Blades of Fire – Review: A era da Pedra

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Boas ideias não chegam para salvar o novo título da MercurySteam das suas más decisões, como a exploração quase sempre confusa e o sistema de combate expansivo, mas igualmente limitado pelas suas mecânicas.

Só o tempo dirá qual será o futuro de Blades of Fire. O novo título de ação e aventura da MercurySteam, quatro anos depois de Metroid Dread, procura encontrar um lugar no panteão do género ao tentar conciliar as sensibilidades atuais, como a influência crescente dos soulslike, com a estrutura mais linear e arquetipal dos títulos que vimos na sétima geração de consolas. A proposta pode ser reduzida a “God of War com mecânicas soulslike” e isso não seria propriamente uma comparação redutora para Blades of Fire, antes pelo contrário: esta poderia ser a promessa de algo refrescante. O género de ação vive atualmente refém da popularidade da FromSoftware e dos seus sucessores, e se God of War, Devil May Cry, NiER e Bayonetta eram norma no género, agora são o oposto: quase um nicho. Então Blades of Fire podia ser a ponte entre género, o guardião dos AA com sabor a AAA, mas algo falhou. Primeiro a receção crítica, depois a passividade dos fãs. Afinal qual será o legado de Blades of Fire?

Comecemos pelo positivo. O foco de Blades of Fire no sistema de combate e na criação de armas reserva algumas das melhores ideias da Mercury Steam. Enquanto Aran de Lira, nós podemos moldar o ferro à nossa vontade e num mundo onde as armas foram transformadas em pedras pontiagudas, o poder da forja é uma dádiva. Blades of Fire define rapidamente que a personalização é o segredo para o seu sistema de combate e todo o processo de trabalhar o ferro é evidente na jogabilidade. Com um esquema desbloqueado, entre vários tipos de armas diferentes – e que são acessíveis através da eliminação de tipos diferentes de inimigos -, podemos construir uma nova espada, lança, machado ou adaga para juntar ao arsenal de Aran.

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Blades of Fire (MercurySteam)

Na forja, é possível definir os materiais que queremos utilizar, os cabos, proteções, tipo de lâmina e guarda-mãos para definir o poder, durabilidade, resistência, pontos de defesa e até de stamina da arma que estamos a forjar. Com os materiais escolhidos, Blades of Fire transporta-nos para um minijogo onde temos de trabalhar o metal ao bater na lâmina ainda quente para a moldar. Só temos de seguir o formato sugerido pelo jogo, que alterna entre os vários tipos de armas, para conseguirmos alcançar a melhor qualidade possível, mas não seria um minijogo sem alguns limites e neste caso só temos um número de tentativas para chegarmos à excelência que procuramos. Se falharmos, a arma será menos resistente e quebrar-se-á mais depressa.

A MercurySteam disponibilizou um número saudável de opções para tornar a personalização recompensadora. Como desbloqueamos novos esquemas através do combate, quase como tarefas secundárias que podemos terminar ao nosso ritmo – e que até funcionam como um bom incentivo para revisitarmos os biomas do jogo -, e estamos constantemente a encontrar novos materiais e peças equipáveis, a criação de armas é um sistema memorável que procura dar aos jogadores um maior controlo sobre o armamento disponível. Como as armas acabam por se partir, somos incentivados a experimentar novas combinações para aumentar o poder das espadas ou então a expandir a eficácia do nosso armamento para diferentes situações. Nós podemos, por exemplo, definir que a nossa lança é eficaz contra inimigos sem armadura, onde sacrificamos os pontos de defesa para aumentarmos a agudeza da lâmina. Também é possível fazer o inverso e termos um machado que nos permite absorver os ataques inimigos sem sermos obrigados a recuar. Os pontos de ataque e a durabilidade das lâminas serão sempre os fatores fulcrais para a nossa prestação em combate, mas Blades of Fire permite jogarmos com alguma liberdade nestas variantes que acabam por serem interessantes.

O sistema de combate complementa a criação de armas ao permitir uma maior liberdade de movimentos e micro escolhas em ação. Ao contrário de outros títulos do género, Blades of Fire foca-se num sistema de ataque direcional, com os quatro botões do comando a definirem a direção dos nossos golpes. Se quadrado é um ataque ao braço esquerdo, já triângulo será um ataque superior e o mesmo para os restantes botões. Desta forma, nós podemos controlar o ritmo do combate e até afetar os movimentos dos nossos inimigos ao apontarmos para as partes dos seus corpos que quisermos. Este sistema serve outro propósito, este muito mais interligado à criação das armas, que é a presença dos pontos de defesa dos inimigos. Cada soldado ou criatura têm pontos de defesa pré-definidos que compõem a sua resistência física. Se a nossa arma for apurada e apresentar um poder de ataque superior à defesa dos nossos adversários, o nosso golpe é eficaz e provocamos danos, mas se for o oposto, a nossa arma faz ricochete na armadura e ficamos indefesos. Através do sistema de lock on, nós podemos ver rapidamente qual é a eficácia da nossa arma, se é inferior à defesa geral do inimigo ou se podemos atacar um ponto específico do seu corpo para o derrotarmos, já que cada membro tem pontos de defesa diferentes. Se juntarmos isto ao facto da lâmina perder a sua resistência quanto mais for utilizada, temos de controlar não só o poder dos nossos inimigos, como garantir que as nossas armas estão limadas e prontas a serem utilizadas. Uma lâmina cega é o que basta para ficarmos sem opções em combate.

Blades of Fire constrói-se pela máxima de dar aos jogadores uma experiência mecânica mais profunda, ao ponto de sentirmos alguma falta de equilíbrio entre os sistemas presentes na jogabilidade. O facto de podermos, por exemplo, construir as armas e melhorá-las e depois escolhermos o tipo de ataque que queremos utilizar – se perfuração ou corte, que dependem também dos valores de defesa dos inimigos e das suas armaduras – já é um indicativo que estamos a escalar a complexidade de um sistema de combate que deveria culminar numa experiência tão divertida, como desafiante. O problema é que Blades of Fire encontra-se dividido entre dois estilos de jogo e o resultado nem sempre é o mais empolgante ou coeso. Por mais mecânicas que apresente, a MercurySteam nem sempre sabe o que fazer com elas e este problema tem origem no seu problema de identidade.

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Blades of Fire (MercurySteam)

A primeira comparação que podemos fazer é a mais óbvia, nem que seja pelo seu impacto atual na indústria: os soulslike. Blades of Fire não é um soulslike, mas as inspirações são visíveis no sistema de combate e até na forma como exploramos as suas várias zonas. Encontramos aqui um sistema de stamina, que é muito sufocante para a ação – Aran está sempre sem energia e a forma de recuperarmos fôlego é através da defesa, o que já é uma escolha obtusa e pouco natural -, foco num combate equilibrado entre o desvio e o contra-ataque, e até a perda de recursos sempre que somos derrotados e obrigados a voltar à bigorna – que funciona como bonfire. Como Blades of Fire não apresenta um sistema de evolução por níveis e não recolhemos qualquer tipo de pontos de experiência – a evolução é restrita à criação de armas e só recolhemos recursos ao longo da campanha -, sempre que Aran é derrotado em combate ele deixa uma das suas armas para trás. Para recuperarmos a arma, temos de voltar ao local onde fomos derrotados e se perdermos por uma segunda vez, a primeira arma não desaparece e ficamos apenas sem duas armas no nosso armamento até que as consigamos recuperar – e estive numa situação tensa no início da campanha, ao ficar sem armas e a ser obrigado a construir uma nova espada para recuperar as outras. Não são as mesmas mecânicas, mas são suficientemente parecidas para compreendermos que a MercurySteam está atenta aos soulslike.

A exploração também reflete a influência dos soulslike e até há a tentativa de abandonar por completo um guia visual que nos encaminhe ao longo da campanha. Aran e Adso, o seu companheiro de viagem, são largados nas terras da Rainha Nerea e o resto da aventura é decidida por nós. Não existe um ponto definido no mapa para seguirmos, mas sabemos qual é a nossa missão e isso é o que basta para descobrirmos o melhor caminho até ao nosso objetivo. Esta é uma boa ideia e é até uma espécie de complemento para o que vimos em Atomfall, que também abandonou este auxílio visual, e podemos ver através do level design como Blades of Fire tenta injetar uma certa lógica narrativa e arquitetónica para ajudar-nos a navegar através dos cenários sem que nos sintamos perdidos.

O problema é que o mundo de Blades of Fire é mais linear do que pensamos e muito repetitivo e denso em efeitos decorativos para tornar a exploração convidativa. Os cenários estão tão apetrechados de folhagem, casas, grutas, grandes muralhas, siglas, entre outros, que se cria um enorme e incontornável ruído visual que dificulta a navegação. É tudo tão denso que é possível perder caminhos alternativos porque os cenários não apresentam melhores indicadores visuais para guiarem o nosso olhar. A direção de arte é um gosto adquirido e certamente poderá funcionar com vocês, mas teve o efeito oposto comigo: muito exagerada, pouco memorável ou funcional para o que o level design necessitava.

Com este ruído visual, a exploração fica condicionada e os cenários parecem repetir-se: tudo é igual ou demasiado semelhante. A MercurySteam tentou criar um design próximo aos soulslike, com foco na descoberta de atalhos para interligarmos os vários pontos do mapa – e o mapa está todo ligado, sem interrupções, o que é uma vitória a nível técnico –, mas o layout confuso da maioria das zonas, com cavernas entre casas e fissuras que mal se veem nos cenários, condiciona a nossa relação com o mundo. Um estranho caso de maximalismo desnecessário.

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Blades of Fire (MercurySteam)

A outra vertente identitária de Blades of Fire é uma mais familiar à MercurySteam e que vai beber ao jogo que lhes trouxe notoriedade: ação e aventura. Foi com Castlevania: Lords of Shadow que a produtora espanhola ganhou notoriedade a nível mundial, numa colaboração com a Konami e o icónico produtor Hideo Kojima, num título que procurou revitalizar a série Castlevania através de uma lente mais moderna, inspirado nas séries God of War, Devil May Cry e, até, Shadow of the Colossus. Blades of Fire mantém esse ADN até nos seus pormenores mecânicos, como a descoberta de cristais verdes e azuis para aumentarmos a vida e stamina de Aran – um sistema muito utilizado por títulos como God of War –, mas também pela combinação entre linearidade e momentos de alguma liberdade. A linearidade surge na maioria das zonas exploráveis de Blades of Fire, já que existe apenas um caminho definido que nos levará até ao nosso objetivo principal, mas até o alcançarmos, temos cavernas, casas, declives e acampamentos, entre outros, para descobrirmos se abandonarmos o caminho principal. A linearidade nem sempre é tão visível devido à influência dos soulslike, mas ela está lá e é isso que traz algum cansaço à exploração, onde a fadiga visual, a falta de opções mais interessantes e cenários mais claustrofóbicos prejudicam a nossa diversão.

O sistema de combate também se encontra perdido entre estas duas identidades e Blades of Fire nunca encontra um equilíbrio perfeito. Apesar da sua profundidade mecânica, esta não se sente em combate e os confrontos são muito mais simples e diretos do que estratégicos. Se God of War e Devil May Cry invocam automaticamente um tipo de sistema de combate assente nas combinações e controlo das hordas, e se Dark Souls e Lies of P apresentam-se quase como o oposto, no sentido em que se focam mais na defesa e no contra-ataque, já Blades of Fire é o filho bastardo que não sabe o que quer ser. É verdade que temos várias armas à nossa disposição e que a personalização das mesmas faz toda a diferença, mas os confrontos pouco evoluem além de termos a arma certa para o inimigo certo. Eu joguei na dificuldade mais alta e posso confirmar que os combates restringem-se à gestão de stamina (porque é muito reduzida) e ao toca e foge. Sim, podemos escolher a direção dos ataques, e sim, temos de quantificar a resistência das armas face às armaduras dos inimigos, mas o combate é pura e simplesmente isto: toca, foge, toca novamente e lima a espada. Não existem combinações para aprendermos, padrões que requerem alguma destreza para serem evitados ou aplicados e os ataques inimigos são muito semelhantes. Então batemos até que algo caia, uma vez nos braços, outras na cabeça ou no tronco e assim avançamos.

A receção crítica não foi a mais calorosa e Blades of Fire já parece estar esquecido, apenas duas semanas após o seu lançamento, e eu não tenho qualquer prazer em admitir que compreendo a apatia em torno do novo jogo da MercurySteam. Apesar de não adorar Lords of Shadow, e abominar a sequela – ninguém conseguirá convencer-me que jogar com um Drácula enfraquecido durante 70% da campanha foi uma boa decisão -, eu respeito o catálogo da MercurySteam e adoro o que fizeram em Metroid Dread, mas Blades of Fire é um jogo perdido entre ideias – ideias boas, mas sem uma direção. Eu vejo aqui o arquétipo para algo melhor, a base para um sistema de combate que florescerá noutros jogos e um foco na personalização que poderá fazer a diferença se a MercurySteam assim o quiser. Mas Blades of Fire não é a resposta perfeita, não é sequer um bom jogo de ação e aventura que se possa auxiliar num fator nostálgico para se destacar. No entanto, a minha pergunta mantém-se: qual será o legado de Blades of Fire? Estaremos perante um futuro jogo de culto que será descoberto por uma nova geração de jogadores que encontrará profundidade no level design e no sistema de personalização de armas? Só o tempo o dirá porque, por agora, é apenas mais um jogo de ação mediano com boas ideias.

Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela 505 Games.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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