetador, se nasce compreensão ou se, à falta de click, o que resta é um afastamento emocional e quase sempre difícil de reverter. O click é o momento em que tudo faz sentido, o estalar dos dedos antes do “eureka” primordial.
Com Ruffy and the Riverside, da Zockrates Labs, o click nunca chegou. Isto deixou-me confuso, como se algo me estivesse a escapar. No papel, o título de plataformas e puzzles da Zockrates Labs tinha tudo para me agradar: a combinação entre personagens em 2D, desenhadas à mão, com mundos poligonais, onde a exploração é fulcral, cujo level design é influenciado pelos melhores do género, muito assente na experiência collectathon com vários colecionáveis espalhados pelos mapas. Esta cacofonia de sistemas, mecânicas e designs combinam alguns dos meus maiores preciosismos com o género de plataformas, como se a sua combinação fosse um segredo que poucos conseguem dominar, mas que esconde em si o segredo para a imortalidade na história dos videojogos. A estrutura está presente em Ruffy and the Riverside e as suas partes são facilmente reconhecíveis, nem que seja pelas suas claras homenagens, mas o click nunca é sentido devido à forma como essas partes se interligam e procuram ir além do seu género, abraçando mais a resolução de pequenos desafios e quebra-cabeças do que criar situações memoráveis que exijam mais da nossa destreza em ação.
A jogabilidade de Ruff and the Riverside constrói-se em torno de uma mecânica única: a possibilidade de copiarmos elementos e cores que podemos depois colar noutros objetos (Swap). É possível copiarmos o elemento da água, por exemplo, e depois transformarmos temporariamente – e esta parte é muito importante – uma parede numa coluna de água que poderá ajudar-nos (ou não) a solucionar um dos seus inúmeros quebra-cabeças. Quase todos os objetos e terrenos são manipuláveis, desde caixas de madeira que podem ser transformadas em cubos de pedra; rios que congelam com o poder do gelo; inimigos que são derrotados porque o chão foi transformado em lava; entre tantas outras situações e probabilidades que o jogo tenta equilibrar ao longo da campanha. Este é o poder de Ruffy, do alegre urso em tons de Ewok, que serve como protagonista para uma campanha segura, mas muito dependente de cinemáticas que expandem a história simples, mas também demasiado intrusiva e ocasionalmente irritante.
Com o Swap, Riverside ganha vida. As suas zonas estão interligadas organicamente e criam um mundo quase aberto que podemos explorar à vontade. As missões principais fazem um bom trabalho em apresentar este mundo verdejante e alegre ao garantir que saltitamos constantemente entre biomas. A exploração depende um pouco do nosso poder de observação, no sentido em que todos os monumentos e pontos de interesse são visíveis até à distância, mas a forma como os podemos alcançar já dependerá da nossa interação com os vários puzzles disponíveis. A atenção aos puzzles é tão imediata e visível que Ruffy and the Riverside é mais um jogo de aventura do que propriamente um jogo de plataformas, já que Ruffy pouco aproveita o seu leque de habilidades para saltitar entre zonas de interesse ou até escapar aos poucos inimigos que encontra ao longo da aventura. Saltar, correr, planar e um stomp são as poucas habilidades do urso antropomórfico, juntamente com o poder de trocar elementos.
Apesar de existir sempre um ponto de interesse em campo, que nos guia entre missões principais e secundárias, grande parte dos conteúdos opcionais só podem ser descobertos se explorarmos os caminhos alternativos de Riverside e falarmos com os seus habitantes. Como as personagens apresentam designs muito semelhantes, nunca sabemos quem esconde pistas ou missões secundárias, então temos de falar com tudo e todos sempre que consigamos para avançar a ação. Se a navegação pode ser auxiliada através de pontos no mapa, ainda que isso seja uma decisão nossa – é possível retirar esse auxílio -, a progressão dos puzzles nem tanto e somos deixados à nossa mercê para descobrir todos os segredos de Riverside. Isto é um ponto positivo, um pouco assoberbante durante as primeiras horas, mas que mantém a alma do género assente na exploração, tal como deveria ser sempre.
No entanto, a Zockrates Labs parece ter sido obrigada a reduzir o scope do seu jogo e a condicionar os puzzles e a exploração a um mapa mais restrito em termos de atividades únicas. O que é inicialmente uma novidade rapidamente passa a ser uma garantia e os puzzles repetem-se demasiadas vezes sem que o level design de Riverside evolua com a campanha. Então temos os mesmos puzzles – encontra um elemento, transforma um objeto, descobre o padrão correto – repartidos por várias zonas e momentos distintos que perdem rapidamente a sua novidade devido à falta de uma evolução na forma como podem ser resolvidos. A acessibilidade pode ter sido um dos focos da Zockrates Labs, no sentido em que o reconhecimento de padrões ajudará os jogadores a compreenderem melhor o que lhes é pedido, mas também porque é possível pagarmos para revelarmos a solução para a maioria dos puzzles.
Outro fator foi a necessidade de encaixar e justificar uma miríade de colecionáveis que definem a progressão da campanha. Noutro título, a procura por colecionáveis seria relegada à exploração e à interação com as plataformas e saltos quase impossíveis para alcançarmos locais anteriormente secretos, mas como Ruffy and the Riverside foca-se mais nos seus puzzles e na recolha dos elementos, a fórmula muda ligeiramente. Os adoráveis Etoi são talvez os colecionáveis mais familiares para quem conhece bem o género e estão escondidos nos cenários, mas também os puzzles que podemos resolver. Os restantes colecionáveis, incluindo o desbloqueio de zonas secundárias, são apenas acessíveis se completarmos os padrões intermináveis dos quebra-cabeças. Existe alguma satisfação inicial na forma como descobrimos os primeiros puzzles e reconhecemos os seus padrões para depois sermos recompensados com um novo colecionável, mas pouco ou nada é desbloqueável na campanha – no sentido em que não temos acesso a novas habilidades ou itens que influenciem positivamente a jogabilidade – e a repetição instala-se rapidamente, com a agravante dos puzzles ficarem mais longo e chatos de resolver do que desafiantes.
O click nunca chegou. Quando parecia estar próximo, afinal era uma miragem. Uma sensação temporária de satisfação quando as mecânicas encontraram um equilíbrio entre exploração e recolha de colecionáveis, mas Ruffy and the Riverside afastou-me sempre. Na verdade, fui eu que afastei Ruffy and the Riverside, o click que me manteve ausente foi meu e esse ainda se encontra desaparecido. Procura-se click onde ele quase esteve, mas nunca permaneceu. É uma pena porque a Zockrates Labs tem momentos criativos no seu primeiro jogo de plataformas e aventuras, com alguns puzzles inicialmente inventivos e com um mundo repleto de conteúdos para descobrirmos. O problema é que os momentos iniciais de descoberta nunca evoluíram ou acompanharam a minha curiosidade ao longo das horas, cansando-me pela repetição e pela ausência de momentos interativos mais desafiantes. Talvez funcione para vocês e consigam descobrir mais neste mundo de criaturas desenhadas à mão, mas faltou algo para mim. Nem click, nem claque, nem um eureka fininho. Nada.
Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Pirate PR.