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Bob Marley: One Love navega pelas complexidades da narrativa biográfica com um sucesso misto. O seu louvável foco na mensagem e na música de Marley, aliado a boas prestações, destaca a relevância duradoura do seu legado.

Fiquei simultaneamente entusiasmado e preocupado com Bob Marley: One Love, uma biografia sobre uma das figuras mais emblemáticas da história da Jamaica, que impactou profundamente a sua cultura e política ao tornar-se um pioneiro do género musical reggae e, ultimamente, um ícone global. O anúncio de Reinaldo Marcus Green como realizador captou imediatamente a minha atenção, uma vez que foi o cineasta responsável por uma dos meus filmes biográficos favoritos deste século, King Richard. Contudo, o envolvimento de vários argumentistas – Terence Winter (The Wolf of Wall Street), Frank E. Flowers (Shooting Stars), Zach Baylin (Gran Turismo) e o próprio Green –, bem como a empresa de produção da família Marley, suscitou receios sobre potenciais parcialidades e a falta de profundidade crítica.

Bob Marley: One Love emerge como um filme de contrastes, encarnando os dilemas que antecipei. Pelo lado positivo, Green consegue capturar o ethos filosófico e musical de Marley, promovendo temas de paz, amor e união. Estes ideais, aos quais Marley se conetou tão fervorosamente através das suas canções, são o maior triunfo da biografia. O poder emotivo e cru das letras de Marley é demonstrado de forma contínua ao longo da obra, proporcionando uma visão sobre o processo criativo por detrás da criação de muitas das faixas autênticas e carregadas de paixão que permanecem na memória de todos. Estas sequências são o melhor motor para uma narrativa que necessita realmente de alguma energia para prosseguir.

As prestações são decentes de forma geral, embora nunca alcancem um estatuto de ‘excecionais’. Kingsley Ben-Adir (One Night in Miami…) encarna o espírito livre do protagonista, assim como o seu carisma e vulnerabilidade, mas é Lashana Lynch (The Woman King) que se destaca do restante elenco como a esposa de Marley, Rita. A atriz tanto é poderosa como subtil, captando a essência de uma mulher que foi instrumental na estabilização do lendário artista. A dinâmica entre ambos adiciona uma dimensão humana à figura maior do que a vida no centro do filme, proporcionando um vislumbre dos obstáculos privados e conquistas que moldaram a persona pública de Marley.

No entanto, na sua tentativa de celebrar o monumental legado do cantor, Bob Marley: One Love cai na armadilha familiar da sanitização biográfica. A relutância em aprofundar os aspetos mais controversos da vida do protagonista era esperada, mas alguns pontos são simplesmente demasiado importantes para serem omitidos. O extenso consumo de erva (marijuana) poderia ter servido como uma rica lição cultural para os espetadores que desconhecem o seu valor sagrado para os Rastafaris, que acreditam estar sancionado pela Bíblia, auxiliar na meditação e aproximá-los do divino. Em vez disso, o público sairá do cinema a pensar que simplesmente gostavam de fumar por puro prazer, sem compreender o significado mais profundo por detrás disso ou até mesmo associando-o erroneamente ao cancro de pele que terminou com a sua vida. Os casos extraconjugais e os inúmeros filhos são um tópico que nunca é realmente esclarecido, apesar de originar uma cena de discussão que surge do nada, já que se torna genuinamente confuso compreender que tipo de relação Marley e Rita partilhavam. Embora o filme reconheça brevemente estes pormenores, opta por uma representação mais polida que prioriza a idolização em detrimento da introspeção.

Este foco narrativo seletivo é ainda mais exemplificado pelo tratamento da obra à influência política do cantor. Apesar do seu papel significativo na evolução política jamaicana, particularmente os seus esforços para juntar líderes de partidos opostos através da música, o filme relega estas realizações a meras notas de rodapé. A decisão de condensar este momento crucial na história do seu país num resumo textual típico no final de filmes biográficos é uma oportunidade perdida para explorar a extensão completa do impacto de Marley na sua nação. Estas escolhas não só diminuem a complexidade da narrativa, mas também a autenticidade da sua representação de Marley como uma figura transformadora.

Existem também alguns flashbacks espalhados pela obra que falham em oferecer informações verdadeiramente valiosas, além de se tornarem extremamente repetitivos e distrativos. Quer seja fãs de Bob Marley ou não, provavelmente acabarão a cantarolar a maioria das músicas apresentadas no ecrã, mas não tenho a certeza de quanto realmente aprenderão sobre a sua vida, tendo em conta que o período do filme é apenas de alguns anos no final da década de 70.

VEREDITO

Bob Marley: One Love navega pelas complexidades da narrativa biográfica com um sucesso misto. O seu louvável foco na mensagem e na música de Marley, aliado a boas prestações, destaca a relevância duradoura do seu legado. Contudo, a relutância em envolver-se com os aspetos mais contenciosos da sua vida e a simplificação excessiva das suas contribuições políticas minam o potencial para uma exploração mais matizada e completa. Embora o filme sirva como uma vibrante homenagem ao espírito e à arte de Marley, acaba por me deixar com o desejo de um estudo mais profundo e crítico das complexidades que definiram um dos artistas mais influentes do século XX.

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