Crítica – Dogman (Venice International Film Festival 2023)

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Dogman tem os seus problemas de tom e de narrativa, mas é muito melhor do que se antecipava.

Qualquer história que junte a minha paixão por cinema e amor incondicional por cães começa logo uns passos à frente de todas as outras. Não tenho problemas em admitir que um filme que ofereça destaque a estes animais de quatro patas terá sempre momentos que me deixarão tremendamente satisfeito, mas Dogman era simultaneamente a obra que a vasta maioria da imprensa em Veneza esperava que tombasse. Cabia a Luc Besson (Valerian and the City of a Thousand Planets) e Caleb Landry Jones (Get Out) provar que estavam todos errados…

E, de certa forma, conseguiram. Dogman não é, nem de perto, a tragédia que muitos antecipavam e que outros até desejavam que fosse. A premissa envolve um estudo de personagem focado em Douglas (Jones), um homem severamente abusado durante a sua infância que viu nos cães que o pai usava para lutas ilegais a “cura” para o seu sofrimento. Besson não foge muito às mensagens genéricas deste tipo de filmes, mas as razões por detrás das mesmas carregam um peso emocional tremendo, assim como inúmeros momentos visuais difíceis de se assistir e desenvolvimentos de enredo chocantes.

Aliás, existem semelhanças claras com Joker. Desde a atmosfera sombria a uma consulta na prisão com uma psicóloga (Jojo T. Gibbs), Dogman aborda os seus temas sobre trauma infantil, identidade e necessidade humana de amor através de sequências verdadeiramente impactantes, mesmo que não sejam agradáveis de se testemunhar. O enredo segue um caminho algo previsível, mas todos os momentos com Jones são automaticamente elevados por uma das prestações mais transformativas e hipnotizantes do ano.

O ator entrega provavelmente a melhor performance da sua carreira e, mesmo não sendo um filme que angariará qualquer apoio durante a temporada de prémios, existe potencial para uma campanha individual surpreendente. Jones veste a pele do seu personagem de maneira tão convincente que rapidamente nos esquecemos que estamos a assistir a uma representação. Tal como Douglas, que vê em espetáculos de drag a oportunidade de ser outra pessoa e fugir aos seus problemas da vida real – um momento musical em que Jones interpreta Édith Piaf terminará como das sequências isoladas mais arrebatadoras do ano – o ator incorpora totalmente a dor, tristeza, solidão e compaixão (animal) de um protagonista complexo.

O comentário social sobre os defeitos e hipocrisia da humanidade é eficiente precisamente pelas analogias instigantes com o carinho infindável de cães. Não é nada que nunca tenhamos ouvido, mas Dogman insere estas mensagens numa história já por si bastante negra, gerando uma camada emocional bem mais presente do que o normal. Besson é algo repetitivo, mas como alguém que se revê em praticamente todas estas mensagens de cães > humanos, não senti pretensiosismo nas mesmas. No entanto, o maior problema do filme também acaba por estar relacionado com estes animais…

As sequências coreografadas com os cães são tão impressionantes como ridículas. O ato final contém momentos admitidamente tontos e exagerados – chega mesmo a parecer um cartoon -, mas também reparei em alguns comentários ignorantes sobre o que cães treinados são capazes de fazer que me deixaram chocado – se calhar eram cat-people. A maioria das ações protagonizadas pelos animais demonstram disciplina, paciência e destreza técnica. Todos os movimentos captados em câmara são reais. O problema não está em acreditar ou não que cães são capazes de ir buscar o que alguém lhes pede ou atacar a comando, mas sim na quantidade de cães com este tipo de capacidades especiais, assim como as raças raras ao dispor de Douglas.

Para além disso, Dogman não faz um equilíbrio de tom ideal para, num momento, estar a discutir sentimentos pessoais profundos sobre morte, ódio e crises de identidade e, no seguinte, possuir um gangue carregado com armas a ser dominado por um bando de cães. Pessoalmente, gostava que Besson se tivesse focado mais no lado humano durante a conclusão da obra, principalmente no quanto um animal de estimação pode ajudar a combater traumas humanos. Independentemente disso, não deixa de ser uma obra cativante e que obterá, sem dúvidas, uma receção divisiva.

VEREDITO

Dogman tem os seus problemas de tom e de narrativa, mas é muito melhor do que se antecipava. Caleb Landry Jones entrega a melhor prestação da sua carreira com uma interpretação hipnotizante, transformando-se por completo no protagonista complexo e tremendamente humano que encontrou amor e compaixão incondicionais na maior e melhor criação de Deus: cães. O terceiro ato é inconsistente e peca por falta de foco nos temas centrais do filme, mas não deixa de ser uma visualização satisfatória com mensagens importantes sobre a humanidade.

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