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A segunda fornada de álbuns de verão chegou e tem álbuns para todos os gostos, quer animados, quer contemplativos.

Com exceção dos álbuns de Lizzo, Beyoncé, J-Hope e Odesza, todos os escolhidos para esta seleção podem custar a entrar e cativar à primeira, mas curiosamente, os que mais custam a captar e absorver são os álbuns mais ricos… Falo de Beatopia, Florist, Song Of The Morning e Riderless Horse.

Caso procurem bom rock, os álbuns de Paolo Nutini e The Sadies dão conta do recado. Caso estejam mais virados para desfrutar do bom tempo com um ritmo mais animado, ouçam os álbuns de Steve Lacy e de Jamie T (o meu preferido).

[Álbuns essenciais de junho]

Beabadoobee – Beatopia

Beabadoobee Beatopia

Género: Indie Pop

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Beabadoobee é um nome que não soa estranho a alguns, mas poucos percebem imediatamente o porquê. Para tirar o elefante da sala, se quiserem um memofante sonoro, dêem uma vista de ouvidos na música “death bed”, que “rouba” os versos de abertura da música “coffee” (2017) – o primeiro single da cantora.

Em 2020, vimos a ser lançado Fake It Flowers, o primeiro álbum da artista filipina, que vinha mostrando uma grande proximidade com o Indie Rock, mais do que do Bedroom Pop, género com que começou a carreira. Dois anos depois, temos Beatopia, que apesar de ter nuances do primeiro álbum, não é tão vibrante. Isto pode desagradar a alguns fãs que, provavelmente, estariam à espera de um repertório idêntico ao do álbum predecessor. No entanto, há pontos positivos que elevam este álbum ao nível de Fake It Flowers (ou até a superá-lo).

Um deles é poder constatar que Beabadoobee não ficou presa a nenhum dos géneros com que se deu a conhecer ao mundo, o que dá indícios da sua maleabilidade enquanto artista e deixa a promessa de um futuro muito amplo. A outra é que, a nível de escrita, desta vez com referências aos anos 90, continua fiel ao que nos habituou – diria que, a par da sua voz doce, a escrita é um dos seus pontos mais fortes!

Já que falei da escrita, aproveito para falar nela novamente e salientar que não me arrependo nada de a ter categorizado como “liricista fenomenal” em 2020, quando tinha apenas um álbum e meia dúzia de singles em seu nome.

No presente álbum, diria que até em “Broken CD”, música com a letra mais simples da lista, Beatrice consegue ser ímpar e impactante e, ao contrário da Pitchfork, acho que as palavras nas suas letras são muito mais do que um veículo para as melodias. Interessante como um álbum tão disperso a nível de abordagens musicais consegue parecer tão lógico, e quando falo de disperso é no verdadeiro sentido da palavra, visto que até nuances de bossa nova fazem uma aparição subtil.

É certo que Beabadoobee se superou e é muito mais completa do que era há dois anos. O resultado é um Beatopia cheio de certezas e clareza, sem abdicar sequer de uma gota de naturalidade.

Classificação do álbum: ★★★★½

Músicas a ouvir:
> 10:36
> See You Soon
> the perfect pair
> Talk
> Lovesong

Beyoncé – Renaissance

Beyonce Renaissance

Género: Dance/Pop

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Caso bicudo, Renaissance… Se ganha pontos por ser o álbum mais excitante e animado de Beyoncé até à data, que cientificamente consegue apanhar e absorver com distinção sonoridades que vendem bem no mercado mainstream, perde por faltar autenticidade.

Ainda que não queira fazer das letras o meu bode expiatório para justificar o porquê de não seguir a manada de críticos que justificaram as notas estratoféricas com a “inclusividade” e “inventividade”, tenho os meus motivos, que passo a descrever. Enquanto dou de barato que “inventividade” é algo que não falta neste álbum, por vezes recorrendo a samples mal disfarçados (que não jogam a favor e já foram fonte de polémica), referir a “inclusividade” soa estranho. Isto porque nada do que vemos acontecer em Renaissence tem a ver com toda a cultura que viu nascer e suporta a carreira da artista. Quando a música surge de um género de estudo artificial baseado no que é que vende bem, em vez de nascer de uma necessidade de expressão do artista, perde-se grande parte do seu valor.

Renaissance perde, de facto, valor com essa falta de identidade. Mas o pior é quando se constata que, ao longo das 16 faixas presentes neste álbum, Beyoncé contou com a ajuda de mais de 150 artistas/escritores para desenvolver as letras das músicas – um recorde absoluto da cantora.

A música que passa a mensagem mais autêntica e adequada à realidade atual de Beyoncé é também a música com mais colaboradores creditados na escrita da letra. Falo, pois, de “Alien Superstar”, na qual Beyoncé contou com a ajuda de 24 pessoas para desenvolver a desenvolver e fazer nascer o êxito.

É perfeitamente natural ter suporte aquando da escrita de letras para músicas, a maioria dos artistas creditam os produtores também na escrita, porque acabam por ter influência. O que não é natural é serem mais do que 2 ou 3…

Beyoncé não ganhou a popularidade que tem pela sua capacidade lírica. Todavia, com Beyoncé (2013) e Lemonade (2016), vimos a artista a atingir níveis de popularidade sem precedentes, porque à sua sonoridade inventiva e característica, conseguiu juntar mais qualquer coisa e oferecer algo muito pessoal. Proveniente de uma fase mais vulnerável, pouco depois de ser mãe, Beyoncé cantou sobre isso e levou-nos às suas origens e foi tudo o que poderíamos desejar. Seis anos depois, a artista anunciou que vinha a trabalhar num novo álbum cuja premissa era oferecer uma escapatória para todo o isolamento e injustiça que se viveu durante a pandemia, com o objetivo de fazer as pessoas viajar, amar e sorrir outra vez.

A nível instrumental e melódico, ainda que por vezes este álbum pareça uma coletânea, conseguiu. É pena é que, para se manter neste patamar, tenha abdicado de toda a substância.
Renaissance é, assim, um bom álbum (animado e dançante) que pertence a Beyoncé, mas que da alma da maior estrela de Pop tem pouco ou nada – em todo o caso, na categoria de álbuns dançantes é uma das estrelas do ano.

Classificação do álbum: ★★★★½

Músicas a ouvir:
> ALIEN SUPERSTAR
> CUFF IT
> CHURCH GIRL
> THIQUE
> ALL UP IN YOUR MIND

Florist – Florist

Florist Florist

Género: Folk/Indie Folk

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Florist é um álbum belo pela sua simplicidade e imperfeições, que não segue regras nem tenta fugir da sua natureza. De uma ponta à outra desta viagem de sensações e sonhos, de quase uma hora, os Florist mostram que é possível fazer coisas bonitas sem caprichar muito.
À medida que vamos trilhando caminho entre estas 19 músicas e interludes que as unem, torna-se indubitável que a banda está toda em sintonia e transparecendo a ideia que se estão a apaixonar juntos pela música, novamente.

A densidade musical fica mais deslumbrante quando apreciamos a beleza da voz de Emily Sprague em simultâneo com a clareza e sobriedade da mensagem que quer passar de música para música, demonstrando toda a sua versatilidade e capacidade de observação. Florist é um álbum que pode não entrar à primeira, mas, quando entra, é como se fosse um abraço apertado que não sabíamos que precisávamos. Um refúgio onde o tempo passa mais devagar e nos deixa refletir e pensar, livres de preocupações ou amarras, nem que seja apenas por uma hora.

Ao ouvi-lo mais do que uma vez, só o queria ouvir mais duas ou três, pois num mundo que gira a 1000, sabe bem ouvir aquele som que tem a capacidade de puxar pela melhor versão introspetiva e simples que sabemos que temos, mas teimamos em deixar escondida, porque raras são as vezes em que queremos parar para olhar para nós. E não são só as músicas às quais Sprague empresta a sua voz que ativam essa sensação, são também os interludes expansivos e espaciais.

O conselho que vos deixo? Não ouçam só este álbum e fiquem a invejar a liberdade mental que transmite. Desfrutem dele a anexem-se a essa liberdade, porque vocês também merecem sentir o que os Florist sentiram enquanto o produziam.

“Look through an open window
Your eyes keep so much treasure
Hear what the wind will teach you
Feel how your body sings
With the world outside inside in color
And the world inside you always”


Classificação do álbum: ★★★★★

Músicas a ouvir:
> Red Bird Pt. 2 (Morning)
> Spring In Hours
> Two Ways
> Sci-fi Silence
> Feathers

J-Hope – Jack In The Box

J Hope Jack In The

Género: Rap/Hip-Hop

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J-Hope é um dos membros mais populares e carismáticos dos BTS e é também um dos primeiros membros a atingir um nível de sucesso considerável a solo. Após uma primeira experiência com a Mixtape Hope World (2018), J-Hope tornou-se no primeiro membro da banda a promover-se como artista a solo e Jack In The Box é o seu primeiro álbum de estúdio.

A abordagem musical que se pode retirar deste álbum não foge muito do que era o seu papel nos BTS e, como tal, não há muito por onde falhar – já por onde acertar há bastante.
Ainda que, por acaso, J-Hope já tenha o papel de rapper desde que começou com os BTS, em 2013, é curioso ser ele o primeiro a despontar.

Digo isto porque a evolução da música na Coreia do Sul torna esta situação em justiça poética, ainda mais por ser o Rap como género pivô. Se tiverem acesso à Netflix, vejam o episódio “K-Pop” da mini-série documental Explained.

Em relação a Jack In The Box, posso dizer que fiquei deveras surpreendido. Estava à espera de nuances de rap a fugir para o pop florido por batidas eletrónicas e, em contrapartida, recebi uma experiência de rap agressivo, com sonoridades genuínas de hip-hop old school.
Este álbum, por incrível que pareça, apesar de não reinventar o género, não é cliché e é tão refrescante quanto poderia ser.

Para além disso, é bem mais pessoal do que seria de esperar. Isto porque fica a sensação que, embora J-Hope tenha a perfeita noção que já foi visto pelo mundo inteiro através de milhões de fotografias e minutos de filmagens, age como se ninguém tivesse visto o seu verdadeiro “eu”, e neste álbum abre-nos uma porta que dá acesso a vislumbres disso.

Jack In The Box é um álbum equilibrado e são, porém, peca por ser curto demais, estendendo-se apenas ao longo de pouco mais de 20 minutos. Em todo o caso, pode-se dizer que este início de carreira a solo por parte de J-Hope é deveras entusiasmante.

Classificação do álbum: ★★★★

Músicas a ouvir:
> Pandora’s Box
> MORE
> What If…
> Arson

Jamie T – The Theory Of Whatever

Jamie T The Theory of Whatever

Género: Indie Rock/Alternative Rock/Hip-Hop

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Meus amigos, se ainda não conheciam o músico mais relaxado da atualidade, ei-lo: Jamie T.
Os anos passam e Jamie Treays continua a crescer as olhos vistos sem perder um bocadinho da originalidade e irreverência que o carateriza. The Theory Of Whatever é só mais um álbum que confirma o estatuto de campeão numa competição onde não encontra rivais.

Jamie T não se restringe a um género em específico e, no mesmo álbum, consegue um leque invejável de faixa dignas de single candidatas a número 1 dos charts e que decerto iam fazer mais furor, com uma exposição mainstream, do que 99% da tralha que aparece pelo Billboard e outros Charts a nível global. Temos o melhor do Alternative Rock com “90s Cars”, o melhor do Hip-Hop com “Keying Lamborghinis”, o melhor do Folk com “St. George Wharf Tower”, o melhor do Pop Rock com “A Million & One New Ways To Die”, o melhor do Indie Rock com “Between The Rocks”, o melhor do Post-Punk Revival com “Sabre Tooth”, entre outras músicas com potencial para o tempo de antena que lhes é devido.

O facto de ser relaxado sempre foi parte do motivo pelo qual ainda não conseguiu uma aceitação global, mas dentro de Reino Unido é uma das jóias da coroa – está na altura de dar o salto.

Por norma, álbuns sem uma identidade definida dão asneira, mas quando os músicos por detrás deles são fiéis a eles próprios, as coisas ganham um brilho especial. Jamie T tem esse brilho ao longo de toda a extensão do álbum The Theory Of Whatever, por isso não há muito a apontar a esta produção eletrizante que facilmente poderia ser um “Best Of”, que só fica melhor a cada reprodução.

Classificação do álbum: ★★★★½

Músicas a ouvir:
> 90s Cars
> The Old Style Raiders
> Keying Lamborghinis
> A Million & One New Ways To Die
> Between The Rocks
> Sabre Tooth

Katy J Pearson – Sound Of The Morning

Katy J Pearson Sound of the Morning

Género: Indie Folk

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“Katy J Pearson would like you to know that she is not a country singer” – assim é apresentada no site da sua editora. Apesar de haver um pingo de verdade na constatação de que a sua música tem influências de Country, acaba por ser uma generalização redutora do real valor da artista de Bristol (UK). Após oito anos a fazer música, foi só aos 24 anos que Katy J Pearson superou o medo em finalmente lançar o seu álbum de estreia, Return (2020). Álbum esse que se materializou em sucesso imediato e a meteu em tour pelo país fora, fazendo também com que a crítica a comparasse a um misto de Kate Bush e Dolly Parton na entrega vocal.

Este ano surge com um álbum ligeiramente diferente, explorando novas marés musicalmente e liricamente, sendo que a faixa menos usual é “Sound Of The Morning”, que abre o álbum (e partilha o nome com ele) com uma sonoridade quase medieval, quase folclórica, muito incomum nos dias de hoje.

Ao longo do álbum, os êxitos sucedem-se numa sequência de músicas deslumbrantes e catárticas, exponenciadas pela voz forte e segura de Pearson.

Fora a música “Alligator”, que nem é das minhas prediletas, não há nada que torne este álbum particularmente divertido (como acontece em The Theory Of Whatever de Jamie T, que falei acima), mas ,mesmo assim, dei por mim a desejar ouvir Sound Of The Morning outra e outra vez, sucessivamente – tanto que acabou por ser o álbum lançado em julho que mais ouvi.

Não creio que seja igual a nada do que já ouvi, mas tem elementos instrumentais que fazem lembrar Haim, CMAT e Kacey Musgraves. Posto isto, percebem a qualidade instrumental dele.

A nível de escrita e personalidade, penso que capta bem a transição da Katy J Pearson de uma produtora de música local para uma artista que começa a dar que falar, em busca das coisas agridoces da vida. Capta também tudo o que de sombrio e colorido se foi desenrolando ao longo dessa transição, fazendo deste álbum um trabalho muito pessoal e até vulnerável de alguém que é tão rica musicalmente que as expetativas para o próximo álbum não podiam ser maiores – embora tenha a certeza que não vai desiludir.

Classificação do álbum: ★★★★½

Músicas a ouvir:
> Talk Over Town
> Howl
> Confession
> Float
> Alligator
> Game Of Cards

Lizzo – Special

Lizzo Special

Género: Pop/Funk/Disco

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Lizzo é daquelas artistas com um talento natural para brilhar e iluminar todo o sítio por onde passa. Posto isto, sabemos que faça o que fizer, vai resultar e satisfazer um grande número de pessoas. Com o seu álbum anterior Cuz I Love You, conseguiu ter o mundo a seus pés com a energia de “Juice”, a confiança de “Good As Hell” e o ritmo de “Truth Hurts”. Todas estas músicas foram singles, que se deram a conhecer um pouco por todos os meios difusores de música e meteram um número enorme de pessoas a ouvi-la.

Special, como o nome indica, esperava-se que o fosse e precisava de o ser. E em parte até é, na medida em que acho brilhante a cantora se ter lembrado de desenterrar ritmos e melodias típicas dos géneros Disco e Funk e os ter aplicado muito bem na generalidade das músicas deste álbum, numa clara tentativa de aumentar a taxa de conversão na sua legião de fãs a outras faixas etárias – até um sample dos Coldplay pouco trabalhado, com um simples aumento do pitch para alta frequência, foi usado.

O problema, no meio disto tudo, foi que liricamente não acompanhou, e o bicho que criou e a elevou acaba por ser a sua kriptonite, deixando-a aquém do patamar onde já esteve anteriormente.

Enquanto as suas melodias parecem ter evoluído para um produto semi-acabado que se podia provar vir a ser interessante, Lizzo ficou parada em 2019.

Ainda que perca gás a meio, Special é um álbum com faixas divertidas (mais até que as de Renaissance), mas que demonstra alguma imaturidade da artista, que não aproveita uma oportunidade de ouro para mostrar algo mais sobre o seu verdadeiro “eu” em vez de ser genérica e tentar agradar a todos. Curiosamente, a música mais interessante até acaba por ser uma que não se enquadra naquilo que o álbum tenta ser: “Break Up Twice”.

Pessoalmente tinha algumas expetativas com o “próximo” trabalho de Lizzo, porque sei que ela tem algo que a diferencia das demais artistas Pop, que se assemelham a espécies invasores sem conteúdo ou utilidade, mas Special não me encheu as medidas, apesar de ter satisfeito.

Classificação do álbum: ★★★★

Músicas a ouvir:
> The Sign
> About Damn Time
> 2 Be Loved (Am I Ready)
> Break Up Twice

Maggie Rogers – Surrender

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Género: Alternative Pop/Indie Pop

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Após uma infância e adolescência ligada à música e com estudos superiores na área, em 2019, Maggie Rogers deu-se a conhecer ao mundo com um álbum algo inconsistente, mas com um par de músicas que demonstravam a sua estrelinha entre o ordinário – de onde saiu “Light On” (que entrou na minha seleção de melhores músicas desse ano) e o potencial de ir bem para além desse primeiro ensaio.

Em 2022 temos uma artista mais completa e segura, que desenvolve a sua música de forma multi-direcional, com vista a um público mais alternativo em relação às bases do Pop. Esta analogia pode surgir algo estranha, mas sinto que Maggie Rogers tem potencial para vir a ser a Alanis Morissette desta década.

O bloqueio de escrita que teve no início de carreira e a atrasou, parece estar definitivamente apagado. Posto isto, em Surrender, a única coisa a que Maggie Rogers se rendeu foi à sua capacidade lírica e de composição musical, num álbum que marca o primeiro triunfo da sua carreira.

Classificação do álbum: ★★★★

Músicas a ouvir:
> Overdrive
> That’s Where I Am
> Want Want
> Horses
> Symphony

Nina Nastasia – Riderless Horse

Nina Nastasia Riderless Horse

Género: Folk/Americana

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Para quem não tinha um interesse muito grande em música, nem cresceu num seio onde essa arte fosse apreciada, pode-se dizer que Nina Nastasia chegou a um patamar desejável e o seu percurso é tudo menos ortodoxo.

Com alguma produção musical previamente, foi só aos 34 anos que lançou o seu primeiro álbum, à moda antiga – Dogs (2000). A cantora produzia e preparava os álbuns em casa para posteriormente vender nas suas atuações. Rapidamente despachou 1500 álbuns, o que pode não parecer muito, mas é preciso ter em conta o contexto.

Com o “passa a palavra” chegou a John Peel, que foi a ignição da sua carreira ao reproduzir algumas das músicas desse álbum na rádio BBC Radio 1. A partir daí, uma legião de fãs de culto nasceu em torno de Nina e, posteriormente, chamou a atenção a Steve Albini.

Pouco depois, estava a fechar o seu primeiro contrato e acabou até por relançar o seu primeiro álbum, quatro anos mais tarde. Em 2010 estava no auge e, subitamente, desapareceu do mapa, somente reaparecendo sete anos depois para um concerto e um single no ano seguinte.

Já em 2020, após o suicídio do seu manager, com quem teve uma relação extremamente disfuncional e abusiva, anunciou que já tinha deixado passar tempo demais e estava na hora de voltar produzir um álbum… 12 anos voaram e temos Riderless Horse, produção com a ajuda da pessoa que acreditou e pegou nela, Steve Albini. Se vale a pena? Sim, cada segundo dele.

Riderless Horse é o exemplo perfeito de um álbum 100% pessoal e é um dos pesados, mas, ainda assim, Nina Nastasia nunca nos deixa a sentir desconfortáveis ou intrusivos, pela forma como o interpreta. A artista conta tudo: como se sentiu, como sofreu e o que teve de aguentar. As palavras que parecem simples, quando se juntam em frases, ainda que não cortem, deixam marcas. Essas marcas são algo que se nota na suavidade angustiante da sua voz, mas não há ressentimento e é isso que torna Riderless Horse tão suportável.

Sofreu, é certo, mas optou por se regenerar e viver. Parte desse processo de regeneração passa por a exposição em tom de confissão/desabafo feita ao longo das 14 faixas deste álbum.

Se pode haver conforto na tragédia e beleza na dor, é com Riderless Horse que aprendemos isso – um álbum para ouvir e ler.

Classificação do álbum: ★★★★½

Músicas a ouvir:
> Just Stay In Bed
> This Is Love
> The Two Of Us
> Afterwards

Odesza – The Last Goodbye

Odesza The Last Goodbye

Género: Electronic/Chillwave

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Álbuns lançados por artistas produtores de música eletrónica são escassos, devido à volatilidade de um mercado em constante atualização e em busca do próximo grande hit, adaptado às necessidades de qualquer que seja o público-alvo. O momento para lançar determinado som encontra-se numa janela de tempo muito efémera e, como tal, optar por singles ou EPs é a decisão mais segura e usual.

Odesza é o nome do projeto de Harrison Mills (aka Catacombkid) e Clayton Knight (aka BeachesBeaches), um duo de produtores de música eletrónica proveniente de Washington, e The Last Goodbye é o seu 4º álbum de estúdio (e esperemos que não seja o último).

Com o anúncio do álbum, surgiu uma explicação por detrás deste regresso, após quase cinco anos sem material novo. Segundo Odesza, nos últimos anos houve espaço e tempo para uma reflexão existencial, desde “quem somos” até “para quem é que estamos a fazer isto”. Numa última instância, a inspiração e foco vieram do impacto que as suas famílias e amigos tiveram ao longo destes 10 anos de carreira, e foi encontrado conforto nessas relações familiares e de amizade que se tornaram parte do duo.

Este álbum acaba por gritar bem alto essa sensação melancólica, muito pelas melodias que contém. Não obstante, há que salientar o impacto dos artistas escolhidos para acrescentar alma às ótimas batidas e melodias que deste álbum. Nem todas as músicas são inesquecíveis, mas há um bom punhado delas que têm magia associada. Entre as músicas com Låpsley, Bettye LaVette, The Knocks e Ólafur Arnalds, quero mesmo salientar a faixa “Better Now”. Faixa essa que tem sangue português, emprestado por Mariana Secco – mais conhecida por MARO – que representou (e bem) Portugal na Eurovisão 2022, com a música “Saudade”.

Não elevo este álbum ao nível dos meus prediletos dentro do género, mas reconheço o valor que tem e não tenho dúvidas nenhumas que é um dos álbuns essenciais do mês de julho.

Classificação do álbum: ★★★★

Músicas a ouvir:
> Love Letter (ft. The Knocks)
> Better Now (ft. MARO)
> The Last Goodbye (ft. Bettye LaVette)
> Equal (ft. Låpsley)
> Light Of Day (ft. Ólafur Arnalds)

Paolo Nutini – Last Night In The Bittersweet

Paolo Nutini Last Night In The Bittersweet

Género: Soul Rock/Folk Rock

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Este é um bom álbum de rock como um todo. Diria que, apesar de cativantes, os arranjos podiam ser e oferecer algo mais, mas a voz cativante e extremamente agradável de Nutini compensa bem.

Ainda que não seja um álbum brilhante, Last Night In The Bittersweet demonstra que não é difícil fazer muito com pouco. Devia servir de exemplo para bandas como os Kings of Leon, Foo Fighters ou até Arctic Monkeys, cujos últimos álbuns foram muito humildes, sem alma e, por sua vez, inconsequentes. A lição que fica é que não é preciso ter riffs ou solos hiper-cativantes que façam estádios vibrar no expoente máximo de loucura para produzir música com sentido e propósito. Basta estar 100% confiante que o que se está a fazer significa algo e tem algum valor intrínseco que os resultados aparecem.

O que há a tirar deste 4º álbum de estúdio do multi-instrumentalista escocês, que se estende ao longo de mais de 1 hora e 10 minutos, mas quando nunca fica tempo demais, é que a sua voz é a sua maior arma, com o poder de elevar até os instrumentais mais simples, – apesar de, neste álbum, haver um bom punhado deles que são deveras cativantes – do fulgor do rock dançante à paz interior do soul.

Paolo Nutini é um “the one man show” que vão querer ouvir e talvez até ver ao vivo, porque música de qualidade não é assim tão abundante, e artistas “old soul” como este são raros.

Classificação do álbum: ★★★★

Músicas a ouvir:
> Radio
> Through The Echoes
> Shine A Light
> Desperation

Steve Lacy – Gemini Rights

Steve Lacy Gemini Rights

Género: Neo Soul/R&B

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O poder dos videojogos a influenciar músicos do futuro… É a mais pura das verdades, visto que uma das maiores virtudes do músico de Compton é a guitarra, que aprendeu a tocar em tenra idade por influência do videojogo Guitar Hero, com o qual começou a ganhar o bichinho, aos 7 anos de idade.

A partir daí foi sempre a aprender e evoluir, sendo que as coisas foram ganhando dimensão pouco depois de Steve Lacy ter celebrado os 13 anos, visto que ajudou na produção de oito faixas para o álbum Ego Death da banda The Internet, que foi nomeado para o Grammy de melhor álbum contemporâneo.

Em tudo o que o músico foi tocando, virou ouro. Falo de DAMN de Kendrick Lamar (vencedor de Grammy), Father Of The Bride dos Vampire Weekend, Isolation de Kali Uchis, Swimming de Mac Miller, When I Get Home de Solange e Negro Swan de Blood Orange – tudo álbuns que entraram nas minhas listas de melhores do ano em que foram lançados. Acho que já deu para perceber a ideia que o trabalho de produção musical Steve Lacy não é fruto do acaso, é talento.

Gemini Rights é, provavelmente, um dos álbuns com o sabor a verão mais intenso deste ano, que consegue conjugar R&B, Jazz, Rock e Funk numa simbiose deveras agradável que promete causar inúmeras sensações prazerosas a quem a ele se entrega. Ainda que arranque com mais fulgor do que com que acaba, e por vezes pareça uma Mixtape, não deixa de ser um bom álbum recheado de pérolas musicais.

De Apolo XXI (2019) para agora não houve qualquer quebra de qualidade e as provas de talento estão mais do que dadas, mas, por vezes, fica a sensação que Lacy ainda está aquém do seu potencial e que o álbum que o vai imortalizar e fazer explodir a sua carreira está mesmo quase a sair do forno. E não, ainda não foi desta.

Gemini Rights deixa claro onde Steve Lacy quer chegar, mas não passou de uma extensão do destino do artista… é uma questão de tempo!

Classificação do álbum: ★★★★½

Músicas a ouvir:
> Helmet
> Mercury
> Bad Habit

The Sadies – Colder Streams

The Sadies Colder Streams

Género: Country Rock/Alternative Rock

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A prova que nunca é tarde demais para produzir um álbum recheado de alma e com impacto, mas que por vezes é lançado tarde demais. Colder Streams é um bom álbum com bastantes músicas de qualidade, que conjuga diversas abordagens musicais, com uma panóplia de géneros distintos. Apesar desses géneros funcionarem bem como um todo e o álbum não transmitir uma sensação de bipolaridade, é importante referir que se o é, tal deve-se a um motivo triste, mas bonito por detrás.

Em fevereiro deste ano, os The Sadies viram partir um dos seus ilustres membros, Dallas Good, vítima de complicações de saúde. Em tom de homenagem, a banda decidiu lançar um último álbum em memória do cantor e guitarrista, incluindo todas as faixas que foram gravadas posteriormente ao seu falecimento, nas quais ele participou.

Não foi revelado ainda se a banda tem intenções de continuar em atividade, mas qualquer que seja a decisão, o desfecho será sempre agridoce, dado que este é, sem dúvida, o melhor álbum lançado pelos de The Sadies. E de uma coisa podem ter a certeza: ou nunca o vamos poder ouvir ao vivo, ou, se acontecer, vai sempre faltar uma peça fundamental.

Em todo o caso, vale muito a pena dar uma oportunidade a Colder Streams, pois tem alma, emoção e uma qualidade musical fabulosa. O country rock com sonoridades western é a base, mas daí vão poder viajar, de música para música, entre derivados – dos sons espaciais da psychedelia aos riffs crus do garage rock, com baladas sentidas pelo meio.

Pessoalmente não conhecia os The Sadies antes, mas foi um exercício gratificante inteirar-me de parte do seu trabalho e, por isso, digo com certezas que Dallas Good, onde quer que esteja, estará certamente orgulhoso da homenagem que o seu irmão, Travis Good, montou com a ajuda dos restantes elementos da banda, Sean Dean e Mike Belitsky.

Classificação do álbum: ★★★★

Músicas a ouvir:
> Message To Belial
> All The Good
> No One’s Listening
> Ginger Moon

Outros álbuns a ouvir:
Burna BoyLove, Damini
Jack WhiteEntering Heaven Alive
Lil SilvaYesterday Is Heavy
MetricFormentera
Viagra BoysCave World

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