While She Sleeps e Rolo Tomassi no RCA Club: Novo Sangue de Sheffield

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Numa segunda-feira tão fria como esta (no passado dia 15 de janeiro), não seria previsível o quanto a melodia do hardcore e o peso do metal – ou, no geral, metalcore? – ainda iriam fazer suar dentro de um RCA Club tão bem composto para receber a estreia das duas bandas de Sheffield em Lisboa. Foi a segunda de três datas em território português a cargo da parceria Ample Talent/Out of Sight Booking, depois de uma noite também esgotada no Hard Club, no Porto.

Para abrir as hostes estiveram os portugueses Villain Outbreak, a quem este escriba estende um pedido de desculpas por não ter sido possível estar presente no espaço antes das 21:00. Se os algarvios expuseram metade que seja da entrega sentida pelos coletivos ingleses, já terá valido a pena. Fica o desejo de sucesso, a comprovar numa próxima oportunidade.

Seguiam-se os Rolo Tomassi, que no dia anterior puderam finalmente colmatar a sua falha de terem cancelado à última hora um concerto em nome próprio no fim de 2010 no Porto. E quão crescidos estão estes jovens, já distanciados do espástico nintendocore que o seu primeiro álbum, Hysterics (2008), deu a conhecer ao público. Melhor que palavras, que o diga a entrada em palco com “Rituals”, uma das músicas como amostra antecipada de Time Will Die and Love Will Bury It, o próximo registo de longa-duração a ser editado em Março deste ano: mantêm-se os teclados, não para um som 8-bit tão típico dos videojogos clássicos, mas para criar um ambiente algo sinistro; entra aquele compasso de hardcore demarcado e arrastado, a que os Converge nos habituaram, que faz começar a bater o pé; e, subitamente, disparam os berros demoníacos de Eva Spence e a música ganha um corpo e velocidade que, apenas à falta de estética e influência, quase os aproximam a uns Oathbreaker; isto, sem esquecer que, no crescendo final, ainda somos presenteados com vocais reminiscentes de uma veia post-hardcore à Refused. Demasiadas comparações apenas para os primeiros quatro minutos?

Isto seria só o começo. Explodem “Estranged” e “Funereal”, ambas do último álbum, Grievances (2015), refletindo assim o mathcore que sempre lhes esteve no sangue: aos já naturais polirritmos e compassos compostos, junta-se a voz de James Spence, teclista e irmão da vocalista, que, em jeito de dueto hardcore, também lhe confere um toque screamo, com Circle Takes the Square a vir à mente. O público, no geral, embora possivelmente (e compreensivelmente) confuso com o caos, ainda reagiu com alguma movimentação tímida nas linhas da frente. “Ex Luna Scientia”, do terceiro álbum, Astraea (2012), “Old Mystics”, single isolado anterior ao mesmo, e “Party Wounds”, do segundo álbum, Cosmology (2010), foram os recuos possíveis na discografia do grupo, perspetivando que, apesar de presentemente mais focados e coesos, o lado experimental sempre existiu.

Não deixa de ser encantador ver Eva a dançar como uma bailarina em momentos calmos que antecedem a tempestade sonora, ou o à vontade (e destreza) com que altera o seu registo vocal de fortes rugidos para cantos etéreos.

De volta ao último álbum, a fantásica “Opalescent” é perfeito exemplo disso, com a sua entrada jazzística, quase lounge music, e melodias expansivas de uma leveza arrebatadora – por momentos, perguntamonos se ainda estamos a ver a mesma banda barulhenta de há minutos atrás. “Stage Knives”, do mesmo álbum, serve praticamente como um resumo de todo o concerto, no que toca à capacidade e elasticidade dos músicos em juntar numa música tantas influências dispares.

Por fim, “Balancing the Dark”, mais um pronuncio do futuro álbum, confirma pelo menos uma ideia: mais negro que o registo antecessor, os Rolo Tomassi ainda vão dar que falar.

Antes da despedida, depois de agradecer uma vez mais o carinho do público, a vocalista reafirma “vão divertir-se imenso com os While She Sleeps, vão ver!” E não é que estava certa?

Somente por todo o aparato logístico de mudança de palco, percebia-se que o nome que aí vinha já joga noutro campeonato: sound check rápido e preciso, som mais cristalino, vários instrumentos por músico, e quase tudo com tecnologia sem fios, à exceção dos microfones, além de uma crew de roadies extremamente eficiente (e sê-lo-ia pela noite fora), são pormenores que se fazem notar numa banda que ambiciona palcos cada vez maiores.

Enquanto se fazia o compasso de espera, ouvia-se “True Friends” dos conterrâneos Bring Me the Horizon, com uma plateia já tão ansiosa de se entregar a refrões orelhudos que o cantou em uníssono. Juntemos-lhe o pano de fundo com a capa do último álbum, You Are We (2017), colocado já desde o início da noite, uma pequena bandeira vermelha com a insígnia WSS, ao jeito da capa do álbum anterior, Brainwashed (2015), sobre o microfone principal, e estavam todos os elementos reunidos para que o quinteto surgissem em palco.

While She Sleeps no RCA Club
While She Sleeps no RCA Club (Fotografia: Jacob Shepherd)

Não foi preciso ir para lá da primeira música, ou de muitos segundos sequer, para sentir toda a sala lisboeta incendiar-se em fervor com os While She Sleeps. Após os primeiros licks de guitarra de “You Are We”, e assim que Lawrence “Loz” Taylor, o carismático vocalista, se agarra ao microfone para vociferar essas mesmíssimas palavras que compõem o nome do tema título, como se diz em inglês, “all hell broke loose” – começou o pandemónio: a composição rebenta numa continuação da harmoniosa linha de guitarra, e com ela também todo o público, sôfrego de movimento, com as primeiras filas da plateia prontas a espremerem-se para entoar todas as palavras aos olhos (e, se possível, ao microfone) do líder da banda. A música ganha embalo, com riffs mais musculados e gingões, intercalados com passagens melodiosas, como o dita o equilíbrio do metalcore melódico, e “Civil Isolation”, a escolha seguinte do mesmo álbum, é um exemplo disso.

Algures entre uns Architects, quando não tão técnicos, e uns supracitados Bring Me the Horizon (BMTH), mas fugindo das fases deathcore e da atual, a banda consegue balancear-se entre o peso e a balada duma forma extremamente cativante.

Recua-se ao primeiro álbum, This is the Six (2012), pela “Seven Hills” e “Death Toll”, apenas separadas pela homónima do segundo, “Brainwashed”, todas elas mais corridas e enérgicas. Por esta altura já se perdeu conta às dezenas de crowd surfs somados, o circle pit teima em não abrandar o ritmo, o headbang já se espalha da frente para o fundo da sala, subindo até ao primeiro andar, e as vozes de todos os presentes ouvem-se mesmo sem qualquer amplificação – atenção, ainda nem a meio do set vamos.

Voltamos ao mais recente trabalho através da “Empire of Silence” e “Steal the Sun”, que ensanduicham uma “This is the Six”: a primeira com os seus cânticos monossilábicos, refrão que fica no ouvido – “we’re building walls where there should have been bridges…” – e breakdown simples mas eficaz; a segunda mostra um regresso ao poder mais corpulento e direto, com uma casa cheia de vozes em uníssono a berrarem as palavras do título; e a terceira, mais recente single de apresentação, além da parecença inicial a 36 Crazyfists, demonstra uma evidente influência de uns Alexisonfire, com o exímio trabalho vocal do guitarrista ritmo, Mat Welsh – constante, aliás, em toda a performance, assim como das vozes de apoio de praticamente toda a banda.

While She Sleeps no RCA Club
While She Sleeps no RCA Club (Instagram: @eduardomatospt)

Nem o primeiríssimo EP da banda, The North Stands for Nothing (2010), ficou esquecido, e de lá ainda se recuperou “Crows” que, embora não tão aprimorada, não destoou. Aproximava-se, no entanto, o trio final de músicas composto pela “Four Walls”, do segundo, e pelas “Silence Speaks” e “Hurricane”, do último álbum: se a primeira começa com o que pareciam cânticos irlandeses a ecoarem pela sala e oferece o que poderia ser a última descarga de peso, os dois singles finais, embora mais melódicos, demonstram que a enérgica plateia estaria disposta a prolongar a noite por muitas mais músicas – ou seja, não se pense que o silêncio diz tudo (“I think that silence speaks volumes”, linha cantada originalmente numa parecia com Oli Sykes, dos BMTH), mas sim que seria necessário um furacão para os levar dali (“it’ll take a hurricane”, parte do refrão da música com, curiosamente, o mesmo nome de outra duma clara influência para o grupo, Thrice).

Depois de ao longo de todo o concerto se ter desfeito variadas vezes em zelosos agradecimentos aos seus fãs, tanto pelas palavras como pelas ações, não havia mais nada que Loz e os seus rapazes pudessem fazer para todos os presentes partilharem um sorriso ainda maior. Através da banda de metalcore, os valores de união do hardcore, espelhados em letras na ponta da língua, permanecem completamente atuais, mesmo que com uma nova cara mais metalizada. E se há mais de quinze anos, dadas as devidas comparações, um concerto de Killswitch Engage conseguiu ser tão especial para alguns, inclusive quem vos escreve, esta noite terá sido, sem qualquer sombra de dúvida, tão ou mais mágica para uma nova geração.


 

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