Dia de Clássicos – Yo La Tengo ao vivo no Capitólio

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6 de fevereiro de 2019. Dia de clássicos: dia de Benfica-Sporting (não falemos sobre isto…), dia de Barcelona-Real Madrid. Assinalavam-se os 25 anos do único concerto dos Nirvana em Portugal (contam alguns que lá estiveram que não terá sido tão bom assim…). Diversas efemérides, portanto.

O Pedro Mexia não quis saber disso para nada. Nem ele nem o muito público que preencheu o Capitólio para receber o regresso a Portugal de uma verdadeira instituição rock (nota: a sala tem um defeito – o palco está muito baixo, impedindo que uma grande parte do público presente não consiga ver os elementos no palco, mesmo quem está relativamente perto). Lisboa foi a cidade escolhida pelos Yo La Tengo darem início a mais uma digressão pela Europa, em promoção do seu (belíssimo) último álbum There’s a Riot Going On.

A banda formada em Hoboken, New Jersey, nos Estados Unidos, em 1984 (já lá vão 35 anos!!!), é conhecida pela sua simplicidade e ausência de tiques de vedetismo. Isso nota-se em palco, estando o mesmo “decorado” de forma simples, apenas com alguns LP e singles pintados a serpentearem o palco. Nada mais. Não há projeções, nem ecrãs, nem grandes jogos de luz (praticamente não há nenhuns). Também não há roupas extravagantes, nem adereços nem afins. Nem haverá muita conversa nem “I love you’s” nem “são o melhor público que já tivemos” atirados aos presentes. É de música que se trata aqui.

Quando por volta das 21h20 Georgia, Ira e James entram em palco (o concerto começou com algum atraso – quem sabe estariam também agarrados à televisão a ver outros clássicos…), quem os conhece sabe que estarão 100% focados na sua música. E a média de idades dos presentes (que rondaria facilmente os 35 anos) parece mostrar que sim, que a maioria os conhece, e bem. Muitos terão crescido com eles. Ouvem-se recordações da juventude, de outros concertos assistidos… Há até quem admita o seu crush com Georgia (palmas para o senhor que, no final do concerto, conseguiu, finalmente, um dos seus álbuns assinado pela Georgia, depois de diversas tentativas nos últimos anos).

Passaram o ano passado pelo NOS Alive, num concerto totalmente diferente do que apresentariam agora. Há vários anos que um concerto de Yo La Tengo em nome próprio consiste em duas partes distintas, separadas por um intervalo: uma primeira parte em formato “sossegado”, pausa para cafezinho/xixizinho, seguida de uma segunda parte mais enérgica, com maiores doses de eletricidade. Não seria exceção.

O pontapé de saída foi dado com uma versão longa de “You Are Here”, do último álbum There’s a Riot Going On (que compôs uma grande parte do alinhamento), a recordar-nos que a nossa cabeça deveria estar ali (e não na 2ª Circular). Seguiram-se os doces chiuap chiuap de “Forever” (notando-se, porém, que o som do micro de Ira Kaplan, propositado ou não, saía algo abafado). Sem pausas entre canções (poucas bandas conseguem fazer transições tão boas entre músicas), chega a vez de Georgia nos embalar com a sua voz doce (por vezes a lembrar a saudosa Nico), ao som da preciosa “Pablo and Andrea”, do já longínquo Electr-O-Pura. Um dos momentos altos do concerto, com a guitarra de Ira sempre em crescendo.

Os três elementos que compõem a banda vão trocando de posições entre si de acordo com os requisitos instrumentais de cada canção. Georgia é baterista, mas também passa pelas teclas. Ira é guitarrista, mas também mexe na caixa de ritmos. James é o baixista mais concentrado de sempre, mas também toca contrabaixo, teclas e o que for preciso. “She May, She Might” e “Ashes”, mais duas de There’s a Riot Going On, ambas com belos arranjos (o cantar dos pássaros quase que nos transporta para um bosque), são prova disso.

Surge então uma das raras intervenções de Ira Kaplan junto dos presentes para agradecer a sua presença. Ele sabe que está a haver um jogo importante e que esse facto pode ter representado um desafio para ali estarem presentes. Daí o seu obrigado por os terem preferido a eles. O agradecimento veio com “I’ll Be Around”, colheita de Fade, de 2013. Como não os iríamos preferir a eles?

“Deeper Into Movies”, de I Hear the Heart Beating as One, para muitos o seu melhor álbum, marcaria o final da primeira parte. Interpretada com menos eletricidade do que em álbum, foi a escolha perfeita para encerrar o primeiro set. Com uma primeira parte destas, ninguém levaria a mal se ficasse por ali. Intervalo.

Para muito boa gente, intervalo num concerto poderia ser um anti-climax. Não concordamos. Pelo menos aqui. No caso dos Yo La Tengo, o intervalo é apenas para retemperarmos forças para o que se segue. Para além disso, a secção musical escolhida (por eles?) durante o intervalo incluiu DJ Shadow e Sleaford Mods. Qualquer intervalo passa a ser fixe.

15 minutos volvidos e todos de volta ao seu lugar. Recomeçam com “Dream Dream Away”, também de There’s a Riot Going On, antes de se atirarem a outro marco da noite, “Before We Run”, também recuperada de Fade, aqui com direito a versão extensa e mais intensa que em álbum. Podem fazer bis, por favor? Ou deixar em loop, mesmo?

A experiência e cumplicidade entre todos (ou não fossem Ira e Georgia um casal e James o seu baixista de longa data) é tanta que praticamente não comunicam entre si. Cada um sabe o que tem de fazer, cumprindo os papéis na perfeição. Chamada de atenção para a capacidade de concentração de James McNew. É capaz de tocar a mesma linha de baixo minutos a fio, apesar dos ataques danados à guitarra que Ira tem na 2ª parte do concerto.

“Stockholm Syndrome”, uma das suas canções mais conhecidas, é recebida com entusiasmo por muitos dos presentes (de referir que não há palminhas nem refrães a acompanharem as canções, até porque as músicas dos Yo La Tengo não se prestam a isso). Segue-se “I Should Have Known Better”, de I Am Not Afraid of You and I Will Beat Your Ass (melhor título de álbum de sempre), com o seu quê de Stereolab (ou os Stereolab é que têm o seu quê de Yo La Tengo?).

“Shades of Blue” volta a lembrar-nos que Georgia tem uma voz perfeita para nos embalar (e voltamos a associar o seu timbre de voz a Nico). Tempo para Ira se agarrar furiosamente ao teclado, seja com os dedos, com as mãos como um todo, com os cotovelos, para interpretar “Sudden Organ”, trazido de Painful, outro marco da carreira. Por mais furiosa e distorcida que seja a canção, há em Yo La Tengo um constante sentido pop. Perguntamo-nos como não têm verdadeiros hits nem canções com airplay nas rádios.

A parte final do concerto manter-se-ia elétrica, com “Tom Courtenay” e a melancólica “I Heard You Looking”, em versão longa-duração. Ira Kaplan mostra nestes momentos o excelente guitarrista que é, “maltratando” as duas guitarras até extrair delas os sons e a distorção pretendida.

Despedem-se com um humilde “thank you”, perante uma ovação de palmas. Não era despedida suficiente. O público queria mais. Voltam após alguns momentos. Começam os “discos pedidos”. Pedem-se “A Glitter is Gone”, “Autumm Sweater”, “Nothing to Hide”.

Ira menciona um tal de John Davidson, que terá escrito um livro sobre como ser um bom entertainer. Explicam que não gostam lá muito do livro, e que não é por aí que vão ser bons entertainers. É por isso que preferem tocar algo que tocam raramente: “Nutricia”, de Genius + Love = Yo La Tengo. Ainda bem que o preferiram fazer. Seguiu-se a rockeira cover de “Prisoners of Rock ‘n’ Roll”, do mestre Neil Young. Para fechar quase três horas de concerto, a belíssima versão de “Somebody’s In Love”, dos The Cosmic Rays.

Os Yo La Tengo podem não ser a banda mais mediática do mundo, nem a que move mais público, nem tampouco a que vende mais discos. Mas são sem dúvida uma das mais completas, honestas e verdadeiras. Voltem sempre. Com ou sem clássicos.

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