Uma mistura interessante entre roguelike, sobrevivência e uma pitada de estratégia por turnos que começa forte, mas torna-se progressivamente menos memorável.
Em vários aspetos, Wild Bastards é a evolução lógica do seu antecessor, Void Bastards. Ambos os títulos, desenvolvidos pela Blue Manchu Games, assentam na experiência roguelike e focam-se num grupo de protagonistas que procuram escapar de uma situação de vida ou morte. Em Void Bastards, assumimos o papel de vários prisioneiros descaracterizados, cuja personalidade podia resumir-se aos seus atributos passivos, mas em Wild Bastards, o elenco ganha destaque e multiplica-se por 13 fora-da-lei numa versão futurística da ambiência western dos clássicos do cinema. Mas os dois jogos diferem na forma como abordam o género roguelike e o adaptam aos seus temas e ambientes, e Wild Bastards, num primeiro contacto, revela-se como o mais arrojado dos dois. Uma evolução incisiva em vários sentidos e uma lógica de design que revela o crescimento da Blue Manchu Games com o género, mas a expansividade da campanha e a sua repetição cedo levam-nos a questionar: Qual dos jogos é a verdadeira evolução?
Em Wild Bastards, voltamos a presenciar uma história de sobrevivência, munida de um sentido de humor mordaz. Desta vez, o espaço transformou-se numa versão alternativa do faroeste, onde robots e mutantes saltitam entre planetas e galáxias à procura dos melhores saques. Os combates continuam relegados à lei da bala e do mais rápido, dos revólveres mortíferos e das espingardas de longo alcance, apesar de toda a tecnologia que nos rodeia. É neste universo de bandidos que encontramos os Bastards, um grupo de fugitivos que já viu melhores dias. Dos 13 nomes que davam vida ao grupo, apenas dois sobreviveram, Spider Rosa e Casino, e mesmo eles correm perigo de vida. O gangue de Jebediah Chaste está à sua procura e os dois sobreviventes só têm uma oportunidade de escapar. Com a sua nave, a Drifter, Spider Rosa e Casino descobrem que não só têm um escape, como é possível ressuscitar os seus antigos colegas. Para tal, é preciso navegar o universo, saquear todos os setores e reaver os caixões dos bandidos assassinados para que todos possam voltar sãos e seguros ao Homestead – a sua base.
Quando chegamos a um novo setor, somos presenteados com um mapa-mundo. Neste mapa, temos à disposição vários caminhos alternativos para delinearmos a nossa abordagem aos desafios que nos esperam. Um caminho pode dar-nos acesso a vários recursos, mas colocar-nos numa posição de perigo, e outro pode oferecer uma alternativa com menos recompensas, mas maior segurança. Por mais ramificações que encontremos, todos os caminhos concentram-se num só ponto do mapa e é aqui que encontramos o caixão dos nossos colegas. Este é o objetivo de cada setor e a maior recompensa de Wild Bastards. Se recuperarmos o caixão e escaparmos antes de sermos apanhados pelo gangue de Chaste, ressuscitamos um novo colega e aumentamos a nossa equipa. Com mais personagens, melhores hipóteses teremos de chegar mais longe e poderemos ser mais arrojados na nossa abordagem aos níveis, procurando melhores recompensas.
A campanha de Wild Bastards não se cinge ao mapa-mundo. Todos os pontos do mapa representam um planeta que podemos explorar para encontrarmos recursos. Para tal, precisamos de escolher a nossa equipa, até 3 elementos, e construir os grupos que levaremos connosco. Feita a escolha e terminadas as preparações – onde podemos equipar mods, que adicionam habilidades passivas e novos atributos às personagens, ou utilizar itens de cura para recuperar a energia dos bandidos –, somos transportados para um dos planetas, onde encontramos um novo mapa dividido por vários pontos de interesse. Os níveis de Wild Bastards funcionam como tabuleiros num longo jogo de sorte, cujas casas representam não só uma jogada, mas também os inimigos, itens, extras e até auxiliares temporários que podemos recolher ou ativar.
Em campo, tudo funciona por turnos. Com as nossas equipas, temos a possibilidade de andar um número determinado de casas. Os pontos de ação são ilimitados desde que tenhamos movimentos suficientes para chegarmos às casas que queremos. Portanto, só gastamos pontos de movimento, o que não é propriamente uma bênção se não soubermos posicionar corretamente as personagens no final de cada turno. Um mau movimento pode colocar-nos à mercê dos gangues que viajam pelo mapa inteiro à nossa procura, obrigando-nos a aceitar um combate que preferíamos evitar.
Até concluirmos o número de movimentos que temos à disposição, o mapa é nosso e a abordagem à exploração é determinada pelos jogadores. Podemos recolher rapidamente os itens que nos interessam, navegar até às lojas para comprarmos o que for necessário ou então contratar ajudantes e ativar armadilhas que reduzirão os números de rivais. A navegação é fulcral e alguns mapas apresentam recompensas que influenciam profundamente a nossa campanha. As cartas de Ás, ou Aces, são imprescindíveis e devem ser recolhidas o mais depressa possível porque são a única forma de evoluirmos as personagens. Sem estas cartas, as personagens estagnam e passam a depender unicamente dos mods que encontramos – que, por sua vez, estão dependentes do que encontramos nos mapas e do dinheiro que recolhemos, já que podemos comprar novos mods nas lojas. Seja qual for a escolha, o turno chegará ao fim quando ambas as equipas não tiverem mais ações disponíveis.
O combate é inevitável. Seja qual for o planeta ou caminho que escolhermos, a morte está sempre à espera dos nossos Bastards. Quando encontramos um gangue ou decidimos enfrentar uma patrulha de controlo – que podemos, já agora, subornar para nos deixarem passar -, Wild Bastards despede-se da sua vertente estratégia e abraça a ação roguelike, ainda que com uma pitada de furtividade. A Blue Manchu Games não se afastou muito do ritmo e tensão da exploração e combate que incorporou em Void Bastards, mas contextualizou a ação para criar verdadeiros confrontos de faroeste. Em Wild Bastards, não há exploração associada aos níveis de ação, apenas combate e sobrevivência, funcionando como arenas fechadas. No entanto, os espaços são extensos, repletos de zonas superiores e inferiores, uma certa verticalidade – através de plataformas, postos de vigia e telhados – e inúmeros elementos decorativos que funcionam como zonas de proteção e esconderijo, mas também power ups temporários, pontos de cura e escudo, entre outros. No fundo, a ação divide-se entre apanhar os inimigos de surpresa e tentar esconder a nossa posição sem fazermos muito barulho para atacarmos no momento certo.
As patrulhas são determinadas por um número de inimigos, entre vários tipos de pistoleiros e criaturas. À medida que avançamos pela campanha, a dificuldade obviamente aumenta e as combinações de inimigos ganha novos contornos, introduzindo classes com armaduras e efeitos elementais que são progressivamente mais problemáticos. Seja qual for o nível, planeta ou setor em que estejamos, só existe uma certeza: nós estaremos em desvantagem. Se uma patrulha pode ter 10 ou mais elementos, os nossos Bastards não vão além de equipas de dois elementos, que podemos alternar em combate entre eles. É aqui que entra a componente de sobrevivência. O confronto direto raramente é a melhor opção e é necessário utilizar o cenário, a distância e os padrões dos inimigos para que possamos sair vitoriosos.
A construção das equipas também é essencial e cada personagem traz consigo armas e habilidades únicas que diferem imenso entre si. Basicamente, escolher uma personagem é escolher uma forma de jogar. Mesmo que todos tenham loadouts vocacionados para o ataque, com armas de curto ou longo alcance, o comportamento, a velocidade, o alcance e as habilidades que adicionam ao sistema de combate injetam variedade e novidade. Por exemplo, Spider Rosa não tem tantos pontos de vida como outras personagens e foca-se mais na distração dos inimigos, com um chamariz, e na redução dos seus movimentos, mas os seus dois revólveres rápidos são perfeitos se for apanhada. Spider Rosa é o tipo de personagem que precisa de um certo distanciamento dos inimigos para ser eficaz.
Por sua vez, Casino tem uma abordagem mais direta devido à sua shotgun de canos serrados. O alcance da arma é limitado e Casino funciona melhor em confrontos de curto alcance, ainda que seja arriscado devido aos seus baixos pontos de defesa. Para compensar, a sua habilidade especial é devastadora e dá-nos a possibilidade de eliminar um inimigo em campo automaticamente, tal como se fosse uma slot machine que acabasse de determinar o destino do nosso adversário. Depois temos Bastards com armas e habilidades mais específicas e que requerem não só abordagens diferentes, mas também outro tipo de experiência, como Smoky e Hopalong. O primeiro é o chef da equipa, viciado em feijões, e a sua habilidade resume-se a utilizar ataques de fogo que, infelizmente, também são capazes de o queimar. O fogo não é devastador em confronto direto, mas aplica um efeito de dano que se prolonga por alguns segundos. Já Hopalong é um caso ainda mais curioso, perfeito para quem adora evitar os confrontos diretos, até mais do que Spider Rosa, com mobilidade superior quando se baixa e um chicote como arma principal, que permite atordoar os inimigos. No fundo, cada Bastard traz algo novo ao sistema de combate e é essencial saber quais são as melhores combinações.
No entanto, não podemos abusar dessas combinações e pensar que podemos depender de um número fixo de personagens. Quanto mais combinarmos as personagens e as lançarmos para os níveis como equipas, ainda hipóteses têm de se chatear. Os Bastards têm uma personalidade afincada e o grupo não seria um reflexo da temática western sem um pouco de tensão pessoal. As zangas não são determinadas por acontecimentos específicos ou porque escolhemos o diálogo errado, apenas por cansaço ou então devido à nossa prestação em combate – o que é uma pena, já que retira algum drama à funcionalidade. Quando os Bastards se chateiam, eles recusam-se a partir em missão em conjunto. Para terminarmos estas rivalidades, temos de dividir uma refeição de feijões com os Bastards, feijões esses que encontramos espalhados pelos níveis. É um sistema de rivalidade interessante e que é capaz de afetar de forma curiosa o progresso porque limita as equipas que podemos formular, mas senti que é muito aleatório. No entanto, não deixa de ser uma boa motivação para os jogadores alternarem mais entre personagens, sem dependerem constantemente do mesmo grupo ao longo da campanha.
A adaptação dos temas, clichés e ambientes que associamos ao género western dão vida a Wild Bastards e determinam uma jogabilidade que é competente, ainda que um pouco rígida em combate. No entanto, a repetição é uma maldição e a Blue Manchu Games parece ser castigada por oferecer demasiado conteúdo para a fórmula de Wild Bastards. A navegação entre setores, a escolha dos níveis, as recompensas e depois a exploração das áreas através da jogabilidade por turnos é muito aliciante num primeiro contacto. No terceiro setor, o cansaço instala-se e sentimos que os níveis ficam maiores e mais densos em inimigos, mas pouco interessantes. A variedade estagna e deparamo-nos com os mesmos itens, recursos e ferramentas auxiliares que não oferecem novas opções. Alguns níveis adicionam efeitos elementais, como a neve que elimina automaticamente um turno, mas a navegação torna-se monótona e fora o receio de deparar-nos com os filhos de Chaste, que surgem nos níveis ao fim de um número de turnos, não existe propriamente estratégia na forma como abordamos os mapas. Em combate, os níveis tornam-se também enervantes e os elementos cosméticos, que começam por serem interessantes, acabam por prejudicar demasiado a navegação e a nossa visibilidade. Com inimigos progressivamente mais esponjosos e arrojados na sua movimentação, a estratégia e tensão dissipam-se e os confrontos tornam cada vez mais confrontos de rapidez do que propriamente jogos de tensão e furtividade. Por fim, alguns bugs visuais e inimigos que ficam presos dentro dos assets acabaram por prejudicar ainda mais a minha experiência.
No que toca aos sistemas e mecânicas que apresenta, Wild Bastards é um jogo muito mais arrojado do que o seu antecessor. A temática western aliada à descoberta de novos membros da equipa e a possibilidade de gerir as personagens num mundo de confrontos por turnos parecia aliar o melhor de Void Bastards com maiores e melhores oportunidades de personalização e combate. No entanto, Wild Bastards revela-se mais inchado à medida que avançamos e sentimos os seus sistemas a travarem a ação e não a acompanharem-na, ao ponto de não querermos interagir com certas mecânicas porque estamos mais e mais cansados. WIld Bastards é um bom jogo que necessita de maior foco e algumas atualizações para suavizar alguma da repetição e ritmo monótono da campanha.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Maximum Entertainment Press.